O tema da crise energética foi trazido desde cedo ao palco montado no hotel Crowne Plaza, no Porto, para a 10.ª Convenção Europeia do Têxtil e Vestuário e o 24.º Fórum da Indústria Têxtil, organizados conjuntamente pela Euratex e a ATP. Na abertura, Alberto Paccanelli, presidente da confederação europeia do têxtil e vestuário, criticou a atuação da Comissão Europeia face aos problemas agravados pela guerra na Ucrânia, acusando os países de defenderem mais interesses individuais do que «os interesses da Europa como um todo», e apelando, uma vez mais, a uma resposta que inclua a imposição de «um teto máximo nos preços do gás», assim como a reorganização do mercado da eletricidade e um «apoio temporário às empresas afetadas».

No entanto, o presidente da Euratex exortou igualmente a indústria têxtil e vestuário a preparar-se para o futuro. «Acredito que precisamos de continuar a investir em inovação, a atrair criatividade para as nossas empresas, a produzir artigos de alta qualidade e a ser mais sustentáveis, porque essa é a receita para o nosso sucesso num mercado globalizado e altamente competitivo», apontou.
Um futuro que muitas empresas da indústria têxtil e vestuário poderão não chegar a conhecer se a situação atual se mantiver durante muito tempo ou se se agravar, salientou, por sua vez, o presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, na sua intervenção. «Algumas empresas não vão ser capazes de sobreviver. Vão ser tempos difíceis para todos», afirmou Mário Jorge Machado, referindo-se, em particular, ao aumento do custo do gás natural.

Também Pedro Siza Vieira centrou parte da sua apresentação na energia, uma área onde Portugal tem vantagens, acredita. «Se compararmos os custos da eletricidade com os do gás natural vemos que são um claro incentivo para a produção própria de eletricidade. É um investimento que compensa e uma grande oportunidade», indicou o ex-Ministro da Economia, apontando a energia solar como uma fonte «mais barata» de energia. «É onde estiver a energia barata que estará a escolha dos grandes investimentos empresariais», lembrou.

Competitividade responsável
A energia solar tem ainda a mais-valia de ser mais sustentável. “Sustentabilidade e Competitividade” foi, de resto, o tema da convenção, que em dois painéis distintos procurou responder, por um lado, a como medir e comunicar a sustentabilidade e, por outro, a como financiar a sustentabilidade.
No primeiro painel, Isabel Furtado, CEO da TMG Automotive – que teve a companhia de Lucy Shea, CEO da Futerra, Shahriare Mahmood, diretor de sustentabilidade da Spinnova, Andreas Christen, COO da Lantal Textiles, e Robert Šimek, diretor da Retex – garantiu que «a indústria só tem um caminho a seguir: tem de se tornar mais eficiente, mais inteligente e mais limpa», acrescentando que os recursos são escassos e, por isso, é necessário otimizá-los, algo em que a digitalização pode ajudar. No fundo, «a sustentabilidade já não é uma escolha», realçou.
É, todavia, um desafio ter uma indústria mais limpa, nomeadamente na área de atuação da TMG Automotive, onde a pressão para ser mais “verde” é maior do que nos têxteis convencionais, admitiu Isabel Furtado, até porque «não podemos tirar comida das pessoas» para produzir materiais mais sustentáveis, o que exige «um equilíbrio muito delicado», alertou.
«A circularidade é o melhor que podemos ter», assegurou Isabel Furtado, acrescentando, no entanto, que é necessário uma uniformização quando se fala de sustentabilidade. «Temos de ter regras muito claras e transparentes», considera a CEO da TMG Automotive.
No segundo painel, que teve a participação também de Giovanni Schneider, presidente do G. Schneider Group, Sarah Kent, correspondente-chefe de sustentabilidade do Business of Fashion, Elif Semra Ceylan, gestora sénior da EY Consulting, e Andrea Baldo, CEO da Ganni (por Zoom), Ricardo Silva, CEO da Tintex, assumiu a ligação entre a sustentabilidade ambiental e a económica. «Hoje equilibramos a sustentabilidade com a equação económica – falamos de energia, eficiência, digitalização – e isso tornou mais fácil atingir a meta, porque estamos a alinhar objetivos», explicou.

