Apesar do ano de 2022 ter sido menos positivo, com uma redução do volume de negócios e margens mais curtas devido ao aumento dos custos, o grupo liderado por José Costa mantém a estratégia traçada há alguns anos, que deverá culminar daqui a três anos com um volume de negócios superior a 100 milhões de euros. Pelo caminho, o grupo, que possui também uma participação na especialista em customização Wonder Raw, tem apostado igualmente na sustentabilidade, uma das tendências de futuro apontadas pelo CEO, a que se soma o 3D e o crescimento dos mercados de proximidade.
A Becri acaba de receber o Prémio de Excelência Empresarial ModaPortugal na categoria de exportação, relativo a 2021. Quais foram os motores que alimentaram esta performance?
É resultado de um trabalho que tem vindo a ser feito ao longo destes últimos anos. Sabemos que, de uma maneira geral, o ano de 2021 foi bom para toda a fileira têxtil. No entanto, para nós superou as expectativas, porque também tínhamos feito o trabalho de casa, que teve o seu auge mesmo no final de 2021 e que culminou com esse aumento substancial. Acabámos 2021 com 45 milhões de euros só na Becri, o que representou um crescimento de 54% relativamente a 2020.
Que balanço faz de 2022?
A seguir a um pico há sempre uma pequena retração para a estabilidade. Foi o que nos aconteceu este ano. Em relação a 2021, vamos baixar a faturação à volta de 4% ou 5%, para cerca de 42,5 milhões de euros, mas estamos a preparar-nos para que 2023, com todas as condicionantes que são conhecidas, seja, pelo menos, igual, porque as perspetivas não são as melhores. No fundo, é estar preparado para um crescimento que virá após a guerra.
Assistimos a um fenómeno de inflação, aumento de custos de energia, matérias-primas. Estes fatores tiveram impacto nesse resultado?
E de que maneira! Sentimos que os nossos clientes habituais começaram a ser mais cautelosos nas compras e, portanto, é normal que se sinta um esfriar nas vendas. Na minha ótica, o que está na base de todo este problema da inflação, não deixa de ser a energia. É, digamos, o impulsionador da economia e sabemos que apesar de nós, Becri, não estarmos diretamente relacionados com um consumo intensivo de energia, temos os nossos parceiros nas tinturarias que são consumidores intensivos de gás e de eletricidade. Isso afetou-nos bastante em termos de preços – de uma maneira geral, os custos energéticos e as matérias-primas aumentaram 30%. Estes custos foram, em parte, absorvidos por nós, o que quer dizer que tivemos de comprimir um bocado as nossas margens para podermos criar um equilíbrio entre o que suportamos e aquilo que os nossos clientes finais estão a suportar.
Como está distribuído o negócio em termos de geografia?
Em termos geográficos, a Europa continua a absorver 85% a 90% do nosso negócio e aí estamos bem distribuídos. Temos uma panóplia de clientes espalhada por toda a Europa – França, Alemanha, Inglaterra, Suécia, Dinamarca, … O restante está na América do Norte, entre EUA e Canadá. Mas temos intenções de aumentar esta quota. O ideal seria 60% ou 65% para a Europa e 35% a 40% para os EUA e Canadá. Não nos podemos esquecer de que a Europa continua a ser, ainda, o centro da moda no mundo, portanto, apesar de existirem outros palcos, Paris, Milão e Londres continuam a ter muito peso na moda. A Europa é o nosso melhor mercado porque é um mercado de proximidade e acredito que, no futuro, vai funcionar ainda melhor. Portanto, a Europa irá continuar a ser o nosso continente de preferência.
O fenómeno do nearshoring tem sido sentido pelo grupo?
Sim, até porque a experiência do covid foi muito forte para as marcas e deu para perceber que não se pode pôr os ovos todos no mesmo cesto. Acho que a Europa ganhou uns ovitos a mais em relação ao mercado asiático. Por outro lado, também acredito que, no futuro próximo, os produtos irão ser taxados pela quantidade de carbono produzida e isso vai fazer com que os mercados comecem a ser um pouco mais autónomos. Acredito que, por esse motivo, vamos ter um grande futuro na Europa.
A pandemia mudou algo?
Em termos de produto, a parte de sportswear e de loungewear, que é o nosso core business, cresceu. Em 2022, esta pequena retração tem a ver talvez com o reequilíbrio das compras, portanto, algo perfeitamente normal. Vamos continuar a manter-nos fiéis ao nosso tipo de produto, porque acreditámos que é um produto que tem, e irá continuar a ter, futuro. Em relação a mudanças, o que mais influenciou até o próprio negócio na altura da pandemia, para mim, foi o trabalho remoto, que no nosso trabalho não é possível, porque não podemos pôr máquinas em casa para as costureiras trabalharem, mas impulsionou muito, por exemplo, o design em 3D das coleções. Era um processo que estava a ser implementado, do qual os nossos clientes estavam ainda a tomar os primeiros contactos e a pandemia foi um acelerador brutal das coleções virtuais e do 3D. Para mim, foi a maior mudança que se verificou em termos estratégicos na indústria têxtil.
Que análise faz da evolução do consumo e do consumidor de moda?
