Zara: o tecido internacional ? Parte II

A segunda parte da história do grupo Inditex (verParte I) fala das lojas, das marcas e da gestão internacional. O sucesso leva fontes do grupo a considerarem a sua vantagem competitiva inimitável. Será? As lojas Os novos mercados e a localização da primeira loja O departamento de design descrito anteriormente é o responsável pela análise e pela localização da primeira loja nos novos mercados. As equipas multidisciplinares deste departamento visitam constantemente tanto mercados já existentes como mercados potenciais. A investigação desenvolve-se com uma análise comercial prévia, cuja duração oscila entre um e três meses. A sua função é analisar a forma de vestir do segmento objectivo nesse país e as tendências quanto a estilos, cores e combinações a fim de determinar se os produtos da Zara têm lugar nesse mercado. Em seguida estuda-se o nível de preços ao qual se deveria vender o produto numa loja tipo (por volta dos 1.000 m2) para alcançar a rentabilidade desejada, que se situa habitualmente por volta dos 10%. Posteriormente, faz-se outra análise de preços em função da concorrência, para determinar se, a esses preços mínimos exigidos pela empresa, se pode ser competitivo nesses mercados. Assim, toma-se a decisão sobre a localização. Este mecanismo simples permite determinar diariamente as possibilidades de abertura de novas lojas em diversos mercados. Todas as lojas são propriedade própria, reflectindo uma mesma filosofia de localização: situar-se em sítios centrais ou nos centros comerciais das cidades. Neste sentido, é muito importante para o grupo que a localização da primeira loja num novo mercado deva situar-se num local de prestígio. Também se cometeram erros fruto do desconhecimento das condições locais dos novos mercados. Assim, por exemplo, no início da expansão da Zara considerou-se que a rua Carretas, na zona da Porta do Sol de Madrid, respondia ao prestígio que a empresa procurava. Mas os problemas sócio-culturais da zona prejudicaram inicialmente a sua imagem. Esta primeira loja em Madrid demorou mais de quatro anos a gerar lucros e a oferecer a imagem que a direcção desejava. Em certas ocasiões, as diferenças entre estimativas e vendas reais não são fruto de problemas de produto ou de preços, são antes culturais ou de sensibilidade ao mercado. A gestão das lojas Os aspectos comerciais, tal como o merchandising, as compras, a decoração, a atenção e o serviço ao cliente, as políticas de devolução, a localização de novas lojas e a procura de instalações são da responsabilidade dos gerentes locais. A centralização na tomada de decisões em volta de tais questões comerciais colocou à empresa determinados problemas. Actualmente, a filial é responsável por manter a identidade da cadeia e comunicá-la através do produto, da loja e do serviço ao cliente. Cada filial pode variar os aspectos comerciais acima indicados, mas mantendo sempre uma identidade consistente no tempo, a qual se comunica através dos seus produtos (moda e modelos actuais a bom preço), da localização e dos modelos das suas lojas (bem situadas, cómodas, com bom gosto e abertas – os clientes têm total liberdade para passear, tocar as peças e experimentá-las se o desejarem sem que nenhum empregado os incomode) e de um serviço ao cliente esmerado (empregados profissionais, sugestões sobre o cuidado com as peças e total garantia de devolução do dinheiro se o cliente não estiver satisfeito com o produto). Delegar estas questões na filial é de vital importância, sabendo-se que constitui o principal veículo de comunicação da Zara. A política de comunicação baseia-se no «boca em boca». A este respeito, é muito importante assinalar que a Zara não realiza nenhum tipo de publicidade de massa nos mercados em que se implanta. Em Espanha, mesmo a pressão constante de todas as cadeias de televisão, oferecendo descontos de 95% sobre o preço de tabela, não anima os dirigentes do grupo a lançar urna campanha neste meio de comunicação. As razões tradicionais pelas quais as empresas realizam campanhas publicitárias, como sejam, aumentar o movimento nas lojas e o volume de vendas, aumentar o grau de conhecimento da cadeia/marca, e melhorar a imagem e a identidade da cadeia, não convencem os dirigentes da Zara nem se adequam à situação da cadeia. Política de marcas A política de marcas dos produtos padrão está a adquirir uma relevância especial dentro da estratégia competitiva da empresa. A cadeia Zara tem cerca de 150 marcas registadas, embora a empresa só mantenha vivas entre 20 e 25 delas. Algumas destas têm nomes ingleses, como a For Sail, e reflectem a globalização da empresa, procurando-se palavras de pronúncia simples, fácil identificação para os consumidores e susceptíveis de serem registadas nos diversos mercados. Até meados da década de 90, de modo diferente de outros concorrentes, tanto nacionais como internacionais, a cadeia Zara não utilizava o rótulo comercial ou o nome da cadeia como marca nas suas peças. Contudo, a expansão internacional da empresa obrigou-a a rever a sua política tradicional de marcas. Por um lado, a internacionalização levantou problemas de direitos de propriedade, pois, apesar de a Zara estar registada na maioria dos mercados, a não utilização