Tendo uma tricotagem e uma unidade de tinturaria e acabamentos, «o meu foco é comprar os melhores fios que consigo encontrar, com menos defeitos, para que eu possa gerar menos desperdício» para a produção de malha, enquanto na tinturaria e acabamentos a energia assume um papel primordial. «O objetivo é ser economicamente estável ao mesmo tempo que atingimos os KPIs» relacionados com a sustentabilidade, esclareceu.
Para isso, «temos de fazer investimentos a curto mas também a longo prazo», ou seja, «olhar para o valor a longo prazo mas perceber o que podemos fazer a curto prazo», acredita Ricardo Silva. A Tintex está atualmente a investir sobretudo na área da energia, tanto pela redução do consumo, através da digitalização, quer através do recurso a outras fontes mais sustentáveis. «Podemos fazer mais alguma coisa? Penso que sim, mas também internamente, tentar mudar os nossos processos», resumiu o CEO da empresa.
Próximos passos em 4 workshops
A parte da tarde foi dividida por quatro workshops, que abordaram a responsabilidade alargada ao produtor, o passaporte digital do produto, a reciclagem de resíduos têxteis e a etiquetagem ao nível da sustentabilidade, temas inter-relacionados e incontornáveis para o futuro próximo da ITV.
No primeiro, o foco esteve na necessidade de apostar na circularidade desde o design, que é «muito importante», à conceção, passando pela necessidade de «aumentar a consciência do consumidor sobre a forma como compram e consumem coisas, para que usem mais tempo os seus artigos, mas também como descartam o seu vestuário», de modo a poder reciclá-las, destacou Veronique Allaire, diretora de soluções regenerativas da ReFashion.
Já em relação ao workshop dedicado ao passaporte digital, elucidou António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, «que face às decisões políticas para implementar este passaporte, foi discutido o que isso impacta na indústria e que tipo de informação pode ser recolhida, tratada e colocada neste passaporte», sendo que «o consumidor final deve ter informação muito simples, ou melhor, boa informação fácil de entender, mas ao mesmo tempo os intervenientes na cadeia de valor devem poder aceder a informação técnica mais detalhada». Essa é, de resto, a «enorme tarefa» que a indústria tem agora pela frente, acrescentou. Além disso, é ainda importante ter uma etiqueta com esta informação que seja «resistente à água, temperatura, pressão, ciclos de lavagem, ciclos de secagem», enumerou o diretor-geral do CITEVE, assim como «ter um passaporte digital para produtos vendidos na União Europeia e não apenas para os produzidos na UE, para termos um campo de jogo nivelado».

No que diz respeito à reciclagem de resíduos têxteis, Julia Blees, diretora de política da Confederação Europeia das Indústrias de Reciclagem, referiu o estudo da Ellen MacArthur Foundation que indica que apenas 1% do vestuário recolhido para reciclagem é atualmente transformado em novos têxteis ou peças de vestuário, mas as perspetivas são mais animadoras para o futuro, nomeadamente graças a empresas como a Recover – que esteve representada pela sua diretora de sustentabilidade, Helene Smits –, que faz já a reciclagem mecânica de vestuário pós-consumo. «Pudemos ver que é, na verdade, possível e que esse 1% é apenas o início, estamos a avançar para um número muito mais alto», assegurou Julia Blees.
Em termos da etiquetagem, que ocupou um dos últimos workshops do dia, «há todo um processo para perceber como é que vai funcionar na realidade», apontou Mauro Scalia, diretor de negócios sustentáveis na Euratex, que realçou que é algo que está no futuro próximo e que terá desenvolvimentos nos próximos dois anos.