52 oradores de 15 países, divididos por 10 painéis e quase 700 participantes de 25 países foram alguns dos números que fizeram os três dias da iTechStyle Summit de 2019. A cimeira dedicada à indústria têxtil e vestuário foi mais internacional do que no passado, onde estiveram participantes de 14 países e «fez jus à designação da conferência – é de facto uma conferência internacional», destacou Braz Costa, CEO do Citeve, no encerramento, deixando já algumas indicações para a edição de 2020, cuja data será decidida tendo por base um inquérito aos participantes, que poderão ainda partilhar a sua opinião em relação à duração e os tópicos a abordar através de um inquérito. Certezas só mesmo quanto ao local e à concretização daquela que será a quarta edição da iTechStyle Summit. «Vamos ver-nos no próximo ano. Estou certo que estaremos no mesmo local e teremos a possibilidade de cruzar a nossa opinião com a de outros especialistas», assumiu Braz Costa.
Um novo modelo de negócio
Depois das megatendências, da indústria 4.0 e dos prémios iTechStyle no primeiro dia e dos novos materiais e processos do segundo dia, o último dia da iTechStyle Summit foi dedicado à sustentabilidade e à economia circular.
Mais do que uma tendência, a sustentabilidade é, cada vez mais, um novo modelo de negócio para as empresas. Prova disso é a VF Corp, a empresa detentora de marcas como a Timberland, a Vans e a The North Face. «A sustentabilidade e a responsabilidade social corporativa são importantes para a VF e isso tornou-se uma estratégia de negócio», explicou Anna Maria Rugarli, diretora sénior de sustentabilidade e responsabilidade para a região EMEA da empresa norte-americana, que faturou 11,8 mil milhões de dólares em 2017. «Os millennials estão muito preocupados com as questões ambientais e estão mais abertos a comprar artigos sustentáveis e de empresas sustentáveis», indicou, acrescentando que isso é «uma oportunidade» para as empresas se tornarem líderes.

A VF iniciou o projeto corporativo na área da sustentabilidade há oito anos e, entretanto, tem implementado diversas iniciativas, incluindo formação para designers e outros envolvidos no desenvolvimento do produto nestas matérias, mas também a criação de novos modelos de negócio, como o aluguer de vestuário, atualmente em fase de testes-piloto com diferentes marcas e em várias partes do mundo, e a revenda de vestuário, tendo já implementado com a The North Face uma iniciativa em que é recolhido vestuário usado, que é reparado, limpo e vendido a um preço mais baixo em plataformas terceiras. «É uma ótima forma de angariar novos consumidores, que estão disponíveis para gastar essa quantia mas não o valor do produto novo», explicou. A VF está ainda a recolher produtos em fim de vida da Timberland e da The North Face nas lojas e está a doar produtos, através de associações, para pessoas necessitadas. É preciso, contudo, comunicar melhor. «Os consumidores respondem bem à sustentabilidade. Temos de comunicar mais sobre isso nos nossos produtos», destacou.

A economia circular tornou-se «inevitável», sublinhou Maria José Carvalho, responsável pela agenda para a sustentabilidade e economia circular do Citeve. «Os navegadores portugueses procuraram novos caminhos. Agora temos este desafio de procurar novas rotas para o têxtil», referiu. Apesar dos exemplos que já existem, nomeadamente o da VF Corp, é preciso tomar consciência dos desafios mas também das oportunidades. A dificuldade na separação de resíduos, sobretudo no pós-consumo, os entraves na ligação a outras indústrias e a falta de rastreabilidade, as mudanças nos modelos de negócio, nomeadamente com o aluguer em vez da propriedade do vestuário, as restrições legais, a consciencialização dos consumidores e a viabilidade económica, provocada por custos de produção mais altos para materiais circulares neste início do processo, são alguns dos desafios a superar. A indústria portuguesa, contudo, pode chegar à economia circular de várias formas, sendo que o Citeve aponta seis campos estratégicos: matérias têxteis recicladas, matérias-primas renováveis, processos circulares, design para a circularidade, novos modelos de negócio e validação da circularidade. A tudo isto soma-se a comunicação. «Temos de o fazer, mas também temos de comunicar que temos um produto circular», afirmou Maria José Carvalho.

