Têxteis com vista para a serra

Com um aumento de quase 10 milhões de euros nas exportações no ano passado, a Beira Interior tem contornado os desafios da interioridade e afirmado internacionalmente a região como um cluster para a fileira moda.

O Movimento pelo Interior, promovido por Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal da Guarda, e outros autarcas de cidades do Interior do país, chamou novamente a atenção para as dificuldades que pessoas e empresas enfrentam nestas regiões e num apelo à ação governativa, apresentou um documento com 24 propostas para valorizar e revitalizar o Interior, incluindo medidas na área fiscal, de ocupação do território e na educação. Para a Indústria Têxtil e Vestuário (ITV) da região, contudo, há arestas a limar. «As intenções são boas, o problema são sempre os detalhes», considera Paulo Augusto Oliveira, administrador da Paulo de Oliveira (ver «Olhar para a frente é que é o desafio»). «No Portugal 2020, por exemplo, não temos acesso a apoios relevantes. Não faz muito sentido. Somos considerados uma grande empresa, mas no contexto europeu somos pequenos e não temos acesso aos programas que os outros têm. Em vez de sermos apoiados e ajudados, porque estamos a criar emprego no interior, o que temos são as taxas de IMI mais altas do país e uma das faturas de água mais altas do país», afirma ao Jornal Têxtil (setembro 2018).

Paulo Augusto Oliveira

«Há uma coisa que não está bem clara nessas medidas, porque não é só trazer o investimento para cá. Estas políticas são todas para trazer para cá o investimento. E os que investem aqui, que são de cá, não se apoia nada? Nós criámos tantos empregos como a PT criou nos últimos anos [na região]. E se somarmos o investimento que temos dentro desta empresa nos últimos sete ou oito anos, se calhar é quase o mesmo investimento do Data Center PT Covilhã», acrescenta Luís Oliveira, também administrador da Paulo de Oliveira.

«Todos os movimentos que sejam feitos em prol do desenvolvimento do Interior devem ser bem acolhidos, porque temos assistido a uma desertificação e se não houver movimentos que criem apetência ao apoio do desenvolvimento cada vez a desertificação será mais acentuada», assegura, por seu lado, João Carvalho, CEO da Fitecom (ver Fitecom inova na tradição), que lembra algumas disparidades que complicam a vida a quem mora e trabalha no Interior. «Vir ao Interior é caro e não faz sentido. É muito mais caro, em termos de autoestrada, vir de Lisboa à Covilhã ou do Porto à Covilhã do que ir de Lisboa ao Porto e estamos a falar de distâncias mais ou menos equivalentes. Costumo dizer que atualmente é mais caro ir da Covilhã a Lisboa do que ir de Lisboa a qualquer capital da Europa», sublinha.

Da Covilhã para o mundo

Luís Oliveira

Estas contrariedades não têm, contudo, travado as empresas da ITV da região, que têm sabido contornar os obstáculos e encontrar soluções para serem competitivas no mercado, conquistando cada vez mais clientes internacionais. De acordo com os dados do INE, em 2017, a região das Beiras e Serra da Estrela, que inclui 15 municípios, entre os quais Covilhã, Fundão, Guarda, Manteigas e Seia, exportou 153,6 milhões de euros em matérias têxteis e suas obras, o que significa um aumento de quase 10 milhões de euros face ao ano anterior, quando esse valor se ficou pelos 143,8 milhões de euros. Embora a região represente apenas cerca de 3% das exportações portuguesas de têxteis e vestuário, evidenciou um crescimento entre 2016 e 2017 acima da média nacional (+6,8% em comparação com +3,6%).

As principais categorias responsáveis por este salto nas exportações foram o vestuário e seus acessórios, exceto de malha (mais 7,5 milhões de euros, para 51 milhões de euros) e outros artefactos têxteis confecionados, onde se incluem os têxteis-lar (mais 1,89 milhões de euros, para 7,78 milhões de euros). As exportações de lã, pelas quais a região é reputada, mantiveram sensivelmente o mesmo nível do ano anterior, na ordem dos 50 milhões de euros. A região, de resto, é responsável por quase 70% das exportações nacionais desta categoria.

João Carvalho

Esta vocação internacional mitiga igualmente os efeitos da interioridade. «Para nós, o facto de estarmos no Interior não significa qualquer tipo de constrangimento. É claro que há algumas limitações, por exemplo, geográficas, que nos colocam estrategicamente descentrados daquilo que, à partida, serão os centros de produção. Mas se pensarmos que o nosso cliente mais próximo está a 2.000 Km, esta imagem do Interior dissipa-se. Consideramos que o nosso mercado doméstico é a Europa», admite Bruno Mineiro, administrador da Twintex (ver Twintex imparável). «Por outro lado, temos uma vantagem muito grande por estarmos no Interior, e em particular na nossa região, porque tem uma tradição têxtil e vestuário muito longa. Ou seja, temos aqui uma herança que nos permite produzir a um elevadíssimo nível porque as pessoas têm um mindset virado para a nossa indústria. O facto de estarmos nesta região é uma vantagem e não uma desvantagem», reconhece.

Bruno Mineiro
Mico Mineiro

Mico Mineiro, também administrador da Twintex, relembra que «a Covilhã chegou a ser chamada de Manchester portuguesa, onde havia mais de 300 fábricas de tecidos» e que foi «em Tortosendo que surgiram as primeiras experiências de fábricas de confeção, integrando pessoas com elevada experiência de alfaiataria». Além disso, «temos outra vantagem muito grande, que é termos a Universidade da Beira Interior situada na Covilhã, a 10 minutos de nós, com um curso de Design de Moda. É um viveiro muito importante de talento», acrescenta Mico Mineiro.

Um apoio científico e académico da Universidade da Beira Interior (ver UBI à altura da indústria) que tem contribuído para o desenvolvimento do tecido industrial, onde empresas como a Paulo de Oliveira, Fitecom e Twintex têm feito novos investimentos e afinado estratégias para garantirem o seu futuro e o da ITV na região, mas também no país e, sobretudo, no mundo.