Os números relativos às emissões de CO2 são difíceis de calcular e de seguir, como refere a primeira parte deste artigo escrito por Angeli Mehta e publicado pela Reuters. Algumas empresas reportam a intensidade das emissões, que pode encapotar um aumento nas emissões de carbono à medida que o negócio cresce. O grupo de luxo Kering recentemente anunciou um afastamento desta prática. O CEO François-Henri Pinault afirmou que «se queremos realmente descarbonizar os nossos negócios mundiais, temos de passar das reduções de intensidade carbónicas para reduções absolutas».
A cadeia de aprovisionamento que está por detrás de uma montra está dividida em níveis (Tier em inglês), explica Angeli Mehta. O chamado Tier 4 produz matérias-primas como poliéster (derivado de combustíveis fósseis) e algodão, onde a aplicação de fertilizantes (também provenientes de combustíveis fósseis) aumentam as emissões. Mais de metade de todas as fibras usadas atualmente são poliéster – a sua predominância permitiu o crescimento da fast fashion. A reciclagem de poliéster não tem ainda escala, por isso a indústria só pode alegar reduções de emissões ao usar poliéster produzido a partir de garrafas PET, que não pode ser exatamente considerado circular, sublinha a autora.
As matérias-primas transformam-se em fibras no Tier 3, a tecelagem e a tricotagem estão no Tier 2 e a confeção no Tier 1, com a visibilidade sobre quem fornece o quê a ser cada vez mais difícil à medida que se avança na cadeia. Há, por isso, grandes esforços em curso para mapear as cadeias de aprovisionamento para permitir as colaborações ao nível das fábricas e para compreender os direitos dos trabalhadores e as descargas de água e químicos. É também crítico responder à questão da desflorestação nas cadeias de aprovisionamento, por exemplo no Camboja, onde investigadores britânicos identificaram fábricas de vestuário alimentadas a madeira proveniente de florestas naturais.
O Tier 2, onde os têxteis e acessórios são produzidos e acabados, concentra a maior parte (52%) das emissões. Os pré-tratamentos, tingimento, estamparia e acabamentos são feitos maioritariamente em água a altas temperaturas, muitas vezes com energia proveniente de carvão. Os químicos derivados de petróleo, como os corantes, também contribuem para as emissões. Há dois ângulos por onde atacar: melhorar a eficiência energética juntamente com a transição para energia renovável e passar de processos em húmido para processos secos, que usam pouca água – onde existem inovações como tingimento controlado digitalmente e técnicas de acabamento por ozono ou laser.
Se se conseguir escalar estas mudanças, o carvão deixaria de ser utilizado e o mesmo aconteceria com químicos que são prejudiciais para os humanos e o meio ambiente, destaca Angeli Mehta. No ano passado, a Fashion for Good lançou um novo consórcio que junta a Adidas, o Kering, o PVH e as empresas indianas Arvind e Welspun para testar novas soluções com inovadores.
As emissões de Scope 3 ocorrem em fábricas e ateliers, a muitos quilómetros e continentes de onde as marcas desenham e vendem os seus artigos.
Ele e os colegas recentemente começaram a tentar perceber as cadeias de aprovisionamento para avaliar onde são feitos os lucros em comparação com onde ocorrem os impactos ambientais. O objetivo é ver se os investidores começam a pressionar as marcas para investirem nas suas cadeias de aprovisionamento, não apenas para melhorarem a sua pegada ambiental, mas para poderem fundamentar as suas alegações de sustentabilidade, que ficarão agora sob escrutínio dos reguladores na Europa e nos EUA.
Angariar investimento
Conseguir investimento para onde é necessário tem sido difícil por uma miríade de razões, incluindo preocupações em relação às diligências e governança em relação a países produtivos no hemisfério sul, ao facto de muitas fábricas serem demasiado pequenas para atrair o capital necessário e aversão aos riscos de câmbio. A opacidade das cadeias de aprovisionamento torna mais difícil para os investidores saberem onde aplicar pressão, destaca o responsável do programa têxtil no think-tank Planet Tracker. Compromissos para que os fornecedores usem uma parte de energias renováveis podem não ser significativos se não houver energia limpa suficiente na rede local.
«Este tópico da descarbonização tem de estar ligado a práticas de compra», sublinha Ruth MacGilp, ativista na área da moda no grupo de pressão Action Speaks Louder. «Se continuamos a permitir que as marcas tenham estas práticas irresponsáveis de compras onde simplesmente andam por aí à procura dos preços mais baixos e sem políticas responsáveis de saída dos contratos, significa que os seus fornecedores não têm necessariamente vontade ou capacidade para fazer investimentos à cabeça para os objetivos climáticos das marcas», acrescenta.
Dar aos fornecedores a garantia de volumes futuros que lhes permita fazer os investimentos que são precisos para trocar as caldeiras a carvão, por exemplo, poderia, por sua vez, encorajar as marcas a partilhar o risco porque terão retorno sobre o investimento se se mantiverem com aquele fornecedor, apontam Richard Wielechowski e Ruth MacGilp.
A ativista da Action Speaks Louder gostava de ver mais iniciativas como o programa de energia limpa para os fornecedores da Apple, no qual a tecnológica lançou mais de 5 mil milhões de dólares em títulos verdes para o desenvolvimento de energias renováveis, assim como para fazer investimentos diretos.
Algumas marcas de moda seguiram o mesmo percurso – VF Corp, Chanel e Burberry, por exemplo. Mais recentemente, obrigações da H&M ligados à sustentabilidade no valor de 500 milhões de euros tiveram uma procura sete vezes superior. O pagamento de juros está ligado ao cumprimento de objetivos até 2025 para cortar emissões de gases com efeito de estufa e utilizar mais materiais reciclados.
A Fashion for Good e o Apparel Impact Institute estimam que serão necessários mais de um bilião de dólares para ajudar a indústria a atingir zero emissões líquidas de carbono até 2050. Cerca de metade desse valor é necessário para financiar soluções existentes. Como tal, é crítico que todos os stakeholders, incluindo a indústria e os governos, trabalhem em conjunto para que os investidores encontrem oportunidades de investimento com retornos atrativos e que tenham impacto positivo no clima.
Os investidores, contudo, parecem não estar dispostos a assumir riscos com tecnologias disruptivas, mas não testadas, motivo pelo qual a Fashion for Good desenvolveu uma iniciativa financeira no valor de 19 milhões de dólares que, até ao momento, já fez três investimentos em empresas no Bangladesh e na Índia. Também o Apparel Impact Institute está a tentar angariar um fundo climático para a moda de 250 milhões de dólares, que para já conta com seis investidores que se comprometeram com 60 milhões de dólares. As primeiras bolsas deverão ser anunciadas em breve.