Com um modelo de negócio diferenciador, que inclui o recurso às outras empresas do grupo Valérius para o desenvolvimento de novos processos e produtos e uma equipa de 15 pessoas divididas pelas várias áreas produtivas, a RDD tem-se afirmado no mercado pela inovação. Depois da reestruturação iniciada no ano passado, em que os artigos mais convencionais ficaram entregues a outra entidade, o objetivo é agora concentrar-se em trazer tecnologias revolucionárias para o mercado, muitas vezes em parcerias com marcas internacionais, como revela Ana Tavares, CEO da empresa, que nesta entrevista concedida ao Jornal Têxtil antes da última edição da Première Vision, adianta ainda que a empresa está igualmente a apostar noutros segmentos de produto além da moda.
O que é que a RDD vai destacar na Première Vision?
Nesta edição optámos por continuar a explorar, em termos de tecnologias de tingimento e acabamento, alguns processos que já tínhamos apresentado na edição anterior, mas com novas cores e processos melhorados, aplicados a novas fibras. Por exemplo, na questão do algodão, optámos por, em vez de usarmos só algodão reciclado, usarmos também o Good Earth Cotton. Em termos de fibras regeneradas da celulose, vamos introduzir o Nucycl da Evrnu e continuar a explorar um pouco mais a Circulose. Portanto, temos uma combinação entre tecnologias e fibras diferente daquela que foi apresentada anteriormente.
O que é mais importante quando a RDD prepara uma coleção: as tendências de moda ou as novas fibras e processos?
Diria que ambas as coisas são importantes. No entanto, a expectativa dos clientes quando nos procuram é sempre ter coisas novas. Quando falamos em tendências de moda em malhas, falamos muito da parte da estrutura, do material, mas também muito da parte da cor. Como, no nosso caso, temos alguma limitação de cores em algumas tecnologias, a parte mais importante acaba por ser mesmo a parte da inovação e do desenvolvimento.
Que expectativas tem para a Première Vision?
Tenho a perceção que as feiras mudaram radicalmente desde o pré-covid, já não são a mesma coisa que eram, no sentido em que, pelo menos na minha perspetiva, os eventos tornaram-se menos formais. Havia sempre uma grande expectativa para aquilo que ia ser apresentado na Première Vision ou na Milano Unica por parte das empresas e hoje em dia já não é bem assim, ou seja, a feira continua a ser importante, porque é um ponto de reunião de toda a gente do sector, no entanto, é mais para uma discussão contínua de trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos.
Em que outras feiras vão participar?
Este ano, vamos participar pela primeira vez na ISPO Munich, porque queremos fazer uma aposta num segmento um bocadinho diferente. Exploramos tecnologias muito para o sector da moda quando as iniciamos e vemos que há também uma potencial aplicabilidade em artigos mais técnicos. Queremos explorar isso.
Neste momento, em termos de oferta da RDD, que processos e tecnologias se destacam?
Temos o processo Colorifix, que é um dos que apresenta mais desafios e onde há um desenvolvimento muito grande ainda para ser feito, nomeadamente na paleta de cores, que é um dos pontos que os clientes focam muito. Ou seja, os clientes veem, aceitam muito bem o projeto, porque percebem que é efetivamente uma alternativa com impacto ambiental muito positivo face àquilo que é o convencional, porque não utilizamos químicos e o tempo de tingimento reduz-se a uma hora ou uma hora e meia, comparado com as seis ou oito horas de um tingimento convencional, mas há muitas limitações ao nível da cor e mesmo ao nível de aplicabilidade em tipologias de fibras, porque a mesma bactéria pode produzir pigmentos que dão cores diferentes. Se estivermos a falar de um 100% algodão ou um algodão/liocel, por exemplo, ou até mudando só uma estrutura, fazendo um jersey ou um rib, a cor já vai ser diferente e isso é um desafio. Vamos continuar a explorar a tecnologia e, se calhar, daqui a dois anos, vamos continuar a apresentar coisas novas com o Colorifix. Além disso, a aplicação dos microrganismos no têxtil não se vai reduzir apenas ao Colorifix. O Colorifix é, efetivamente, o primeiro que conseguiu colocar o processo cá fora, digamos assim, ainda que com muitas limitações. Vamos continuar a explorar isso, seja para tingimento, seja para acabamentos funcionais ou mesmo para a criação de novas fibras através de microrganismos. Temos também outras coisas em mente, como pigmentos provenientes de outras fontes que não os microrganismos, como é o caso dos resíduos alimentares, por exemplo, ou mesmo através da captura de CO2 para a produção de pigmentos, aqui mais na área dos pigmentos pretos. Mas são tudo coisas que ainda estão numa fase muito precoce.
