Tendências de moda ajudaram a eleger Trump

É sabido que os gostos dos utilizadores do Facebook ajudaram a Cambridge Analytica a eleger o atual presidente dos EUA, Donald Trump. Mas, afinal, também a moda teve o seu papel, já que a empresa criou perfis de utilizadores baseada nas preferências por determinadas marcas e na sua relação com as tendências políticas.

Christopher Wylie

«Os gostos no mundo moda foram usados para construir modelos de utilizadores, através da Inteligência Artificial, para ajudar Steve Bannon a criar um ambiente de revolta e uma direita alternativa». A revelação foi feita por Christopher Wylie  na conferência Voices da Business of Fashion, que decorreu no passado dia 29 de novembro em Oxfordshire, no Reino Unido.

O ex-diretor de pesquisas da Cambridge Analytica trabalhou na criação de algoritmos que a empresa utilizou quando era gerida por Steve Bannon, que foi diretor de campanha e conselheiro de Donald Trump. Recorde-se que, em 2016, no âmbito das eleições norte-americanas, a Cambridge Analytica usou indevidamente dados de 87 milhões de usuários do Facebook. A empresa desenvolveu perfis com base em dados como os “gostos”, os artigos que as pessoas partilhavam e as cookies nos seus computadores e ainda informação recolhida em inquéritos online, revelou Wylie.

O poder da roupa que usamos

Segundo o ex-diretor de pesquisas da Cambridge Analytica, os algoritmos exploravam a ansiedade dos cidadãos, de modo a influenciar as tendências políticas, e foram parte do que a empresa usou para construir uma «arma de destruição maciça» no conflito cultural, que é onde entra a moda. Christopher Wylie explicou que as correlações entre as marcas de moda que as pessoas gostavam e as características da sua personalidade foram uma peça vital nos perfis psicológicos que criaram, que os ajudou a prever as tendências políticas e as suas suscetibilidades. «O que faz da roupa tão poderosa é que as pessoas incorporam o vestuário na sua identidade. Torna-se parte de cada um e a da forma como nos mostramos ao mundo», explicou aos jornalistas.

Donald Trump e Steve Bannon

Por exemplo, uma pessoa que gosta da marca Abercrombie & Fitch, tinha tipicamente a mente mais aberta do que alguém que aprecia os jeans da Wrangler. Um cidadão que gosta da L.L. Bean tendia a ser mais conservador. Estas características geralmente correspondem a certos tipos de personalidade, que, do mesmo modo, tendiam a alinhar com certas preferências políticas. Esses fatores foram usados ​​para avaliar a suscetibilidade dos utilizadores do Facebook a movimentos populistas de direita.

Trump, uma peça que inicialmente ninguém gosta

Após ter trabalhado no mundo da política, no Canadá e depois no Reino Unido, com democratas liberais, e de se licenciar em Direito, Christopher Wylie decidiu fazer um doutoramento em Tendências de Moda. Foi durante este período que conheceu Steve Bannon, a quem confessou a sua crença de que a cultura poderia ser definida como «os atributos que são distribuídos por todo o mundo», contou ao The Guardian.

«Steve Bannon compreendeu imediatamente. Ele acredita na doutrina de Andrew Breitbart, que defende que a política deriva da cultura. Então, para mudar a política, é necessário mudar a cultura. E as tendências de moda são uma aproximação disso. Basicamente, Donald Trump é como um par de Uggs ou de Crocs. A questão é: como se vai do momento em que as pessoas pensam «que horror» até a uma altura em que toda a gente as usa. Era esse o ponto de mudança que Bannon procurava», explicou. Apesar de ter saído da Cambridge Analytica em 2014, Wylie teve um papel fundamental na criação do que descreveu ao The Guardian como «uma ferramenta psicológica de destabilização».

Abercrombie & Fitch

«A ligação entre a moda, a psicologia e a política faz sentido», escreveu Vikram Alexei Kansara no Business of Fashion. «A moda não é apenas o negócio de vender roupa. É um sector que vende identidades. É um modo de oferecer ferramentas às pessoas para elas responderem a questões como: quem sou eu? Como me enquadro na hierarquia social? No fundo, tem a ver com a diferenciação (expressão pessoal) e a integração (expressão social); é sobre ser indivíduo e simultaneamente estar integrado em tribos e nas tendências», sintetizou.

«Não sejam armas»

A revelação foi feita num evento que reune anualmente líderes mundiais de moda e cultura. No local, Christopher Wylie aproveitou para apelar à indústria da moda para que aja e não permita que as marcas sejam utilizadas como armas. «Podem fazê-lo ao mudar a vossa comunicação, mostrando várias etnias, tipos de corpos e muito mais. Vocês têm a capacidade de quebrar com alguma da ansiedade que a Cambridge Analytica explorou. Vivemos uma guerra cultural e vocês criaram o campo de batalha», assegurou.

LL Beans

Discursando para os representantes das marcas de moda, diante de uma ovação em pé, Wylie alertou: «Dependemos de vocês, não só para definirem a nossa cultura, mas também para a protegerem. Depende de vocês se o Trump ou o Brexit se tornam as Crocs ou a Chanel da nossa época».