A terceira edição da Web Summit em Lisboa, que decorreu de 5 a 8 de novembro, contou com 69.304 participantes de 159 países, mais de 1.200 oradores, 1.500 investidores e 2.600 jornalistas, que produziram, de acordo com a Cision, 6.055 notícias sobre o evento.
Mas mais que os números, que afetam diretamente a economia portuguesa – a cimeira terá gerado, desde 2016, um impacto económico superior a 500 milhões de euros –, a Web Summit abriu a janela para o futuro, numa perspetiva que é, ao mesmo tempo, promissora e aterradora, como resume o WGSN.

O futuro da internet, a privacidade e segurança dos dados e as soluções sustentáveis dominaram muitas das intervenções ao longo dos três dias, onde também se ouviram críticas às gigantes tecnológicas como o Facebook, Google e Twitter. «Penso definitivamente que a era das empresas tecnológicas acreditarem que era bom moverem-se rápido e quebrar coisas acabou», afirmou Brad Smith, presidente da Microsoft.
Mesmo as questões relacionadas com as redes sociais afastaram-se do envolvimento com o consumidor, com a busca incessante por “gostos”, para o pensamento crítico sobre o impacto das publicações na sociedade e os efeitos da procura por validação social.
Paz no reino digital

«A humanidade ligada à tecnologia tem de ser muito mais comunicativa, mais pacífica e mais construtiva do que a humanidade desconectada». A frase do criador da internet, Tim Berners-Lee, foi uma das mais reproduzidas na comunicação social e, provavelmente, uma das que teve mais impacto. O aumento das fake news, os discursos de ódio online, a manipulação política e a violação de dados privados levou o especialista em computação a lançar o “Acordo para a Internet” – um conjunto de princípios para criar uma internet segura, aberta e acessível. O acordo pede a governos, empresas e indivíduos que assumam a sua responsabilidade pela internet, com uma versão final do contrato a dever estar terminada em maio de 2019 – altura em que se prevê que mais de metade da população mundial esteja ligada à internet.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, expressou preocupações semelhantes em relação à internet, não a culpando diretamente por criar tribalismos, populismo e polarização das sociedades, mas atribuindo-lhe a responsabilidade por amplificar estes problemas. Segundo Guterres, está na altura de «mobilizar governos, sociedade civil, académicos e cientistas para evitar a manipulação digital das eleições e criar filtros capazes de bloquear os discursos de ódio».

O Next Generation Internet é a resposta da Comissão Europeia ao problema. Olivier Bringer, que lidera o grupo, desvendou o roadmap para 2020 dos planos para criar uma internet democrática, descentralizada e focada no ser humano. «Não tem a ver com regulamentação mas com o desenvolvimento de tecnologias para a internet de amanhã», sublinhou.
Tecnologia e segurança
No seguimento dos escândalos com o Facebook e a Cambridge Analytics, em que dados pessoais de milhões de utilizadores foram recolhidos para manipular as eleições americanas de 2016, a indústria tecnológica ainda está a braços com as consequências da sua capacidade.
Christopher Wylie, o ex-diretor de pesquisa na Cambridge Analytics que denunciou o caso, falou de como as duas empresas querem fraturar a sociedade com a utilização de informação errada e tendo como alvo sistemas e táticas militares para criar uma guerra cultural. «Numa guerra cultural, o arsenal de armas é a informação e os sistemas-alvo são algoritmos», apontou.
Para Wylie, as grandes plataformas tecnológicas como o Facebook estão a fazer clones digitais da sociedade e a ameaçar o pensamento livre. «É uma história de colonialismo. O Facebook é a Companhia das Índias Ocidentais da nossa geração», explicou. O ex-diretor de pesquisa na Cambridge Analytics teme que, à medida que entra mais informação em sistemas de inteligência artificial, as empresas criem «um ambiente em que vamos perder o controlo». A sua principal preocupação é que os governos não estejam equipados para lidar com os crimes relacionados com dados.

Embora vários intervenientes tenham destacado preocupações com a convergência dos interesses governamentais com a inteligência artificial, entre os oradores houve quem incitasse o mundo ocidental, especialmente os EUA, a serem líderes na tecnologia de defesa.
«A superioridade tecnológica é um pré-requisito para a superioridade moral – podemos promover melhor a utilização moral de sistemas autónomos mantendo-nos à frente», declarou Palmer Luckey, fundador da Oculus e da Anduril, esta última fornecedora de ferramentas autónomas de tecnologia para o exército americano.
António Guterres sublinhou os avanços positivos da inteligência artificial nos campos do diagnóstico médico e vigilância policial, mas manifestou preocupação com o impacto da tecnologia na guerra. «A transformação da inteligência artificial em armas é um perigo sério e a perspetiva de máquinas que têm a capacidade de, sozinhas, selecionar e destruir alvos vai criar enormes dificuldades a evitar o escalar de conflitos e garantir que as leis humanitárias internacionais são respeitadas nos campos de batalha», explicou. As máquinas que têm o poder de matar são, para o Secretário-Geral das Nações Unidas, «politicamente inaceitáveis, moralmente repugnantes e devem ser proibidas por leis internacionais».
Sustentabilidade em força
A Web Summit assumiu a tendência do momento e colocou a sustentabilidade em destaque, com diversas iniciativas que respondem aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável lançados pelas Nações Unidas. A cimeira fez uma parceria com a Ikea para assegurar que o mobiliário do evento poderia ser reutilizado, reciclado ou redesenhado para outros propósitos e também com a associação portuguesa Zero Desperdício para garantir que todos os alimentos sobrantes seriam distribuídos aos mais necessitados na região de Lisboa.