Como é que funciona o processo de investigação e desenvolvimento na empresa?
Por um lado, os clientes sugerem coisas e nós acabamos por explorar as ideias dos clientes. Depois, uma das partes muito fortes da RDD, se olharmos para a estrutura da empresa percebemos isso, é a parte da investigação e desenvolvimento. Temos uma equipa que tem nas suas tarefas, vamos dizer mensais, pelo menos, a procura de tecnologias. Portanto, temos implementados processos de scouting internamente em que, muitas vezes, contactamos diretamente os produtores de novas tecnologias ou de novas fibras.
Este tipo de desenvolvimento tem procura efetiva depois em termos de vendas?
Sim. Não nas quantidades que estamos habituados a ver, se calhar, noutro tipo de artigos, mas a procura é imensa. Todas as semanas temos pessoas a procurar-nos para falar sobre as nossas tecnologias. Também estamos a trabalhar um bocadinho no tipo de exposição que queremos ter, porque depois acabam por ser muitas perguntas e pouco negócio. No entanto, há materiais que trabalhamos, nomeadamente os reciclados da Valérius 360, que têm uma expressão grande naquilo que é o nosso desenvolvimento e tentamos incluir novas fibras nas misturas que fazemos para apresentar sempre coisas diferentes. Contudo, trabalhamos artigos que normalmente entram nas coleções mais pequenas, ou seja, não estão, neste momento, a substituir uma t-shirt de 100% algodão que todas as marcas têm, são para coisas mais especiais, apesar de, no fim, estarmos sempre a falar de toneladas. Temos notado que as marcas estão, cada vez mais, a apresentar este tipo de artigos da mesma forma, ou seja, fazem uma pequena coleção, testam o mercado e depois fazem a seguir mais produções e vão fazendo isto ao longo do ano.
Como é que a RDD faz a produção dos seus artigos?
O universo Valérius tem muitas empresas, todas elas parceiras, mas independentes. Nós recorremos, a maior parte das vezes, a essas empresas para produzir os nossos artigos. Temos pessoas da nossa equipa que estão alocadas à tinturaria, outras que estão na tricotagem, temos pessoas alocadas à investigação e desenvolvimento propriamente dito e acabam por ser quem aplica essas tecnologias. No exemplo do Colorifix, o nosso biorreator está instalado na tinturaria e a nossa equipa técnica, em conjunto com a equipa técnica da tinturaria, faz com que aconteça o tingimento. Passamos muito tempo em empresas diferentes. A nossa equipa está espalhada e acho que é muito por aí que a RDD se diferencia dos concorrentes: conseguimos, nas empresas que estão dentro do nosso universo, entrar em todos os segmentos do sector. Conseguimos testar todo o tipo de tecnologias, desde a introdução de fibras na produção de fios, como é o caso daquilo que fazemos na Valérius 360, até à tinturaria, acabamentos, estamparia e lavandaria.
Têm uma parceria com a Pangaia para o desenvolvimento de produto. Fazem o mesmo com outros clientes?
