Em busca da circularidade

A circularidade tornou-se uma questão central na inovação na moda, numa altura em que a indústria procura reduzir o impacto do vestuário com a diminuição do desperdício. As produtoras de fibras e fios como a Unifi, a Nilit e a Eastman estão, por isso, a apostar em produtos mais ecológicos, reciclados e recicláveis.

Repreve [©Repreve]

Com a sua posição a montante na cadeia de aprovisionamento, vários produtores de fibras e fios estão a liderar a transição de um modelo de negócio linear para um circular, criando materiais a partir da reciclagem. Estão ainda a pensar de forma holística no ciclo de vida de uma peça de vestuário, tendo em conta o impacto durante e após o tempo em que fica no guarda-roupa dos consumidores.

«Estamos muito conscientes que a indústria de vestuário cria uma grande quantidade de resíduos todos os anos. Na verdade, é uma das maiores poluidoras no mundo», afirma, ao Sourcing Journal, Eddie Ingle, CEO da Unifi. «Um estudo publicado pela Accelerating Circularity estima que os americanos deitam fora 81 libras [equivalente a cerca de 37 quilos] de roupa todos os anos, com apenas 15% disso a ser doado ou reciclado. Temos de ajudar a quebrar este ciclo», acrescenta.

Criações circulares

A circularidade na Unifi começou logo no início deste milénio, quando a empresa decidiu reduzir a sua pegada de resíduos. Para isso, a Unifi lançou a marca de poliéster reciclado Repreve em 2007. Originalmente, a Repreve foi criada usando os desperdícios da produção das próprias operações da Unifi, mas mais tarde a empresa expandiu os seus inputs para incluir garrafas de plástico. Até agora, a Unifi reciclou mais de 20 mil milhões de garrafas, que transformou em poliéster, e até 2022 espera que esse número atinja os 30 mil milhões.

A Repreve usa menos 45% de energia, quase menos 20% de água e emite menos 30% de gases com efeito de estufa em comparação com o poliéster convencional. O CEO da Unifi destaca que juntamente com esses benefícios, a Repreve tem as mesmas características de qualidade e performance que o poliéster virgem.

«O poliéster reciclado está a crescer mais rapidamente do que o poliéster virgem e esperamos que o número de programas de recolha que temos em curso cresçam a um ritmo ainda maior», indica Eddie Ingle. «A economia circular já não é uma tendência; está definitivamente aqui para ficar», acrescenta.

Naia [©Eastman]
Tal como a Unifi, a reciclagem de poliamida da Nilit começou há cerca de uma década como forma de reutilizar os seus próprios desperdícios. Embora estes materiais estejam há muito no mercado, Sagee Aran, diretor de marketing da Nilit, revela que a procura pelos fios reciclados da empresa – comercializados sob a marca Sensil EcoCare – disparou desde o final de 2019. «Vimos que há muitas novas marcas que querem ter uma história, dizer que são responsáveis em relação ao que estão a fazer, que não são apenas fast fashion», aponta ao Sourcing Journal.

Aran explica que na criação de materiais reciclados, uma das necessidades é fazer com que o polímero tenha exatamente os mesmos parâmetros que os inputs virgens. Para além da qualidade, é necessário ter materiais limpos que possam passar pelo equipamento de extrusão.

Esta necessidade de materiais reciclados “de primeira qualidade” aumenta os passos que a Unifi tem que fazer para produzir o Repreve, incluindo seleção, lavagem, corte e filtragem do PET que usa proveniente de unidades de recolha de materiais.

No seu próprio conceito circular, a empresa química Eastman expandiu a linha de fibra celulósica Naia para incluir um material reciclado, a Naia Renew. A Naia, que foi originalmente introduzida no mercado em 2018, é feita com 60% polpa de madeira e 40% de ácido acético derivado de combustíveis fósseis. Já a Naia Renew é também produzida com 40% de ácido acético, mas o mesmo é feito a partir de resíduos de plástico. Este processo de transformar plástico em ácido acético usa a tecnologia de renovação de carbono da Eastman, que consegue lidar com impurezas e até sete tipos de plásticos misturados, incluindo resíduos complexos como frascos de cosméticos que não podem ser reciclados mecanicamente.