Em palco, startups e inovadores mostraram soluções tecnológicas diversas para responder a problemas atuais. Daphna Nissenbaum, CEO da Tipa-Corp, mostrou uma alternativa ao plástico que se desintegra e degrada em seis meses e, como tal, pode ser deitado fora juntamente com o lixo doméstico.
Josh Tetrick, CEO da startup do ramo alimentar Just, revelou que a empresa já lançou um produto semelhante a maionese e ovos vegan, obtidos a partir de feijão mungo, e que está a investigar a produção de frango em laboratório. Para resolver os problemas ambientais causados pela produção de carne, a Just está a tentar criar carne sintética através de células das penas de uma galinha, que são alimentadas com nutrientes para crescer. «Já não olhamos para o animal. Não precisamos de água, não precisamos de terra e não temos de lidar com resíduos animais. Produzimos carne de uma forma completamente diferente, segura, limpa e saudável», destacou.
A Ikea, por seu lado, juntamente com a meta de, em 2030, usar apenas materiais reciclados e renováveis, está a testar 100 projetos diferentes em 30 mercados, incluindo um serviço de aluguer no Japão. Já a marca de vestuário de outdoor Patagonia começou a desenvolver recentemente uma nova linha alimentar batizada Patagonia Provisions.
Validação social perde importância
Quando questionado sobre que mudanças faria no lançamento do Twitter, o cofundador da plataforma, Evan Williams, respondeu que «revelar o número de seguidores foi provavelmente prejudicial, porque mostrava que tinha a ver com popularidade. Muitas dessas coisas geraram crescimento. Hoje não é necessariamente saudável».
A preocupação em volta das redes sociais foi vocalizada em várias sessões que abordaram o vício na tecnologia, a validação social e a saúde mental. «O facto é que as redes sociais nos fazem sentir mal connosco próprios», reconheceu Alan Schaaf, o fundador do Imgur, uma comunidade de partilha de imagens.

Embora representantes dos gigantes das redes sociais como o Instagram, YouTube e Facebook tenham estado ausentes dos palcos da Web Summit, outros, de plataformas mais pequenas como o Pinterest e Imgur, tiveram a oportunidade de expressar as suas preocupações.
O CEO do Pinterest, Ben Silbermann, admitiu que o objetivo da plataforma não é distrair os utilizadores mas enriquecer as suas vidas. «Não contamos o número de minutos que os utilizadores gastam no nosso serviço, o nosso objetivo é levar as pessoas a fazer alguma coisa. Essa é a nossa visão de como a tecnologia pode ter um papel positivo na vida das pessoas», esclareceu. No caso do Pinterest, revelou, «o que as pessoas nos dizem é que se sentem otimistas quando usam o Pinterest porque pensam no que está no futuro, tendem a pensar mais nelas próprias do que no que os outros pensam delas».
Marcas renovadas para a era digital
As marcas de luxo assumiram em palco que têm reformulado as suas estratégias para criar um branding adaptado à realidade atual. Alexander Wang passou o último ano mergulhado em tecnologia e dados para desenvolver iniciativas que ajudem o seu negócio. Na sua intervenção, o designer de moda e CEO da sua marca epónima falou do reajustamento a uma mentalidade mais digital, nomeadamente a mudança na cadência dos desfiles e a abordagem menos baseada em coleções por estação para estar mais em sintonia com os consumidores.
Wang anunciou o lançamento de um novo website ainda este mês que traz mudanças na oferta de produto para a experiência online. A equipa analisou a taxa de conversão em relação a diferentes preços para determinar que produtos funcionariam melhor em loja e quais teriam melhores resultados online.

Parte da mudança na marca vai incluir também uma mudança no branding. Em vez de Alexander Wang, ficará alexanderwang, «porque é como as pessoas leem o nome no website» e nas redes sociais, através de hashtags.
A vice-presidente de marketing digital da Burberry, Rachel Waller, abordou, por seu lado, o rebranding da marca de luxo, levado a cabo em agosto. «Para nós, teve a ver com lançar uma nova estrutura e sobre reposicionar a Burberry, que é algo difícil para uma marca com história como a nossa», elucidou Waller.

Para além do logótipo e da injeção de novos produtos, houve uma reanálise da comunicação da marca e iniciativas direcionadas para a experiência do consumidor. «Fizemos uma enorme campanha publicitária de relançamento – ursos gigantes em Xangai, Nova Iorque e Londres, anúncios colossais em prédios, mas o que foi realmente único foi termos alicerçado tudo isso nas redes sociais», adiantou a vice-presidente de marketing digital da Burberry.
A casa de moda britânica fez isso através da transmissão ao vivo do insuflar dos ursos em todo o mundo e usou as redes sociais para ser ainda mais transparente sobre estas mudanças. De acordo com Waller, a marca partilhou mesmo transcrições das conversas entre o diretor criativo Riccardo Tisci e o designer gráfico Pete Saville, «para que as pessoas pudessem ler como eles comunicaram sobre a criação deste novo logótipo».