A relação com a Pangaia divide-se em duas coisas: a Pangaia é cliente da RDD – e não só da RDD, também de outras empresas do grupo Valérius – e, depois, temos a parte efetivamente de uma parceria no sentido do desenvolvimento do produto. Fazemos isso com todas as marcas com quem trabalhamos. Trabalhamos com marcas como a Vollebak, temos feito algumas coisas com a Dior e também com marcas mais emergentes e que, se calhar, são menos conhecidas. Acreditamos também que o modelo de negócio da RDD acaba por ser mais aplicável para marcas que não são tão mass market, no sentido em que os nossos artigos são muito diferentes daquilo que é o convencional. Mas desenvolvemos coisas também para a Calvin Klein, por exemplo. Depende daquilo que for a intenção da marca. Temos contactos de 60 ou 80 clientes, que depois se tornam ou não em encomendas.
Em termos de negócio, como é que está a correr este primeiro semestre do ano?
Em termos de números, é difícil comparar, porque o ano passado foi o primeiro ano da nossa reestruturação. A RDD nasceu como uma empresa de investigação, desenvolvimento e produção de malhas e evoluiu até ao ponto em que dividiu as atividades em duas empresas. Foi aí que nasceu a CFM – Conscious Fabric Makers, que continua com tudo aquilo que foi desenvolvido pela RDD no passado, no sentido de artigos mais convencionais e mais maduros no mercado, e a RDD começou a focar-se no ano passado mais em alternativas ao convencional, quer ao nível dos materiais – fibras, fios, estruturas, etc. –, quer ao nível dos processos de tingimento, acabamento, estamparia e lavandaria. Portanto, é um modelo de negócio novo.
Como sente o mercado este ano?
O mercado, no geral – e aí acho que toda a gente sente o mesmo – abrandou. Não é só no têxtil, mas em tudo. O consumo baixou e, portanto, nós também sentimos isso. Sentimos também que tem havido fases, ou seja, no início do ano ainda estávamos muito com o embalo do ano anterior, depois entre março e maio houve uma quebra que se sentiu drasticamente nos contactos, e até na vontade dos clientes de fazerem coisas houve uma retração muito grande. A partir do final do mês de maio e início do mês de junho, sentimos novamente um voltar. Também, se calhar, pelo aproximar da época das feiras há mais interesse em agendar reuniões, em perceber o trabalho das coleções das marcas ou dos novos desenvolvimentos. Sente-se um salto.
Isso abre boas perspetivas para o resto de 2023?
Sinceramente, acho que as expectativas de grandes melhorias não se aplicam a este ano. Acho que as coisas vão continuar a flutuar, se calhar, setembro, outubro, novembro e dezembro serão meses melhores do que alguns meses do primeiro semestre, mas expectativas de mudança mesmo só para 2024.
A Europa é o vosso principal mercado. Há vontade de explorar outros continentes?
Há vontade, principalmente para os EUA – é um dos mercados que nos interessa e que nos interessará no futuro de certeza. Este ano estamos a reestruturar, ou seja, tudo é novo, a equipa é nova, o modelo de trabalho é diferente e, portanto, isso não é algo em que provavelmente nos vamos focar muito. Queremos consolidar primeiro esta relação com o mercado europeu e, nos próximos anos, 2024/2025 se calhar, começar a explorar outros mercados.
Além da integração num grupo vertical e de ter a equipa presente em todas as áreas, quais são os outros trunfos da RDD?
Acho que esse é sem dúvida o maior trunfo, porque de tudo aquilo que fui conhecendo do mercado da produção têxtil, quer em Portugal, quer até noutros países que visitei, este modelo de negócio é mesmo diferente e podemos oferecer um produto ao cliente do início do processo até ao fim – isso é uma das coisas que os clientes, neste momento, mais procuram. Esse é o maior trunfo. Os outros trunfos acho que são o facto de trabalharmos processos muito específicos e termos recursos humanos muito especializados, o que não é fácil de encontrar. Apostamos muito em ter pessoas na nossa equipa que são de áreas não convencionalmente contratadas pela indústria têxtil. Temos muitas pessoas da área da biologia, por exemplo, que acabam por conseguir dar aos clientes algo que estes não estão à espera de uma empresa têxtil. Os próprios clientes dizem-nos isso, que quando falam connosco sentem que há um conhecimento que não é só têxtil e que isso faz muita diferença no mercado hoje em dia.
