Trabalhadores informais são essenciais à retoma

Em grande parte invisíveis e sem proteção por parte das entidades reguladoras, dezenas de milhares de pessoas que trabalham em casa no sul da Ásia, a maior parte das quais mulheres, estão a sofrer com a falta de trabalho e de pagamento, mas são fulcrais para a recuperação da economia mundial.

[©HomeNet South Asia]

Os stresses financeiros causados pela pandemia de Covid-19 exacerbaram uma situação que era já difícil, de acordo com a HomeNet South Asia, uma rede regional de organizações de pessoas que trabalham a partir de casa. No Bangladesh, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka, 42% dos trabalhadores a partir de casa estão desempregados desde meados de 2021, em comparação com 0,8% antes do início do surto pandémico, aponta um artigo do Sourcing Journal.

A indústria da moda depende não só da produção feita em fábricas tradicionais, mas também do trabalho informal de pessoas que a partir de casa costuram, tecem, bordam ou colocam acessórios no vestuário. Normalmente contratadas por subcontratados de marcas e retalhistas, estas pessoas que trabalham a partir de casa são também as mais mal pagas. Em alguns países, podem ganhar apenas 0,15 dólares (cerca de 0,13 euros) por hora a costurar ou acabar peças de vestuário com destino aos EUA e à Europa.

Devido à falta de dados de censos, conhecer o número total de pessoas que trabalham em casa é uma tarefa difícil, ainda mais saber quais destes são especializados em vestuário. Acredita-se que haverá 67,5 milhões de pessoas, 53% das quais mulheres, que trabalham a partir de casa no Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão, de acordo com a Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing (WIEGO). A Organização Internacional do Trabalho estima que cerca de 2 mil milhões de trabalhadores, ou mais de 60% da força de trabalho adulta do mundo, faz trabalho informal em pelo menos parte do tempo.

A natureza irregular e muitas vezes ligada ao número de peças do seu trabalho era um problema ainda antes da crise de coronavírus. Após o início da pandemia, muitos viram o seu trabalho e rendimento desaparecer, «escalando a sua vulnerabilidade económica e levando-os perigosamente para perto da pobreza», escreve Chandi Joshi, responsável da HomeNet South Asia, na introdução do estudo. As pessoas que trabalham a partir de casa não têm visibilidade na lei nacional e as estatísticas dos países mostram que a maior parte delas não se qualifica para proteção por parte da segurança social ou outras formas de ajuda crítica quando necessário.

Rendimentos em queda

Financiado pelo International Development Research Centre do Canadá, o estudo analisa como quase 450 mulheres em 12 cidades sobreviveram entre fevereiro de 2020 e agosto de 2021. Em nenhuma das localizações as pessoas que trabalham a partir de casa ganharam tanto como antes do Covid-19. Em vez disso, a maioria (81%) das inquiridas viram o seu rendimento familiar semanal cair e mais de 20% admitiu ter de saltar refeições.

«Esta diminuição severa e sustentada dos rendimentos, durante um longo período de tempo, fez com que as mulheres que trabalham a partir de casa e as suas famílias tenham tido dificuldades em sobreviver», sublinha Chandi Joshi. «Mesmo os bens essenciais se tornaram demasiado caros para elas, resultando num aumento alarmante da fome e das dívidas», acrescenta.

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Para sobreviverem, muitas pessoas que trabalham a partir de casa procuraram alternativas e trabalho suplementar. Algumas especialistas em malha em Kathmandu, por exemplo, começaram a fazer chinelos em veludo, enquanto outras se voltaram para o trabalho agrícola. Várias mulheres que trabalham a partir de casa em Daca venderam comida e chá para complementar o seu rendimento. Na ausência de intermediários, muitas procuraram trabalho por sua conta, fazendo peças à medida para consumidores finais ou vendendo vegetais a partir de casa.

Mas mesmo isso não foi suficiente para restaurar os rendimentos pré-crise. As cidades indianas de Mumbai e Tirupur, em particular, destacaram-se pela sua baixa recuperação de rendimentos, indica o estudo, que culpa as restrições de movimentos por elevados períodos e uma «quase completa» dependência das cadeias mundiais de vestuário que praticamente pararam a produção em grande parte de 2020.

À medida que a vacinação avançou e os poucos apoios governamentais diminuíram ainda mais, as pessoas que trabalham a partir de casa viram os seus níveis de dívida subir, acrescenta o estudo. Em cinco localizações, a dívida média não paga, enquanto percentagem do rendimento anual estimado, aumentou entre 50% e 90%. Os trabalhadores a partir de casa em três dessas localizações reportaram níveis de dívida entre 200% e 300%, enquanto os de Mumbai foram assoberbados por um aumento «muito alto» de 650%.