Depois da produção do ácido, o processo de produção da Naia Renew é exatamente o mesmo do da Naia. Ruth Farrell, diretora de marketing do negócio têxtil da Eastman, afirma que isso cria um produto final idêntico no que diz respeito a performance e qualidade.

A Eastman lançou a Naia Renew à escala comercial com a H&M como primeira marca parceira. Até 2025, a Eastman planeia que a Naia Renew represente mais de 50% do seu portefólio têxtil e que, em 2030, essa quota seja de 90%.

Um dos atuais fornecedores para a Naia Renew é a indústria das alcatifas de poliéster, mas a Eastman está a trabalhar para expandir a sua capacidade de reciclagem a têxteis. Atualmente, a utilização de tecidos como matéria-prima está limitada a testes-piloto, mas Ruth Farrell espera um lançamento comercial este ano. Nesse sentido, os objetivos para a Naia Renew incluem ter mais de um quarto do conteúdo reciclado proveniente de resíduos têxteis até 2025.

Embora estas empresas se tenham focado em criar fibras recicladas que partilham as mesmas propriedades que as suas homólogas produzidas com matérias-primas virgens, uma área onde os materiais circulares diferem é no custo.

O diretor de marketing da Nilit estima que as fibras recicladas tenham um custo adicional na ordem dos 15% a 20%. Parte da razão para a diferença no custo é o investimento em investigação e desenvolvimento necessário para trazer as fibras circulares para o mercado. Ele acredita que a longo prazo, o preço das fibras recicladas deve ficar em linha com os materiais convencionais.

Mesmo com preços mais altos a curto prazo, o mercado está ainda a adotar estas soluções.

A Naia Renew custa aproximadamente mais 10% do que a Naia, mas o preço foi pensado para uma adoção generalizada. «Não é um valor muito mais alto em comparação com outras fibras circulares que estão no mercado», salienta a diretora de marketing do negócio têxtil da Eastman. «Temos propositadamente estado a posicionar a Naia Renew como uma solução que pode ser acessível e pode ser mainstream e estar nas coleções principais», justifica.

Planos para o pós-consumo

Com o volume considerável de têxteis que acabam em aterros, as empresas ambientalmente conscientes estão a trabalhar para transformar o vestuário pós-consumo em materiais para novas fibras.

«Penso que o ideal será ser capaz de ter a reciclagem de vestuário pós-consumo e usá-la como matéria-prima», refere Ruth Farrell. «Temos apenas de construir a infraestrutura para permitir isso», acrescenta.

Repreve [©Repreve]
De acordo com a diretora de marketing do negócio têxtil da Eastman, vai ser necessário colaboração para ter soluções na recolha e seleção a grande escala, incluindo saber que misturas enviar para que tipo de tecnologia de reciclagem. Por exemplo, a tecnologia desenvolvida pela Eastman é preferível para misturas têxteis com elevado conteúdo de poliéster. «Há muitas soluções, mas são de nicho. E se quisermos fazer uma diferença mensurável no apoio ao clima e a reparar alguns dos danos que já foram feitos, então temos de trabalhar em conjunto para experimentar e perceber como tornar fazível ter estas matérias-primas, aprovisioná-las, escolhê-las, tornar eficiente essa recolha e também essa entrada de matéria-prima», analisa. «É complexo, mas pode ser feito», acredita.

A Unifi, que fundou o programa Repreve Textile Takeback em 2011 com a Polartec como primeira parceira, vê uma oportunidade para este tipo de programas se tornar mais comum. «Estamos muito empenhados em ser parte da solução para os têxteis serem novamente transformados em têxteis – ajudar as marcas primeiro a fazer algo com os seus resíduos têxteis provenientes das lojas e quando eles desenvolverem sistemas de recolha de vestuário melhores, à medida que os consumidores estão mais informados, estaremos presentes para os ajudar a transformar esses têxteis em têxteis», aponta Eddie Ingle.