No curto e médio prazo, quais serão os grandes desafios a ultrapassar e as grandes oportunidades a aproveitar?
As oportunidades acabam por estar muito relacionadas com os desafios. Começando pelas oportunidades, há muita coisa nova a surgir no mercado e vemos que há muitas coisas que podemos fazer. Temos uma imensidão de coisas a explorar e temos recursos que nos permitem fazê-lo. Temos uma oportunidade muito grande para ter uma maior presença no mercado e de fazermos escalar este negócio que acaba por ser diferente daquilo que é o típico negócio de produção e venda de malhas. Por outro lado, os desafios são que, quando pegamos numa coisa nova, muitas vezes começamos numa fase muito precoce. O desafio é apostar nas coisas certas, porque como trabalhamos muito com start-ups, existe aquela fase do vale da morte e pode correr bem ou pode correr mal. Temos também um desafio muito específico, o projeto que foi apresentado publicamente agora, o Test Beds 4 Advance Textile Materials, no qual estamos em consórcio com outras quatro empresas do sector – a ATB, a Petratex, a TMG e a Tearfil – em que o objetivo é prestar serviços a start-ups ou PMEs nacionais ou internacionais, para escalar produtos diferenciadores utilizando as capacidades destas empresas, desde a fiação até ao produto final, incluindo a parte dos tecidos que acaba por ser aqui trazida pela TMG. É algo que temos para executar nos próximos dois anos e meio e é um dos grandes desafios que temos para os próximos tempos.
Assumiu a direção executiva da RDD no início deste ano. O que mais a surpreendeu nestes primeiros meses?
O que mais me surpreendeu face a experiências passadas foi mesmo o facto do universo Valérius conseguir oferecer aos clientes algo que acaba por ser único. Não há muitas empresas em Portugal que consigam fazer o mesmo. Isso surpreendeu-me, porque eu conhecia as empresas da Valérius individualmente, mas não conhecia o funcionamento enquanto colaboração de várias empresas independentes para chegar a um fim. Acho que isso funciona muito bem, é um fator mesmo muito diferenciador. Em termos de desafios, continuam a ser exatamente os mesmos que sentia noutros sítios: os recursos humanos. Enfrentamos um problema sério de recursos humanos que ninguém olha com o devido valor, porque estamos tão envolvidos no dia a dia que só percebemos quando as coisas acontecem. Há um desinteresse muito grande das pessoas, no geral. Não é só para cargos produtivos, não é só para cargos administrativos. Há, no geral, uma fuga de recursos humanos para serviços e não para a indústria. A indústria, no geral, está a sofrer muito neste aspeto. A indústria têxtil, especificamente, está a passar uma fase em que as mais-valias de outras áreas são, cada vez mais, aplicáveis ou necessárias para que as coisas evoluam e o que sentimos é que, das duas, uma: ou contratamos uma pessoa que sabe de biologia ou de química ou de informática, mas que não sabe nada de têxtil; ou então contratamos uma pessoa de têxtil que provavelmente sabe muito pouco das outras áreas. Estamos numa fase em que precisávamos de pessoas com formações mais versáteis, ou seja, menos específicas e mais abrangentes. O outro desafio é Portugal conseguir manter-se competitivo face àquilo que é a possível concorrência a nível produtivo. Era importante haver uma vontade política para que a indústria se mantenha forte como esteve até agora. Devíamos começar a pensar nos quadros de financiamento de uma forma que seja mais aplicável àquilo que é a realidade das empresas. O desafio neste momento é esse: tentar manter um determinado nível de negócio sem abalar muito as estruturas das empresas a perspetivar uma melhoria futura.