do nome nas peças impedia a sua acreditação no momento de renovar certos registos de marca. Neste sentido, a empresa está exposta a que qualquer competidor possa fazer uso da sua marca, alegando a caducidade do seu registo por falta de uso. Por outro lado, a necessidade de utilizar a marca Zara nas peças confrontou a empresa com problemas em certos países europeus. Assim, por exemplo, não pôde registar-se em França devido à existência de outra marca (ZAPPA) mais antiga neste país, a qual se opôs ao registo por ter um nome parecido e obrigou a direcção da Zara a negociar com a empresa francesa. Além disso, a grande maioria das marcas que a empresa tinha registadas em Espanha e noutros países não eram de utilidade global, já que algumas estavam registadas por outras empresas locais. Isto forçou a empresa à consolidação da sua carteira em cinco ou seis grandes marcas internacionais, que começaram a ser utilizadas nos diversos mercados. A gestão internacional Em 1989, a cadeia Zara iniciou o processo de expansão externa da empresa, seguida por outras cadeias do grupo, que se realizou de forma rápida e decidida. É de destacar o esforço desenvolvido em tão pouco tempo para introduzir o conceito e a filosofia dos produtos da Zara em países muito diferentes. Desde que se iniciou a expansão internacional em 1989, com a abertura das primeiras lojas em Portugal e, logo a seguir em outros países como a França, EUA, Reino Unido, Grécia ou México, a facturação internacional do grupo manteve um ritmo de crescimento de 50% ao ano, alcançando em 1994 um volume de mais de 32.000 milhões de pesetas. A primeira experiência internacional, iniciada em Portugal em 1989, desfrutou de um crescimento rápido e sustentado, consolidando-se a estrutura do negócio com estabelecimentos da cadeia Zara abertos em todos os grandes centros urbanos do país. Esta experiência internacional facilitou à Zara uma importante aprendizagem no referente à selecção, penetração e consolidação de mercados externos, experiências e conhecimentos de grande utilidade para a tomada de decisões posteriores quando da abertura de novas lojas noutros mercados. Em França, o começo foi mais difícil se bem que, com o tempo, de forma lenta mas regular, as lojas da Zara se consolidaram, alcançando no exercício de 1994 vendas no valor de 6.000 milhões de pesetas e lucros de 596 milhões. O interesse em consolidar a cadeia neste país adveio, para além das razões de diversificação de vendas a nível internacional, do facto deste mercado servir de referência para a posterior expansão da cadeia noutros países da Europa do Norte. Em 1991, a cadeia Zara deu o salto para o mercado americano com a abertura da sua primeira loja num centro comercial de Manhattan. Desde o início, a empresa estimou que esta primeira loja daria prejuízo, devido aos altos custos de exploração e, em particular, às despesas de arrendamento. Os prejuízos em 1992 alcançaram os 173 milhões e em 1993 os 190 milhões. Sem dúvida, dada a importância estratégica do mercado norte-americano, a empresa valorizou de forma positiva o facto de ter uma loja aberta em Nova lorque, já que esta funcionou como navio almirante para a posterior expansão no país. A entrada da Zara no México em 1993 realizou-se através de uma joint-venture com um grupo mexicano que lhe permitiu um acesso inicial a esse mercado, embora a parte mexicana possuísse apenas urna participação minoritária (5%) na empresa. O acolhimento foi semelhante ao de Portugal e da Grécia. O plano de expansão seguiu com aberturas na Bélgica, Itália, Alemanha, Escandinávia e Cuba. A expansão em Itália apresentou problemas devido à conjuntura política deste país. A estratégia a nível internacional consistiu em consolidar-se nos países vizinhos da União Europeia e na América do Norte. Uma vez consolidada a cadeia em todos estes países, a Zara optou por alcançar acordos de colaboração do tipo joint-venture para se implantar em novos mercados. Em qualquer dos casos, e nas palavras do director-geral de então, José Maria Castellano, «…o que não queremos é ter lojas espalhadas por todos os países, se não nos consolidarmos onde estamos». A sustentação da vantagem competitiva Os dirigentes da Zara sempre tiveram consciência de que o desenvolvimento da estratégia internacional da empresa requer aprendizagem organizativa e o melhoramento contínuo da sua competência básica: a capacidade de completar o seu processo produtivo em apenas quinze dias. Esta competência constitui a sua fonte de vantagem competitiva sustentável, no sentido de que é única (nenhum concorrente conseguiu ou pode completar o processo de produção num período tão curto), é valiosa (no sector da moda, os consumidores valorizam em grande medida a oportunidade de dispor dos artigos da última moda em cada quinze dias), é difícil de imitar (baseia-se num conjunto de recursos e capacidades, tais como a rede de subcontratação e compra internacional, sistema de inventário, just-in-time, num sistema específico de trabalho, que se gerou internamente ao longo do tempo), e não pode ser adquirida no mercado. Por isso, o comentário: «Que ninguém tente fazer o que a Zara faz, pois a fonte da nossa vantagem competitiva é realmente inimitável». Será? E será vantagem competitiva até quando?