Um vestido, um casaco ou… um pedaço de terra?

A mais recente proposta da Christy Dawn, marca de moda conhecida pelo seu estilo boémio e feminino, não é uma peça de roupa. É um bocado de terreno que pode ser arrendado por 200 dólares. Um investimento que pode depois dar como frutos peças de roupa.

[©Christy Dawn]

A Christy Dawn está a desafiar as clientes a desembolsar cerca de 200 dólares, não por um artigo de moda, mas para cobrir o custo do cultivo de algodão numa quinta em Erode, na Índia. A cultura é feita de forma regenerativa, o que significa usar técnicas de cultivo que protegem a saúde da terra a longo prazo e capturam o dióxido de carbono da atmosfera.

Quando o algodão é colhido, as clientes são reembolsados ​​sob a forma de crédito em loja com base na colheita. Se o rendimento for bom, podem ganhar mais do que investiram. Isso permitirá comprar um vestido produzido com o mesmo algodão que ajudaram a cultivar.

Este projeto, batizado Land Stewardship, é uma forma de envolver as clientes diretamente na agricultura regenerativa, ao mesmo tempo que permite à marca contar uma história mais vasta sobre como é produzido o vestuário e o impacto que tem no planeta.

Christy Dawn Baskauskas fundou a sua marca epónima em 2013, juntamente com o marido Aras, atual CEO. Em 2019, estabeleceram uma parceria com uma comunidade de agricultura regenerativa indiana chamada Oshadi para arrendar 4 acres de terra na cidade de Erode, no sul da Índia; no ano seguinte, expandiram para 70 acres. No passado mês de abril, lançaram os primeiros vestidos farm-to-closet, uma coleção fabricada com o algodão colhido nas terras arrendadas.

Reduzir a pegada ambiental

A maior parte da enorme pegada ambiental da moda sucede no início da cadeia de aprovisionamento, quando as matérias-primas são produzidas. A cultura do algodão industrial é particularmente nefasta para o planeta porque consome muita água, esgota os nutrientes da terra, liberta carbono para a atmosfera e mata a biodiversidade. Se a agricultura continuar ao ritmo atual, as Nações Unidas preveem que restarão apenas 60 colheitas até que o solo não produza mais nada.

[©Christy Dawn]
Nos últimos anos, as marcas de moda juntaram-se à luta para proteger o solo, investindo na agricultura regenerativa, cujas técnicas visam reverter alguns desses danos. A Patagonia, a Timberland e o conglomerado de luxo Kering estão a apoiar projetos de agricultura regenerativa e marcas mais pequenas como Allbirds e Mara Hoffman também apoiam projetos de menor escala. A Christy Dawn, no entanto, é a primeira marca a convidar as clientes a investir diretamente no processo.

Para o programa Land Stewardship, a marca fez uma parceria com uma quinta em Erode, reservando 500 lotes de terra para as suas clientes investirem 200 dólares em cada um. «Acreditamos que este programa aumentará a fidelidade das clientes que nos acompanham nesta jornada», confessa Aras Baskauskas à Fast Company. «Mas, mais importante, permitir-nos-á expandir o nosso alcance significativamente além do que seríamos capazes de fazer por nós mesmos», sublinha.

Riscos partilhados

O CEO reconhece que a marca está a pedir muito às suas clientes. Afinal, se ocorrer uma enchente, seca ou praga em Erode no próximo ano, podem perder dinheiro com o investimento. Parte do programa é, todavia, para ilustrar que os agricultores do mundo em desenvolvimento normalmente têm que arcar com o fardo de potencialmente perder uma colheita. Milhares de produtores de algodão na Índia suicidaram-se depois de uma cultura fracassada os ter deixado atolados em dívidas. A Christy Dawn pede aos clientes que ajudem a assumir parte desse risco.

[©Christy Dawn]
«No final, realmente queremos que os clientes que colocaram o seu dinheiro neste programa tenham lucro, especialmente neste primeiro ano», assegura Aras Baskauskas. «Mas a realidade é que a natureza nem sempre nos dá o que queremos», admite.

Todo o processo – desde a colheita até a confeção do vestido em algodão – levará um ano. Ao longo deste período, a marca compromete-se a enviar atualizações regulares e fotos da quinta. «Num mundo digital acelerado, onde as pessoas estão acostumadas a fazer as coisas rapidamente, essa é uma pergunta radical dos nossos clientes», assume o CEO. Além de apoiar os agricultores, a Christy Dawn garante que o algodão será cultivado de forma sustentável, o que significa usar fertilizantes naturais, herbicidas em vez de pesticidas e rotação das culturas para aumentar a biodiversidade.

Projeto inspirador

Em muitos aspetos, este projeto é apenas um piloto, afirma Aras Baskauskas. Conseguir 500 clientes a bordo é uma meta modesta, que não vai transformar a indústria da moda. Não obstante, se o programa for um sucesso, a marca espera que cresça ainda mais nos próximos anos. De forma mais vasta, a ambição do CEO é enviar uma mensagem ao resto da indústria de que a agricultura regenerativa não está fora de alcance.

«Se pudermos demonstrar que isso funciona, esperamos inspirar outras marcas a fazer o mesmo», considera Aras Baskauskas. «Precisamos da H&M para fazer isso. Mas, mesmo sem a H&M, poderemos ter impacto se milhares de pequenas marcas de moda fizerem isso: mesmo que achem que não têm capital para investir em agricultura regenerativa, podem sondar a sua base de clientes, para que seja menos intensivo em capital para elas», esclarece.

Enquanto isso, o programa Land Stewardship ajuda a Christy Dawn a explicar as complexidades da agricultura regenerativa junto do seu público nas redes sociais e site. Muitos consumidores não entendem exatamente o que é necessário para criar uma roupa. Mas essa abordagem quebra tudo, traçando uma linha que vai da cultura de algodão ao vestido.

«Quando alguém nos comprar um vestido, compreenderá o processo de cultivo do algodão», acredita o CEO. «Quando alguém ouvir “adoro o seu vestido”, poderá falar, com algum conhecimento, sobre a agricultura regenerativa», conclui.

[©Christy Dawn]