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«A sobrevivência das mulheres que trabalham a partir de casa, no sul da Ásia, dependeu em grande parte da sua própria resiliência, juntamente com a resiliência das suas organizações representativas», indica a responsável da HomeNet South Asia. «As organizações, em toda a região, alargaram as suas capacidades e recursos para assegurar oportunidades de subsistência para os trabalhadores, ligaram-nos a programas e ajuda governamental relevantes, deram-lhes formação em ferramentas digitais, educaram os seus membros na necessidade de serem vacinados e também defenderam incansavelmente os direitos dos trabalhadores», destaca Chandi Joshi.

Ainda assim, o futuro das pessoas que trabalham a partir de casa não pode depender apenas da resiliência, refere o estudo. Os governos têm de promover os direitos destes trabalhadores, identificando-os e registando-os na segurança social para que possam aceder a formas de proteção social e assistência que sejam «eficazes e universais». Podem oferecer empréstimos sem juros ou dar prioridade em serviços de apoio como formação. Os legisladores podem ainda trabalhar em colaboração com as associações para desenhar e implementar políticas e sistemas que facilitem o trabalho a partir de casa, como práticas de compras éticas e melhores padrões de saúde e segurança no trabalho.

«Uma economia feita por nós – onde mesmo a trabalhadora mais vulnerável recebe o que lhe é devido e cuja vida e subsistência está protegida durante uma crise – vai exigir ações decisivas aos governos dos países», considera Joshi, que revela que após «os choques da segunda onda da pandemia, muitos governos no sul da Ásia foram rápidos a declarar que as economias estavam no caminho da retoma. Contudo, seria de vistas curtas celebrar uma recuperação que não é holística nem sustentável».

O papel dos trabalhadores informais

As marcas também podem ajudar. Em outubro do ano passado, as associações sem fins lucrativos HomeWorkers Worldwide e Cividep India publicaram uma espécie de guia de boas práticas para ajudar as empresas da moda não só a melhorar a sua visibilidade dos trabalhadores a partir de casa nas suas cadeias de aprovisionamento como também as suas condições de trabalho.

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«Podem ser feitos progressos para responder a estas questões se as marcas reconhecerem que os trabalhadores a partir de casa podem estar presentes nas suas cadeias de aprovisionamento e se empenharem em procurar soluções colaborativas para os problemas que possam enfrentar», acredita Lucy Brill, diretora da HomeWorkers Worldwide, que numa publicação recente no blogue Ethical Trading Initiative escreveu ainda que «ao trabalharem de forma construtiva com os seus fornecedores, as marcas podem mapear os trabalhadores a partir de casa na sua cadeia de aprovisionamento, documentando e resolvendo em conjunto os problemas identificados».

As marcas têm de «aceitar a realidade» de que os trabalhadores a partir de casa estão para ficar, quer sejam autorizados ou não, aponta Brill. É, por isso, crítico para eles desenvolver processos para compreender e gerir o papel dos trabalhadores a partir de casa, mitigando proactivamente quaisquer riscos, ao mesmo tempo que «contribuem positivamente» para a sua subsistência e direitos.

«Envolver-se proactivamente com os trabalhadores a partir de casa, ultrapassar os desafios de localizações dispersas, falta de documentação (e muitas vezes baixas taxas de literacia em zonas rurais) e falta de organização coletiva (em muitos, mas não em todos os casos) exige capacidades específicas», acrescenta a diretora da HomeWorkers Worldwide. «A boa notícia é que vários negócios fizeram grandes avanços no desenvolvimento de sistemas que reconhecem e valorizam a contribuição das pessoas que trabalham a partir de casa. Há já um conhecimento e uma série de ferramentas comprovadas para usar e adaptar, assim como organizações especializadas que podem aconselhar e dar apoio aos negócios nesta jornada», recorda.

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A Ford Foundation recentemente anunciou uma bolsa de 25 milhões de dólares a cinco anos para ajudar a WIEGO a combater o problema de assegurar a subsistência na economia informal. Sem as redes de segurança dos cuidados de saúde e apoios sociais, a percentagem de trabalhadores informais que entraram na pobreza duplicou de 26% para 59% só no primeiro mês da pandemia, indica a Ford Foundation.

«Sabemos que não pode haver recuperação mundial sem trabalhadores informais», referiu Sarita Gupta, diretora do programa Future of Work(ers) da Ford Foundation, em novembro. «Esta bolsa reconhece a importância de assegurar que milhões de trabalhadores informais tenham um lugar à mesa para que a sua voz, exigências e necessidades sejam ouvidas a nível nacional e mundial, para que os legisladores e líderes empresariais reconheçam o seu contributo e valor. Estamos orgulhosos de apoiar estas redes, lideradas por mulheres, de trabalhadores informais que estão a gerar uma procura global por proteção social e laboral para mais de metade dos trabalhadores do mundo», concluiu.