Vogue já fala português

Os anúncios nas revistas estão há décadas na sua pior crise. Mas então porque é que o número de Setembro da Vogue americana se apresenta com 750 páginas e mais de 1,6 Kg? Aliás, escolhendo quatro revistas deste tipo para levar numa viagem de avião e poder-se-à ter excedido o limite de peso da bagagem apenas com as revistas, refere The Economist. É tão grande a quantidade de páginas de publicidade dentro da Condé Nast, a bíblia da moda, que o primeiro artigo não aparece antes da página 206. A sua irmã em título, Glamour, saiu em Outubro com 326 páginas, mais 17 por cento do que no ano anterior. Mas este ‘boom’ não é limitado apenas à América. O número de páginas de publicidade na edição de Outubro da Glamour na versão britânica subiu mais de 77 por cento relativamente ao mesmo número do ano anterior. A britânica Marie Claire, da AOL Time Warner, anuncia na sua capa de Outubro, que essa é a maior edição de sempre. O seu número de Novembro vai ser sete por cento maior. Esta situação contrasta com as revistas de notícias e negócios, outrora mais preenchidas. Nos primeiros oito meses de 2002, o número de páginas de publicidade caíram 72 por cento relativamente ao mesmo período de 2001 na Red Herring, e cerca de 46 por cento na Wired. O que é que estará a acontecer? Parte deste ‘boom’ é sazonal. Setembro e Outubro, juntamente com Março e Abril, são sempre mais ‘gordos’ para as revistas de moda, pois coincidem com os desfiles de Primavera e Outono, que é quando as grandes lojas têm a oportunidade de exibir os seus guarda-roupas, não apenas através da publicidade paga mas também através da grande quantidade de cópias editoriais. Os desfiles em Nova Iorque começaram a 18 de Setembro, altura em que terminou a Semana da Moda em Londres. Uma publicação em Setembro segundo Peter Kreisky, consultor de comunicação, «serve como directório da indústria da moda: ninguém quer ficar de fora». Alguns anunciantes podem mudar-se das publicações de negócios e notícias para revistas femininas, com medo que os produtos sejam contaminados ao ser associados as más notícias que essas publicações têm agora em abundância. «Eu tenho um número de anunciantes que me disseram: não me ponha junto à cobertura negativa da economia,» afirma Jeff Piper, responsável pela disposição de publicidade da imprensa americana para a Carat, uma agência de publicidade. Claramente, nem todos os produtos se transferem para as publicações de moda. Mas certos artigos, como relógios de luxo, carros e telemóveis, parecem estar mais satisfeitos ao lado de artigos intitulados ‘Eu sou um monstro na cama’ do que estavam entre artigos de estratégias colectivas. Talvez a razão mais importante, no entanto, seja a força da despesa no retalho apesar do abrandamento geral da economia. Em particular, as mulheres parecem estar a gastar como nunca, mesmo antes da circulação das imagens na Vogue, Cosmopolitan, Glamour, etc. Mas não são apenas as marcas de artigos de luxo que ‘alimentam’ as revistas de moda. A GAP, por exemplo, que é um retalhista de mercado mediano ocupa 15 páginas completas de publicidade na edição de Setembro da Vogue americana. Para já, este ‘boom’ não mostra sinais de abatimento. «Há muitos templos de moda a serem abertos, e que precisam de ser promovidos», comenta Nicholas Coleridge, director-geral da Condé Nast do Reino Unido. No início deste ano, a Prada abriu várias novas lojas em Londres e Nova Iorque. Giorgio Armani planeia abrir mais 18 durante este Outono. O único problema para os admiradores da moda, vai ser encontrar músculos para carregar os sacos das compras e as revistas que contêm a sua inspiração. E os portugueses que vão preparando os seus músculos, pois chegou Portugal a edição nacional da Vogue. Depois de uma tentativa de lançamento falhada, através da Condé Nast/Lisboa, a versão portuguesa da revista Vogue chegou ao mercado na quarta-feira. Com um total de 340 páginas, 150 são ocupadas por publicidade, o que representa 500 mil euros em receitas publicitárias. O investimento inicial foi de 750 mil euros. Neste primeiro número da Vogue, os criadores portugueses, as preferências de moda de Maria José Ritta, as roupas, os acessórios e as maquilhagens são os principais temas abordados. Marianne Schroder é capa do número 1 da Vogue portuguesa fotografada por Pier Luigi Macor. Paula Mateus, a directora da Vogue portuguesa, conta com uma redacção de 16 pessoas fixas e um vasto número de colaboradores portugueses e estrangeiros. Para Paula Mateus a Vogue é o resultado da análise de todas as edições internacionais. «Identificámos, ao nível dos textos, imagem e grafismo, o que há de melhor e de mais adequado ao nosso mercado». Neste primeiro número, cerca de 75 por cento dos conteúdos editoriais foram concebidos pela redacção portuguesa, enquanto o resto corresponde a textos traduzidos ou adaptados das várias edições de todo o mundo. A revista dirige-se a mulheres entre os 25 e os 45 anos que vivem em grandes centros urbanos. A mulher Vogue, segundo Paula Mateus, «gosta de estar a par das últimas tendências de moda no sentido universal do termos, segue-as e tem poder de compra para concretizar o enorme prazer que tem em consumir roupas, acessórios e produtos de marca que considere ícones de moda, mesmo que efémeros». Com uma tiragem no primeiro exemplar de 70 mil exemplares, a Vogue terá um preço de capa de 3,5 euros. Este primeiro número é acompanhado por uma oferta de um «bâton» da Estée Lauder, cujo valor comercial se situa nos 20 euros. Assumindo-se como a bíblia da moda, a Vogue vai enquadrar-se num mercado onde já existem várias publicações femininas, mas onde apenas uma é considerada uma revista de moda, a Elle. As mulheres portuguesas têm agora cada vez menos razão para não acompanhar a moda.