Valérius Hub vai mais longe

Atenta à economia circular desde 2017, a empresa está empenhada em ser uma referência na reciclagem têxtil mundial. O projeto da Valérius Hub continua a crescer e a desenvolver novas tecnologias para melhorar a eficiência do processo.

Patrícia Ferreira

A ideia da reciclagem surgiu com um cliente, um atleta americano, que desafiou a empresa a reciclar o seu guarda-roupa. «Ele queria uma máquina em que metesse tudo lá dentro e do outro lado saísse roupa nova. Claro que não podia ser feito assim, mas o conceito em si era bom», conta Patrícia Ferreira, CEO da Valérius Hub. «Fizemos um estudo de mercado e percebemos que existem milhares de armazéns com quilos de stocks e que as pessoas não sabem o que fazer com aquilo, porque não é vendável», explica ao Jornal Têxtil. «Só em Inglaterra, a cada minuto havia um contentor de roupa que ia para o aterro», exemplifica.

O passo seguinte foi perceber o que estava a ser feito ao nível da reciclagem. «Fomos a Espanha, Itália e Turquia, porque existem lá centros de reciclagem, mas que não estão vocacionados para o pós-consumo nem para peças de clientes. Estão vocacionados para importar do Bangladesh quantidades de desperdício do corte. Sempre que fazemos um modelo temos desperdícios de 15% a 20%. A questão é que em Portugal fazemos pequenas séries de 500 ou 300 peças e os desperdícios são muito pequenos por cor e composição, enquanto no Bangladesh eles produzem mais de 50 mil peças de cada vez, por isso é muito mais fácil ter o mesmo desperdício em grande quantidade por composição e por cor», afirma a CEO.

Para se diferenciar, a Valérius Hub decidiu enveredar por um caminho diferente e focar-se no desperdício feito na Europa. O primeiro passo foi dado junto das empresas do grupo, com a separação por cor e composição dos desperdícios provenientes das mesas de corte que tem, etiquetando devidamente os mesmos para utilização posterior. O projeto foi apresentado aos clientes e foi proposto levantar os desperdícios junto das outras empresas onde produzem. «Podemos ir a estas empresas e explicar como fazem o processo de separação. Passamos depois com o nosso camião, recolhemos o desperdício e quando a marca estiver preparada fazemos a coleção com esses desperdícios e tem pelo menos 50% de incorporação de matéria-prima que já foi paga anteriormente», refere Patrícia Ferreira.

A empresa recebe também stocks de peças acabadas não vendidas, onde facilmente consegue fazer a seleção por composição, uma vez que as produziu e sabe, por isso, que matérias-primas foram usadas.

Do pré ao pós-consumo

A estas duas possibilidades pré-consumo, a empresa juntou uma vertente pós-consumo. «Percebemos que não existia ninguém que fizesse a reciclagem no pós-consumo», revela a CEO. O processo aqui é mais complicado, porque é necessário remover todos os acessórios e nem sempre é fácil perceber a composição dos artigos, muitos deles já sem etiquetas. Este é um processo que está a ser afinado, estando a empresa a desenvolver, em parceria com um fornecedor holandês, uma tecnologia que permite detetar a composição de uma peça. «Através do laser conseguimos identificar as fibras, por camadas», indica. O processo ainda não é 100% preciso, enfrentando dificuldades sobretudo quando as fibras representam menos de 80% da composição. «Estamos a tentar colocar esta máquina com um erro mínimo», adianta Patrícia Ferreira, que não põe de lado outras possíveis soluções.

A empresa está igualmente envolvida no desenvolvimento de uma linha de costura que se degrada a 200 ºC. «A ideia é que as peças possam ser cosidas com essa linha e no final de vida, a linha é aquecida, desfaz-se e as peças desmontam-se», esclarece a CEO. «O problema é que temos condicionantes, por exemplo, passar a ferro em casa – os ferros podem atingir temperaturas superiores a 200 ºC. Acho que tem que existir uma maior educação nesse sentido, procuramos sempre que os nossos clientes transmitam essa informação ao consumidor final, mas enquanto não houver uma informação fidedigna, procuramos as melhores alternativas e fazer testes, enviar para o mercado algumas peças e ver a reação das pessoas para depois darmos o próximo passo», assegura.

Após a separação por composição e cor, os desperdícios são mecanicamente desfeitos até ficarem em fibra e, posteriormente, misturados em composições com fibras virgens e fiados. «Conseguimos reciclar todas as fibras», garante Patrícia Ferreira, ressalvando que em alguns casos, como no elastano, as fibras podem notar-se no produto final. «É a vantagem do processo mecânico – só temos que ajustar as máquinas a cada uma das fibras que vamos reciclar», destaca. A tecnologia permite inclusive fazer a reciclagem de misturas, «mas o produto final vai ser 50% da composição da mistura inicial e 50% da nova matéria-prima».

Foco na qualidade

A qualidade, de resto, é uma preocupação. «Percebemos que existia fio que não tinha a qualidade que os nossos clientes pretendiam e sentimos que os nossos clientes não iam passar por um processo de reciclagem se perdessem a qualidade, porque no final a sustentabilidade do produto ia ser mais baixa – se passarmos a ter um produto com menor qualidade, na realidade não estamos a ser sustentáveis a longo termo. Por isso, decidimos que tínhamos que fazer um produto com a qualidade no mínimo similar àquilo que o cliente comprava e que, se comparasse os dois, não conseguisse perceber qual é que era o reciclado», salienta Patrícia Ferreira.

A separação por cores permite igualmente evitar o tingimento, já que o resultado, com a incorporação de fibras virgens, é uma mescla colorida em tons pastel. «Podemos ainda juntar diferentes cores e ninguém vai ter igual, é uma cor única», admite. «Se quisermos uma cor completamente coberta, então fazemos o tingimento, sempre com cores mais escuras do que a cor original», mas «no geral não temos muitas limitações, o que é importante também para os nossos clientes», reconhece Patrícia Ferreira.

A funcionar desde setembro de 2020, após um longo processo de desenvolvimento de tecnologia que juntou um grupo de construtores de maquinaria e a equipa interna da Valérius Hub e um investimento de cerca de 25 milhões de euros, a unidade de reciclagem produz diariamente seis toneladas de fio, a que se juntam 20 toneladas de papel (que usa as fibras mais pequenas que não podem ser utilizadas na fiação).

A empresa está preparada para crescer na reciclagem, nomeadamente na área da fiação, até porque a procura tem vindo a aumentar. «Tivemos que fazer o pushing no início, mas agora são as marcas que nos estão a procurar neste processo único, porque na realidade não temos ninguém que faça com a qualidade que nós fazemos, com a capacidade que nós temos e que trate os desperdícios dos nossos clientes como nós, porque fazemos projetos individuais para eles. Pegamos no desperdício do corte e fazemos uma coleção e todo o desenvolvimento de produto. Não são muitas as empresas que podem dar este tipo de serviço aos clientes», resume Patrícia Ferreira.