Sustentabilidade e digitalização foram os temas escolhidos para esta edição da conferência da ITMF – que voltou ao Porto pela terceira vez (a primeira foi em 1969, a segunda em 1993) – e traduzem as mudanças que se estão a sentir na sociedade. «Por exemplo, a procura dos consumidores coreanos por produtos reciclados e eco-friendly está a expandir-se de forma explosiva. Agora, é apenas uma questão de tempo até esta tendência mudar todo o nosso negócio», apontou Kikak Sung, presidente da ITMF.

Reconhecendo a deterioração da situação mundial, nomeadamente com «grandes incertezas políticas a terem impacto no consumo e nas decisões de investimento», o Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, sublinhou, depois de elogiar os esforços e sucessos na inovação das PMEs portuguesas, que «esta é a altura de investir fortemente. A transição digital e as exigências de sustentabilidade significam que as empresas terão de investir e as que investem agora são as que ficarão à frente no futuro».

De acordo com Isabel Furtado, CEO da TMG Automotive – ela própria uma empresa que teve de se reestruturar por «uma questão de sobrevivência», como frisou –, «só 50% das empresas perceberam a necessidade de avançar para a indústria 4.0. É urgente pensar sobre isto». O investimento nos nove pilares da indústria 4.0, que incluem conectividade, parâmetros em tempo real, realidade aumentada, e Internet das Coisas, vai permitir criar fábricas mais eficientes, com melhores performances e menos custos. «Não acredito que a indústria 4.0 vai acabar com o emprego. Vai mudar significativamente o emprego que temos hoje e eventualmente pode criar novas profissões», acredita.
Também o eurodeputado Nuno Melo frisou que o emprego vai mudar. «Todos os relatórios afirmam que, nos próximos 30 anos, entre 2020 e 2050, vão emergir novas profissões. E temos de perceber as consequências no futuro desta Indústria 4.0», indicou. Focando a atenção nas consequências sociais, «que serão enormes», Nuno Melo referiu a mudança «enorme» em pelo menos 32% dos empregos, que levou Elon Musk a propor um salário mínimo para os desempregados e Bill Gates a sugerir impostos para robôs. De acordo com o eurodeputado, a China, o Japão, a Coreia do Sul, os EUA e, na UE, a Alemanha, lideram esta revolução. «Na UE, a revolução 4.0 é uma prioridade», afirmou.
A indústria europeia recupera
Segundo Alberto Paccanelli, presidente da Euratex, a confederação europeia do têxtil e vestuário, a indústria têxtil e vestuário do Velho Continente está «de volta ao bom caminho».

Atualmente, o sector conta com 170 mil empresas, a maior parte das quais pequenas, e emprega 1,7 milhões de pessoas. «Depois da enorme retração que tivemos no início do século e em 2008, a indústria recuperou e nos últimos cinco anos registou um crescimento médio de 2%», assinalou Paccanelli. «O aumento das vendas é uma mensagem muito positiva, atingimos 180 mil milhões de euros em vendas no ano passado, mas a mensagem mesmo boa é que 50 mil milhões de euros foram para exportação», referiu.
Positivo é também o ganho de 22% na produtividade conseguido nos últimos cinco anos, graças «ao investimento em novas tecnologias e à reorganização do negócio». No entanto, destacou o presidente da Euratex, «parece uma imagem positiva, mas temos muitos desafios pela frente».
Portugal, o trendsetter
Também para Portugal «a última década foi de recuperação para a ITV», afirmou Mário Jorge Machado, presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, que coorganizou a conferência da ITMF. «Depois de ter sofrido choques competitivos sucessivos e dramáticos entre 2001 e 2008, a indústria têxtil portuguesa conseguiu reinventar-se com novos e mais valiosos drivers como design, inovação tecnológica e serviço intensivo», indicou. «Mudou da concorrência com base no preço para a concorrência com base em valor», frisou o presidente da ATP.

Segundo os dados apresentados por Isabel Furtado, entre 2009 e 2018, o número de empresas diminuiu (de 14.200 para 12.101), o volume de negócios aumentou (de 5,35 mil milhões de euros para 7,6 mil milhões de euros) e as exportações somaram mais 52%, para 5,3 mil milhões de euros. O número de trabalhadores diminuiu, de 145 mil para 138 mil, e, embora o valor acrescentado por trabalhador tenha aumentado 60%, Isabel Furtado gostaria de ver este valor mais alto, porque «continua a ser mais baixo do que na maior parte dos países europeus».
A reestruturação das empresas e a aposta na diferenciação permitiu à indústria têxtil e vestuário portuguesa subir na cadeia de valor do aprovisionamento mundial. «Atrevo-me dizer que Portugal, nos últimos 10 anos, mudou de um seguidor inteligente para um trendsetter», sublinhou.
Para onde vamos?
O único key note speaker desta conferência da ITMF, e um dos mais aplaudidos, fez um retrato da geopolítica e da evolução para os próximos anos. Antes mesmo de analisar a situação atual, que mostra uma viragem do “centro do mundo” para a Ásia, tanto ao nível económico como de conflitos, tal como acontecia há 10 séculos atrás, e uma crise comercial que poderá ser mais gravosa do que uma crise económica por afetar, sobretudo, a confiança, Paulo Portas, vice-presidente da direção da Câmara de Comércio e Indústria e ex-ministro, deixou quatro tendências, e conselhos, para os delegados presentes na sala.
«O imprevisível vai prevalecer», afirmou o ex-ministro português, que deu como exemplo a eleição de Donald Trump nos EUA. «Quem imaginaria que o presidente dos EUA seria quem é hoje? Preparem-se para o imprevisível e sejam flexíveis», aconselhou.
A segunda constatação é que «não há espaços brancos na globalização» e, como tal, quem sai da arena internacional, quando voltar «não estará no mesmo sítio».

Ainda no âmbito global, Paulo Portas lembrou que «a digitalização e a globalização têm caminhos paralelos, mas não são o mesmo» e que, embora os países sejam capazes de controlar, de alguma forma, a globalização – por exemplo, ao não assinarem acordos ou imporem taxas às exportações – «não podem assinar leis a impedir a inovação. A digitalização será o caminho do futuro».
Por último, «quem pensa que o mundo mudou muito, e talvez demasiado, nos últimos 40 anos, vai ficar surpreendido com o que vai mudar nos próximos 20 anos», apontou Paulo Portas, citando a implementação da economia digital como um desafio para o qual o mundo ainda não está preparado. «Temos uma nova ordem económica mas não temos uma nova ordem política e os conflitos podem agravar-se», afirmou. «Estejam preparados para a mudança» foi o conselho deixado pelo ex-governante.
Esta edição da conferência da ITMF contou com 347 delegados de 34 países, com as nacionalidades mais representadas a serem, respetivamente, a China, Portugal, Turquia, Alemanha, Coreia do Sul e Suíça. A próxima edição está agendada para Seul, de 20 a 22 de outubro de 2020.