Uma das hipóteses defendida no âmbito das diversas iniciativas mais recentes, direccionadas no sentido das necessidades sentidas pelos países em desenvolvimento, prende-se com o fomento das iniciativas de cooperação entre regiões do Hemisfério Sul. Embora este conceito não seja uma novidade, esta possibilidade nunca foi concretizada, nem sequer em termos parciais. O estímulo das ligações transatlânticas entre a África do Sul e a América Latina começou após o fim do apartheid, com a criação da ZPCSA (Zone of Peace and Cooperation in the South Atlantic) em 1986 e recentemente foram dados novos passos nesta direcção. Os alicerces para revitalizar a aliança entre os países do Hemisfério Sul ganharam nova força quando os líderes dos três gigantes do Sul – Vajpayee da Índia, Lula da Silva do Brasil e Mbeki da África do Sul -encabeçaram uma nova abordagem à cooperação entre os países do Hemisfério Sul no Fórum da Assembleia-geral das Nações Unidas em 2003, resultando num acordo trilateral entre os três países: Índia, Brasil e África do Sul (IBSA). Estes três países iniciaram o diálogo tendo por base o enriquecimento mútuo dos países em desenvolvimento, dando cada vez maior prioridade à entrada de países em desenvolvimento no competitivo mercado internacional, através da flexibilização das suas ligações com os EUA e com outros países desenvolvidos, à medida que são formados novos laços entre estes. No entanto, o possível acordo entre os três países permanece ainda numa fase muito embrionária. Apesar de em termos políticos representar uma posição internacional audaciosa, a viabilidade futura vai depender da capacidade destes países em conseguirem alcançar algo para além da harmonia moral e simbólica e encetarem iniciativas de cooperação tecnológica entre si e com outros países em desenvolvimento. Conceptualização do IBSA Um acordo trilateral é aparentemente um passo lógico para os países que se preparam para ir além do mero compromisso de fomentar os seus relacionamentos ao nível emocional, político e histórico. Para além da partilha de problemas sociais entre o Brasil e a África do Sul e das relações políticas que unem a África do Sul e a Índia, a existência actual de um acordo de comércio preferencial entre o South African Community (SACU) e o MERCOSUR (o qual está em vias de expansão de forma a abranger a ligação com a Índia), assim como uma forte herança comercial entre a África do Sul e a Índia, originam uma parceria cada vez mais relevante. O objectivo inicial do IBSA era a criação de uma aliança pouco formalizada que apresentasse uma voz coesa nas sessões de negociação para a Ronda de Doha, de forma a exercer uma maior pressão sobre os países mais desenvolvidos e assim alcançar posições comuns nas deliberações do concelho de segurança das Nações Unidas. Os três países fomentaram o IBSA através da presença em reuniões anuais envolvendo os ministros dos negócios estrangeiros, com o objectivo de discutir as questões de desenvolvimento e a possibilidade de abordagens conjuntas na questão dos oito objectivos de desenvolvimento para o milénio (Millennium Development Goals), os quais recebem o apoio activo dos três países. Desde o seu início em 2003, o IBSA evoluiu desde uma parceria informal construída fundamentalmente para lidar com as questões políticas ao nível macroeconómico, para uma aliança activa que procura discutir e solucionar questões específicas ao nível internacional com especial relevância para os países em desenvolvimento. Entre os principais assuntos discutidos nas negociações encontram-se o desenvolvimento da democracia, o desarmamento, a sustentabilidade ambiental e os laços marítimos. Apesar dos objectivos do IBSA serem semelhantes aos de organizações como o G20 ou o G77, tem o potencial de actuar de forma mais eficaz, na medida em que as decisões são debatidas apenas entre três países, em vez de vinte ou mais. Barreiras ao mercado único Apesar da Índia, Brasil e África do Sul partilharem acordos bilaterais entre si, a existência de acordos que envolvam os três países não são actualmente uma opção, devido às obrigações ao nível internacional já estabelecidas com países vizinhos. A existência de organizações como a SACU e o MERCOSUR proíbe que os membros individuais formem acordos de livre comércio com qualquer país externo, sem o alargamento da zona de livre comércio e dos respectivos benefícios aos outros países membros. As actuais restrições sobre as importações e as taxas aplicadas são bastante elevadas, por