Um Tiro no Pé

Foi recentemente divulgado, com alguma pompa e circunstância e bastante alarido da imprensa, um estudo realizado pela Kurt Salmon/BPI, que pretende avaliar o impacto da liberalização do comércio têxtil e vestuário na indústria nacional. Como conclusão traçam-se dois cenários, um optimista e outro pessimista, nos quais o sector perderia cerca de um terço dos seus efectivos e veria desaparecer quase um milhar de empresas. Não se consegue é perceber quando isto acontecerá – agora, ou a partir de 2005, quando o período de transição estiver completamente desmantelado? Não terá já começado, quando o processo de liberalização se começou a processar há quase uma década? Fala-se em empregos e empresas perdidas, mas não se inventariam os postos de trabalho que se criaram e as empresas que estão a surgir, como é normal num sector dinâmico e em permanente renovação, bem patente no volume crescente das produções e exportações. Uma coisa é certa, o impacto, não é da responsabilidade da liberalização do comércio, mas sim do estudo e da maneira desastrada como foi promovido, evidenciando só aspectos negativos, não fazendo as necessárias análises de compensação, acabando por denegrir a imagem do sector, tão arduamente recuperada ao longo da última década e colocando todo o tecido empresarial num escusado estado de alarme. O que pensará agora o cidadão comum, menos avisado, do STV em Portugal e do seu futuro? O que será de esperar dos clientes que nos procuram e que podem passar agora a ver-nos como uma indústria em desespero de causa? E os bancos que negoceiam financiamentos, de que maneira vão agora querer garantir as operações? E, finalmente, o próprio Governo ou a CE, aos quais o estudo pretendia sensibilizar, vão considerar esta indústria, ou seja como um sector que argumenta com a solidez do seu futuro ou como um sector que se apresenta com a “corda na garganta”, solicitando não o apoio que merece e tem direito, mas a esmola dos aflitos? Não quero ter dúvidas quanto às boas intenções de quem lança estudos destes, mas há que ponderar sempre as consequências dos actos e ter em conta as responsabilidades, caso contrário, no frenesim de mostrar serviço, perde-se o discernimento e acaba-se por já não se distinguir o que é bom ou mau para o sector, prejudicando quem se pretende ajudar. Da nossa parte, continuamos a acreditar firmemente no sector e no seu futuro, cientes das dificuldades e das ameaças, mas particularmente confiantes na nossa vontade e capacidade em as enfrentar.

Paulo Vaz Secretário-geral da APIM