Trabalho forçado aumenta em Xinjiang

Uigures adultos não são, aparentemente, os únicos que as autoridades chinesas estão a usar como mão de obra forçada. Uma nova investigação mostra que adolescentes de minorias étnicas estão igualmente a ser obrigadas a trabalhar em fábricas de vestuário.

[©End Uyghur Forced Labour]

Cerca de 90 raparigas uigures, com idades entre os 16 e os 18 anos, estão a ser fechadas na Wanhe Garment Co., no sudoeste da província de Maralbeshi, onde são obrigadas a trabalhar 14 horas por dia, sete dias por semana, sob um «acordo secreto» com uma escola profissional local, revela uma investigação da Radio Free Asia (RFA).

Este acordo prevê que as raparigas sejam enviadas para a fábrica contra a sua vontade, segundo quatro fontes ouvidas pela RFA, incluindo a dirigente local e o diretor de segurança da fábrica, que pediram anonimato.

As autoridades locais pressionaram os pais a não se oporem a este acordo, indica a responsável local, que convenceu os pais a deixarem as filhas irem.

Os trabalhadores na fábrica, que emprega também cerca de doze mulheres entre os 30 e os 40 anos e alguns homens, estão proibidos de sair. Dormem em dormitórios nas instalações da fábrica.

As raparigas são coordenadas por Tursungul Memtimin, uma mulher uigur de meia idade, a quem chamam de “professora”, que regularmente as insulta e critica e, por vezes, lhes bate com um taco, refere a responsável local.

«A “professora” é conhecida por ter mau feitio. Abusa fisicamente dos trabalhadores com um taco como forma de os magoar. Os trabalhadores vivem com medo dela e, devido a este ambiente intimidatório, ninguém se atreve a tentar escapar», afirmou a responsável à RFA.

Em abril, durante o mês do Ramadão, quatro raparigas fugiram para regressarem a casa na aldeia de Charibgh, na região de Yarkant, contaram a responsável e o chefe de segurança. Dias depois, a “professora” e outros trabalhadores foram à aldeia e ameaçaram enviar os pais das raparigas para campos de reeducação se as meninas não regressassem à fábrica. Quando regressaram foram sujeitas a formação e críticas, afirmou o diretor de segurança.

Segredo de Estado

A fábrica emprega pessoas entre os 16 e os 45 anos, que trabalham das 7h às 23h em três turnos, com uma hora de descanso para almoço e jantar. Os salários rondam os 300 a 400 yuan (cerca de 38 a 51 euros), segundo a responsável da aldeia. «O governo trouxe à força estes trabalhadores e eles não são livres de deixar a fábrica», acrescentou.

Um casal chinês supervisiona a fábrica, transmitindo as ordens a Tursungul Memtimin e ao chefe de segurança, que gerem em conjunto os trabalhadores, referiu a responsável da aldeia.

O contrato entre a fábrica e dois diretores da escola foi assinado em fevereiro de 2017 sem que os pais tivessem conhecimento do conteúdo. «Tursungul Memtimin fala chinês, por isso a escola convidou-a a trabalhar para eles. Ela não ensina na escola, mas gere os trabalhadores na fábrica. O salário mensal dela é de 6.500 yuan (cerca de 830 euros). A escola dá-lhe 3.000 yuan e a fábrica dá-lhe 3.500 yuan», esclareceu a responsável da aldeia.

A RFA tentou contactar os administradores da escola sem sucesso, mas dois responsáveis no gabinete de educação da região de Yarkant descreveram o conteúdo do contrato como «segredo de Estado» e estavam ao corrente da situação dos trabalhadores.

O chefe de segurança da fábrica também confirmou a existência de um contrato secreto. «Não posso dizer se no contrato está que os trabalhadores não podem deixar a fábrica de livre vontade», afirmou.

A Wanhe Garment Co. foi implantada na zona industrial de Maralbeshi em 2014, de acordo com o registo público. A empresa é uma das milhares de empresas produtoras de têxteis e vestuário que construíram fábricas no sudeste de Xinjiang.

O governo chinês e a indústria criaram uma escola de formação profissional para formar os residentes rurais para serem capazes de usar máquinas de costura e outros equipamentos, revela uma notícia de outubro de 2021 publicada pela agência noticiosa Xinhua.

No final de 2020, a capacidade de produção de Xinjiang na indústria têxtil de algodão representada 17,6% da capacidade total da China e empregava cerca de 600 mil pessoas.

«É difícil recrutar trabalhadores com um salário de 3.000 yuans no continente, mas aqui conseguimos contratá-los por 1.500 yuan», declarou, a uma revista chinesa dedicada ao têxtil, Yang Yuqing, presidente do conselho de administração da Wanhe, que foi também vice-presidente da Associação do Vestuário de Henan.

Mas os trabalhadores na fábrica são mal tratados, apontou a responsável local, que indica que mesmo aqueles que sofrem de exaustão física e acabam no hospital são obrigados a regressar ao trabalho assim que possível.

Um programa em expansão

Adrian Zenz, investigador em estudos chineses na Victims of Communism Memorial Foundation, uma associação sem fins lucrativos sediada em Washington, destaca ao Sourcing Journal que a investigação da Radio Free Asia «é consistente com a minha pesquisa. Desde os anos 2000 o Estado tem vindo a coagir jovens uigures depois do ensino médio – isto é, em idades do ensino secundário – para trabalhar especialmente em fábricas têxteis, muitas vezes no leste da China, mas também localmente. Mais recentemente, o cumprimento com as ordens de emprego estatais é feito com a ameaça de enviar os dissidentes para um campo, como refere esta história».

Desde 2017, centenas de milhares de uigures e outras minorias muçulmanas têm sido detidas nos chamados centros de reeducação, onde frequentemente passam meses ou mesmo anos a serem endoutrinados para se tornarem cidadãos modelo que falem mandarim e sejam leais ao partido comunista. Pequim defendeu estas medidas como sendo parte de uma luta contra o terrorismo e o extremismo que permitem que estas pessoas possam ser reinseridas na sociedade. Vários observadores externos, incluindo o gabinete de direitos humanos das Nações Unidas, ligaram estas medidas a padrões de tortura, violência sexual, supressão religiosa e outros crimes contra a Humanidade. Os EUA acusam mesmo a China de estar a cometer genocídio.

«Por mais horrível que seja, ter como alvo raparigas tão novas como com 16 anos faz sentido da perspetiva de uma tentativa do governo de acabar com a identidade uigur e controlar o que resta», sublinha, ao Sourcing Journal, Peter Irwin, diretor do programa do Uyghur Human Rights Project.

O responsável, contudo, assume nunca ter visto um acordo assinado com uma escola e admite que isso pode marcar uma «expansão» dos programas de trabalho forçado que existem para adultos. «O regime de trabalho forçado nos últimos seis anos assegurou que os uigures fiquem confinados nestes ambientes altamente controlados, tal como o sistema educativo fez durante muitos anos antes disto. Vê-se isso na forma como os professores são obrigados a ensinar coisas erradas ou livros escolares que são reescritos para refletir uma visão da história e da sociedade centrada nos Han. Trabalho e escola são os dois locais onde o governo chinês exerce mais influência e pode mais facilmente controlar a população», conclui Peter Irwin.