exemplo: o Brasil impõe uma taxa de 60% sobre todas as importações de produtos acabados. Para além destas questões, a Argentina, parceiro do Brasil no MERCOSUR, está apreensiva em relação à eventualidade da indústria vinícola da África do Sul invadir o mercado Sul-americano. De acordo com a opinião de alguns responsáveis, a abertura comercial ao nível do IBSA seria vantajosa em termos gerais, mas obrigaria a um processo demorado e complexo de negociações para assegurar a segurança dos actuais interesses empresariais em cada um dos países. Se, no futuro, os países do IBSA decidirem pelo desenvolvimento de um acordo de livre comércio alargado, este poderá surgir sob a forma de um acordo multilateral envolvendo o SACU, o MERCOSUR e o ASEAN (Association of Southeast Asian Nations). Barreiras ao bloco único Até à data ainda não foram registados acordos de livre comércio de âmbito trilateral entre os três países, nem mesmo acordos preferenciais. No âmbito de um estudo realizado com o objectivo de identificar os benefícios e as repercussões associadas com a abertura das economias do IBSA num mercado único, as opiniões divergiram substancialmente. O estudo refere que, para que o IBSA possa expandir na direcção de relacionamentos comerciais complexos, os responsáveis empresariais dos três países devem estar preparados para cooperar entre si no desenvolvimento de estruturas comerciais capazes de resultar no benefício mútuo. Actualmente as trocas comerciais entre a África do Sul e o Brasil correspondem a apenas 2% do seu comércio externo. No entanto, considerando as trocas comerciais no sentido inverso, o Brasil exporta quatro vezes mais para a África do Sul do que importa. Considerando a actual desvantagem da África do Sul em relação ao Brasil e até mesmo em relação à Índia, alguns analistas internacionais pensam que a África do Sul apresenta o maior benefício potencial, beneficiando as exportações dos seus produtos agrícolas, acessórios para a indústria automóvel e produtos químicos. No entanto, os desenvolvimentos registados neste sentido têm merecido o encorajamento dos sectores empresariais dos três países, os quais perspectivam com entusiasmo uma possível integração. Iniciativas actuais Apesar da actual incerteza sobre a concretização de um acordo comercial preferencial entre os três países, o IBSA fez outras conquistas noutras áreas. Na indústria de turismo, muitos consideram a ideia da existência do IBSA como uma oportunidade convincente sob uma perspectiva comercial. Segundo Nalini Gupta, responsável pela SAA (South African Airlines) na Índia, as linhas aéreas indianas estão a analisar a possibilidade de pacotes de viagem que abrangem os três destinos, e a SAA está a expandir os seus voos entre os três países. No âmbito das discussões trilaterais que decorreram em Março, os países do IBSA acordaram o desenvolvimento da cooperação nos sectores agrícola e tecnológico, resultando um acordo de cooperação que deve ser sujeito a votação. Em resultado desta reunião surgiu um acordo de trabalho conjunto em diversas questões agrícolas, como a gestão de recursos naturais, a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de competências. Perspectivas para o futuro Apesar do aspecto singular que representa um acordo transcontinental entre diversos países em desenvolvimento, o IBSA aparenta possuir menos bases políticas comuns do que as actuais organizações regionais. No entanto, os três países uniram o que possuíam em comum, nomeadamente as condições sócio-económicas e as posições políticas no âmbito das regiões a que pertencem, de forma a promover as suas forças internas. O IBSA pode ser bem sucedido no desenvolvimento de uma estrutura benéfica para os três países, se a organização focar as questões partilhadas e trabalhar no sentido de concretizar os objectivos estabelecidos no âmbito das áreas de actuação referidas. O IBSA tem sido e provavelmente vai continuar a ser um formato político cada vez mais bem sucedido, representando os interesses de três gigantes regionais com responsabilidades ao nível internacional. Em termos gerais o IBSA tem ainda de descobrir a sua verdadeira identidade, a qual vai determinar a viabilidade futura do desenvolvimento de parcerias internacionais no âmbito dos países do Hemisfério Sul. No entanto, ao abordar a interdependência existente entre três dos países mais desenvolvidos do Hemisfério Sul, o caminho que está a ser percorrido é efectivamente relevante para o futuro quadro do comércio internacional.