Trabalho forçado à luz da ribalta

A descoberta de alegadas práticas de trabalho forçado em Xinjiang, na China, despertou a atenção da indústria têxtil e vestuário, que encara a região como uma grande fonte de aprovisionamento de algodão. As empresas menos vigilantes enfrentam riscos de deterioração da sua imagem e possíveis processos criminais.

Na 31.ª conferência anual de Comércio e Transporte dos Importadores de Vestuário, que decorreu em Nova Iorque no início de novembro, Ryan Lynch, diretor de responsabilidade social na British Standards Institution (BSI), destacou a importância das alegações de trabalho forçado registadas pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla original), na região de Xinjiang, que produz mais de 80% do algodão da China, noticia o just-style.com

Na investigação, o CSIS descreve condições de trabalho forçado e outras violações aos direitos humanos, aplicados aos uigures e outras minorias étnicas muçulmanas, alegando ser «a maior detenção em escala de comunidades religiosas desde a Segunda Guerra Mundial. O trabalho forçado tornou-se uma parte dominante dos esforços do Estado para “reeducar” as minorias muçulmanas». O governo chinês nega as críticas divulgadas.

Ryan Lynch recorda que as empresas têxteis e de vestuário cuja cadeia de aprovisionamento se estende a Xinjiang precisam de tomar precauções, já que os media começaram a evidenciar o assunto, denominando-o «genocídio cultural». Esta necessidade torna-se ainda mais premente, se as empresas estiverem alinhadas a normas nacionais e internacionais, como o Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

De facto, o oitavo objetivo exige claramente a «tomada de medidas imediatas e efetivas para erradicar o trabalho forçado, eliminar a escravatura moderna e o tráfico humano e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo o recrutamento e utilização de crianças soldado, e até 2025 eliminar o trabalho infantil sob todas as suas formas», revela a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Deste modo, as revelações sobre as condições laborais de Xinjiang colocam problemas sérios aos produtores e marcas que procuram seguir as normas associadas aos ODS. O diretor de responsabilidade social da BSI sustenta que as empresas precisam de estar plenamente conscientes sobre os alegados «campos e prisões de trabalho forçado, bem como abusos aos direitos humanos que estão a aparecer à superfície».

Da China para outros fornecedores

A investigação do CSIS vem também acentuar o atual movimento de transição das cadeias de aprovisionamento da ITV da China para outros países fornecedores, impulsionado pela guerra comercial incessante com os EUA e pelo surgimento de concorrentes mais baratos, como o Bangladesh e o Vietname.

Contudo, a deslocalização das empresas não invalida a continuação dos processos de diligência sobre os novos países fornecedores, obrigando-as a verificar a capacidade do seu sistema de gestão de respeitar os direitos dos trabalhadores, de satisfazer as suas necessidades e de conservar a qualidade dos recursos disponibilizados. Na perspetiva de Ryan Lynch, «precisamos de nos questionar sobre o impacto [desta transição] nos trabalhadores», particularmente no que diz respeito ao tratamento de imigrantes, até porque o interesse pelo tema começa a destacar-se entre os investidores, media e entidades governamentais.

Deborah Augustin, diretora-executiva do departamento de aplicação de leis comerciais da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, afirma que as empresas devem focar-se no trabalho contínuo de desenvolvimento de soluções automatizadas e proativas para averiguar a ocorrência de problemas éticos nas cadeias de aprovisionamento, sem perderem vantagens competitivas por custos crescentes de diligência. «Queremos fazer a nossa parte de criar condições equitativas para as empresas americanas, construindo o nosso programa Trusted Trader, que irá permitir o rastreamento automático», de modo a auxiliar as empresas a controlar os seus fornecedores, explica.

Conformismo pode resultar em crime

Além das repercussões negativas na imagem corporativa, uma auditoria falaciosa sobre a cadeia de aprovisionamento pode dar origem a processos criminais por parte do Governo– mediante a legislação de cada país –, caso sejam descobertas situações de más práticas laborais.

Kenneth Kennedy, consultor-sénior de políticas para programas de trabalho forçado nos EUA, alerta que «esta é a altura certa para agir», já que «90% da atenção dos media está concentrada em casos civis, reservando, em segundo plano, ações criminais». O consultor revela ainda que «ao longo dos próximos dois anos, colocaremos em ordem casos criminais nos EUA [sobre as situações de trabalho forçado na China]», acrescentando que «o departamento de justiça está disposto a processar executivos, empresas e retalhistas».

Não obstante, a definição legislativa de más práticas laborais é para já pouco abrangente, deixando de lado questões como o atraso nos pagamentos. As empresas terão de investigar muito além da sua rede de fornecedores imediatos, de modo a confirmar a existência, ou não, de irregularidades no trabalho ao longo da sua cadeia de aprovisionamento. «A realidade [sobre a incidência de processos criminas] tem em conta aquilo que se faz, quando se descobrem [casos de más práticas]. Se fugirmos ao assunto, aí sim teremos um problema», admite Deborah Augustin.