Quando for possível, isso pode levar a um ciclo fechado. Num exemplo, a Unifi recolheu garrafas de plástico do campus da Universidade de Washington e transformou o plástico em Repreve, que foi depois usado para fazer as capas para a formatura dos estudantes. As capas puderam ser recicladas novamente, perpetuando o conceito de circularidade.

Em comparação com os resíduos industriais, usar peças de vestuário previamente usadas como matéria-prima tem os seus próprios desafios. Primeiro, para ser capaz de efetivamente reciclar os materiais, a empresa tem de saber exatamente a sua composição. Contudo, isso pode ser difícil quando se retira roupa, por exemplo, de aterros.

Sagee Aran destaca que embora o conteúdo de fibras esteja descrito nas etiquetas, estas muitas vezes já não estão nas peças. E mesmo que as etiquetas ainda estejam cosidas, podem não fornecer informação suficiente, como ajudar a distinguir entre polímeros específicos e diferentes tipos de poliamida. A Nilit está a trabalhar para acrescentar tecnologia de rastreabilidade ao seu fio de poliamida 6.6 que lhe permita identificá-lo no fim de vida.

A Nilit está também a iniciar uma parceria com empresas que criam coleções de vestuário pensadas para a circularidade, permitindo saber exatamente o que entra nessas peças para que sejam mais facilmente selecionadas e recicladas no fim de vida. «É uma mudança de mentalidade em todo o negócio», considera o diretor de marketing da Nilit. «Por isso, não estamos a fazê-lo sozinhos», justifica.

O tingimento das fibras é igualmente um desafio de sustentabilidade para a reciclagem, uma vez que é necessário muita energia para retirar a cor de um têxtil. A Nilit está a colaborar com uma tinturaria para criar corantes para poliamida que possam ser mais facilmente retirados do fio, para que o mesmo regresse à cor branca original para ser reutilizado. Outra solução que a Nilit desenvolveu para este problema é o Sensil WaterCare, um fio de poliamida que tem cor embebida no fio logo no processo de extrusão. Num processo de reciclagem, estes fios podem manter a mesma cor para eliminar a necessidade de retirar o tingimento.

Visão 360º

A circularidade vai além da reciclagem para abranger todo o ciclo de vida de um têxtil e, em particular, o que acontece após o consumidor fazer a compra.

Uma forma de reduzir os resíduos têxteis é aumentar o ciclo de vida do produto. As propriedades da Naia incluem a resistência ao borboto e fácil remoção de nódoas, que Ruth Farrell espera que encoraje os consumidores a manter as peças de vestuário com Naia mais tempo no seu guarda-roupa.

Quando os consumidores lavam as roupas e libertam microfibras, ou quando os artigos são deitados fora, os produtores de fibras estão também a considerar a biodegradabilidade dos materiais.

Sensil EcoCare [©Sensil]
«Se olharmos a circularidade apenas do ponto de vista da reciclagem, estamos a perder a imagem completa», afirma Sagee Aran, que vê a circularidade como três círculos: as operações internas da Nilit e os seus próprios esforços de reciclagem, os parceiros da indústria da moda que estão a apoiar a reutilização ao usar os seus fios e os resíduos mais vastos encontrados na natureza que se podem biodegradar.

A Nilit desenvolveu o Sensil by Nature, um fio de poliamida composto por materiais de base biológica, e o Sensil BioCare, que tem atributos biodegradáveis em aterros ou na água do mar. Ambos estão numa fase inicial, com os primeiros clientes a começarem a fazer encomendas maiores.

A Naia é também biodegradável e a Eastman encoraja as empresas a usar 100% Naia ou a misturá-la com outras fibras que partilhem as mesmas propriedades.

A Eastman está ainda a ir além das fibras e, por exemplo, está a transformar a madeira que usa nos stands das feiras em brinquedos para crianças em comunidades desfavorecidas. Está ainda empenhada em que as novas tecnologias tenham uma avaliação do ciclo de vida neutro ou melhor.

«A circularidade é mais do que matérias-primas, é preciso ter uma visão de 360º e ver a sustentabilidade de uma perspetiva holística, mesmo quando se faz negócio», conclui a diretora de marketing do negócio têxtil da Eastman.