Simone Cipriani, fundador e administrador da Ethical Fashion Initiative, deixou de resto como conselho para a indústria portuguesa a afirmação como «cluster para a produção da nova moda» e uma mudança na comunicação. «Não comuniquem que fazem isto ou aquilo, mas transformem este cluster cool para os millennials, usem as redes sociais. E mobilizem o vosso historial de ligação com África», com a produção de artigos mais artesanais em comunidades de países como o Quénia, onde a Ethical Fashion Initiative tem dinamizado projetos ligados ao desenvolvimento social, com forte impacto nas pessoas. «Boas condições de trabalho mudam comunidades. Desaparecem conflitos inter-raciais, violência, vemos a imigração a diminuir, as pessoas começam a votar, há mais crianças a ir à escola. A sustentabilidade é sobre o ambiente mas também é sobre as pessoas, sobre o capital social», destacou na sua apresentação.
Aplicação prática
São já muitos os exemplos de aplicação dos princípios da sustentabilidade e da economia circular no mercado, desde a plataforma tecnológica da portuguesa Kortex Technologies, que pretende ser um ponto de encontro entre vários atores do sector, nomeadamente com projetos na área da rastreabilidade, novas soluções para fluxos de resíduos ou o Kortex Marketplace, onde as produtoras de tecidos podem colocar os seus excessos de stock e os designers podem aprovisionar-se, aos projetos piloto do cluster catalão de têxteis técnicos AEi Tèxtils, que inclui o projeto Seaqual, que recolhe plástico dos oceanos com ajuda dos pescadores e os transforma em fibras para a utilização em têxteis, aos compósitos desenvolvidos no âmbito do projeto europeu Ecobulk.

No Brasil, a marca Osklen criou mesmo uma entidade, o Instituto-E, para ajudar a tornar o país uma referência na sustentabilidade. «O Brasil tem todas as condições para se diferenciar nesta área: biodiversidade das mais ricas do mundo, população carente de oportunidades de trabalho, um multiculturalismo enorme», enumerou Nina Braga, diretora do Instituto E.

Entre os projetos saídos deste instituto está a utilização da pele do peixe pirarucu em vestuário e acessórios, em parceria com uma comunidade piscatória, a produção da coleção de acessórios e-Ayiti, em parceria com artesãos do Haiti e o projeto Ashaninka, realizada com uma tribo na fronteira com o Peru. A Osklen não é, contudo, completamente sustentável, daí o projeto ASAP, que significa “As Sustainable As Possible, As Soon As Possible”. «Vamos fazendo o que é possível e vamos avançando a pouco e pouco», explicou. «A nossa meta é chegar à economia circular», acrescentou Nina Braga. Ao Portugal Têxtil, a diretora do Instituto-E deixou rasgados elogios à indústria portuguesa. «Portugal está a ter uma estratégia de tornar a indústria têxtil portuguesa com um foco na sustentabilidade. Portugal está a sair na frente, a enxergar o futuro nesse sentido», considera Nina Braga.

A provar este domínio do caminho para a sustentabilidade estiveram dois projetos com selo “made in Portugal”. A Valérius, com o projeto 360º, pretende colocar em breve no mercado fios feitos com matérias-primas recicladas e também papel, respetivamente em outubro de 2019 e maio de 2020. «É um projeto muito audacioso», referiu Miklos Nagy, diretor de produção no projeto Valérius 360º, que é gerido pela RDD, uma das empresas do grupo Valérius.

Já Tintex tem-se distinguido pela inovação sustentável e na iTechStyle Summit apresentou o trabalho realizado no âmbito do projeto Texboost, onde está a trabalhar com a Têxteis Penedo, a Sedacor, o Citeve, o CeNTI e o CTIC para desenvolver novas soluções e alternativas ao couro com resíduos de vegetais. Os primeiros testes são promissores, embora, como reconheceu Pedro Magalhães, diretor de inovação da empresa, haja ainda alguns obstáculos a ultrapassar. «Os próximos passos são a aplicação industrial», indicou, assim como, entre outros, «estudar a substituição de auxiliares sintéticos por alternativas naturais».
Tecnologia na moda
Antes de fechar as portas desta edição de 2019, a iTechStyle Summit deu ainda a palavra a Robin Caudwell, assistente do projeto de inovação da Fédération de la Haute Couture et de la Mode, que falou da aplicação da tecnologia à indústria da moda. Têxteis técnicos, vestuário inteligente, wearables, blockchain, automação, impressão 3D e realidade virtual fazem parte das tendências que juntam a moda e a tecnologia. «A tecnologia não é o inimigo e a fashion tech é, primeiro, uma mudança de mentalidade. Está aqui, não devemos ter medo, mas devemos aprender a usar a tecnologia como uma ferramenta – é apenas uma ferramenta, não é a resposta. É a nova agulha. É a ferramenta para melhorar a criatividade, maximizar a produção, melhorar a experiência de consumidor e tornar a indústria da moda mais sustentável», concluiu.