Acho que o mercado mudou e vai continuar a mudar. É inevitável, faz parte um pouco da vida, porque aparecem novas gerações e novas formas de pensar. Acredito que estamos também a voltar um bocadinho ao passado. Nos últimos anos vivemos um acelerador pela fast fashion, com números incríveis e nunca antes vistos. Hoje, no meu entender, até pela questão da sustentabilidade, o mercado está a mudar e sentimos que está a ir um bocadinho ao encontro do passado. Em vez de termos a fast fashion, possivelmente, vamos falar agora em slow fashion, peças mais duradouras, com mais qualidade, com mais sustentabilidade.
Nesse âmbito da sustentabilidade, em que ponto se encontra o projeto Fiberloop?
É um projeto que está patenteado pela Becri, que veio ao encontro das necessidades da sustentabilidade e das necessidades dos nossos clientes, portanto, é um projeto que não acaba, mas tem de ser melhorado. Quando trabalhamos com fibras recicladas, que é o caso do Fiberloop, ainda há muitos passos a dar, por exemplo, na qualidade do fio, porque hoje em dia as pessoas gostam de ter toques macios e em qualquer tipo de fio reciclado ainda se nota um pouco a diferença.

Que investimentos tem o grupo privilegiado?
Nos últimos sete anos, este grupo já investiu à volta de 25 milhões de euros. Primeiro para a aquisição das primeiras Títulos & Rubricas – fazíamos 100% subcontratação na parte da confeção, hoje temos cinco empresas que adquirimos a partir de 2018. Também na altura demos vida à Guay, com edifício próprio, que está agora a crescer para o dobro. A seguir adquirimos a Gubec, que era uma empresa falida, e renovámo-la 100% na parte do layout e na apresentação. Este ano adquirimos a Posolis, que nos fazia falta para fechar um ciclo estratégico que temos delineado, e também temos uma participação na Wonder Raw, uma empresa que vem colmatar o ciclo dessa estratégia, a pensar também o futuro em termos de sustentabilidade. Porque, na realidade, sustentabilidade não é só reciclar, não é só ter o cuidado de reintegrar na fileira têxtil as fibras, mas também é produzir aquilo que é necessário. Um dos maiores problemas da indústria têxtil são os stocks, que são produzidos, ficam em armazém e, depois, são completamente destruídos. Isso não é bom para o meio ambiente. A Wonder Raw vem ter esse papel de sustentabilidade, é uma empresa que está preparada para produzir apenas aquilo que os clientes pretendem, com um lead time muito curto e com uma capacidade de inovação enorme no produto, de forma a poder customizar tudo aquilo que o cliente quiser.
A Wonder Raw tem, então, uma estratégia de negócio baseada no on demand?
Exatamente e tudo o que faz é produzido em algodão orgânico, com estampados com corantes sustentáveis e, se o cliente quiser, com tingimentos sustentáveis. Portanto, estamos cá para fazer o que o cliente pretender, mas podemos ser uma empresa 100% ecológica.
Que desafios traz 2023?

Para 2023 não se auguram bons ventos, mas também às vezes é preciso fazer o trabalho de casa. Não podemos esquecer que há uma guerra na Europa. Percebemos que o mercado americano está mais estável, talvez pela distância da guerra nota-se um pouco mais de confiança. Portanto, 2023, para nós, vai ser um ano para tentar estabilizar e preparar para o crescimento que acreditamos que vai acontecer em 2024 ou até, se calhar, no final de 2023. Acreditamos no futuro e, para nós, o futuro é já ali. Portanto, temos de estar preparados para quando o futuro vier tenhamos as condições necessárias. E é isso que estamos a fazer neste momento, estamos a criar as condições necessárias para estarmos preparados para o mercado global, agressivo, que exige muita resiliência e também capacidade de nos reinventarmos.
Quais são as metas futuras?
Temos um projeto para, em 2026, termos um volume de faturação global de 105 milhões de euros. Neste momento, estamos à volta dos 68 milhões de euros no grupo de empresas. Digamos que fechamos um ciclo e uma estratégia depois de o alcançar. Portanto, temos um grupo de empresas que está a ser reestruturado em termos físicos e em termos humanos para podermos atingir determinados valores. Isso vai acontecer durante o ano de 2023, portanto, vamos ficar com as condições para fazer esse crescimento e vamos ver se, até 2026, alcançamos esta meta ambiciosa.
Como vê a confeção portuguesa e o seu posicionamento no mundo?
Pela questão da pegada de carbono, acredito que cada continente irá começar a ficar um pouco mais fechado sobre si próprio, não por uma questão do comércio em si, mas pelas questões de obrigatoriedade de cumprimento de taxas de carbono. Ora, isso quer dizer que Portugal vai ter um papel de excelência aqui na Europa, assim como sabemos que a Turquia o tem. Mas o “made in Portugal” é uma marca muito respeitada e eu acredito que Portugal está no bom caminho. Foi um trabalho de excelência que as entidades portuguesas e as associações fizeram nessa promoção. Acredito que, em termos estratégicos, vamos realmente ser um dos players principais e ter um papel mais preponderante. No entanto, vão sempre existir oportunidades fora e iremos estar atentos. Portugal e a marca “made in Portugal” continua a ter expressão e continua a ser uma marca de qualidade, flexibilidade, know-how e inovação. Não podemos esquecer que os produtos portugueses há uns anos eram olhados como um parente pobre da Europa e os italianos estavam no auge. Hoje, podemos dizer que somos tão bons ou melhores do que os italianos. Tudo indica que devemos continuar a trilhar este caminho e que a marca “made in Portugal” vai continuar a ser respeitada e requisitada.