A empresa familiar António Manuel de Sousa, que tem ao leme a segunda geração, prepara-se para ter um ano recorde nas exportações, que nos primeiros oito meses do ano representaram 40%. Espanha, EUA, Suíça, Países Baixos e Reino Unido são os principais mercados da empresa, mas o foco nos próximos tempos estará nos EUA, que a administradora Ana Lisa Sousa espera que represente 20% das vendas em dois anos, ou seja, mais do dobro da quota atual. Valorizar a marca Vandoma, nomeadamente com uma maior representatividade da seda como matéria-prima, é outro dos objetivos no curto médio prazo.
A António Manuel de Sousa celebra este ano o seu 40.º aniversário. Que relevância tem esta data?
É um marco muito importante chegar aos quarenta anos com gravatas. Ao fim e ao cabo, a gravata é um nicho. A gravata não esteve na moda durante muito tempo. Sobrevivemos a um confinamento em que ninguém usava gravata. Também é verdade que fecharam muitos confecionadores de gravatas, mesmo na Europa. É uma alegria conseguir chegar aqui. A empresa que foi fundada pelo meu pai conseguir chegar aos 40 anos é motivo de muito orgulho.
O que tem permitido à empresa manter-se no negócio e crescer?
2002 foi um ano decisivo para nós – foi quando implementámos a nossa unidade de produção. Até aí subcontratávamos tudo, o que não era fácil. Não era fácil obter, às vezes, a qualidade ou o ritmo que queríamos, porque estávamos sempre dependentes de alguém que confecionasse. A partir de 2002, tivemos de crescer muito, tivemos de evoluir, de aprender muito, mas esforçámo-nos sempre. Por isso é que, neste momento, estamos preparados para ir para os EUA com um produto mais premium. Há uma série de coisas que fazemos à mão, há coisas que conseguimos melhorar e daí termos, neste momento, qualidade para ir para os EUA. Quando começámos, não tínhamos. É um processo de aprendizagem. Sabíamos onde é que queríamos chegar e ensinámos às pessoas. Fazer bem todos nós fazemos, temos é de nos esforçar para fazer sempre bem. Claro que não nos corre sempre bem, mas o facto de termos uma produção interna permitiu-nos, nestes últimos 20 anos principalmente, crescer e chegar onde estamos agora.
Como correram os primeiros oito meses de 2022?
Nestes oito meses, estamos muito bem. Estamos com as vendas cerca de 15% acima de 2018, o que é muito bom.
Espera terminar o ano com que volume de negócios?
Não sei. Eu tinha um objetivo muito alto que era chegar a um milhão de euros, mas vai ser difícil. Devemos passar os 800 mil euros. O ano passado ficámos perto do meio milhão de euros, mais coisa menos coisa, e este ano já ultrapassámos a faturação do ano passado. Agora é tentar crescer e conseguir consolidar isso.
Chegar ao milhão de euros ficará, então, para 2023?
Temos o projeto de nos dedicarmos aos EUA, que é um mercado, para nós, muito importante. Criámos uma coleção premium para esse mercado, com tecidos de seda muito superiores quando comparados com aquilo com que trabalhamos cá, com um preço de venda muito superior e, portanto, os EUA são o tipo de mercado que queremos. Estivemos agora na Society e vamos repetir em janeiro. A ideia é continuar a crescer com esta feira, que começou agora, pequenina, e vai crescendo. Funcionou bem, fizemos clientes novos. O que nos interessa é consolidar a posição nos EUA porque é um mercado onde a gravata é valorizada e quanto melhor é a seda, com mais gramagem, melhor, é aquilo que eles gostam. Eles pagam por isso e, portanto, acaba por ser o nosso caminho.
A seda é a matéria-prima que mais usam na produção?
Não, o poliéster ainda representa muito. Aliás, o mercado nacional só compra poliéster. Com a exportação, as coisas mudaram. Antes da exportação, o poliéster representava cerca de 95%. E hoje, no mercado nacional, 95% é poliéster. Na exportação é o contrário, 95% é só seda.
Há quanto tempo começou essa aposta nos EUA?
Começou há uns três ou quatro anos, mas nunca descobrimos a feira certa para nós, porque eram feiras muito grandes, com muita concorrência de gravatas. Esta senti que conseguimos fazer. Mantivemos um cliente que já era nosso, mas que aumentou a nota de encomenda, e fizemos um novo cliente na costa contrária. É muito importante começar por aqui porque não queremos grandes cadeias de retalho, queremos aquelas lojas pequeninas e, se for uma por cidade, para nós está ótimo. A nossa capacidade de produção não vai aumentar porque não é fácil encontrar pessoas para trabalhar, então temos é de trabalhar um segmento premium.
Quanto gostaria que os EUA representassem em termos de vendas?
Nos EUA não é propriamente chegar, ver e vencer. É uma questão de ir consolidando. Se calhar, nos próximos dois anos, conseguirmos 20%. Hoje é um dos nossos principais mercados, mas não acho que tenha mais do que 10%.
Qual é a quota de exportação da António Manuel de Sousa?
Este ano representa quase 40%. É muito bom, está a ser um ano recorde. Em 2013 ou 2014, quando começámos, tínhamos 7% e, este ano, já estamos com 40%. Acredito que baixe qualquer coisa até ao final do ano, mas ficamos acima dos 35%. Tem sido um crescimento sustentado, o que é bom.
Quais são os principais mercados?
Continuam a ser Espanha, EUA, Suíça, Países Baixos e Reino Unido.
E, em matéria de feiras, há alguma reavaliação a ser feita?
Vai ter de haver, porque cada vez mais as feiras calham todas na mesma data. Por exemplo, não vou voltar a fazer a de Munique porque coincide com a dos EUA e eu prefiro fazer a Society com a marca do que estar a fazer a a Munich Fabric Start com o private label. Ao mesmo tempo, vamos fazer a Pitti Uomo, mas já não fazemos a Pitti Bimbo, porque também coincide com a Society. Mantemos a Première Vision. Em janeiro vou à feira em Nova Iorque, mas em agosto gostava muito de entrar em Chicago e em Dallas. E pode haver outras que surjam e que podemos ter a necessidade de fazer.
Como estão hoje distribuídas as vendas entre a marca própria e o private label?
Fazemos ainda mais vendas de private label do que com a Vandoma – 55% a 60% é private label. Mal ou bem, tenho uma fábrica e preciso de alimentá-la. Não defendemos a marca a 100% e não faço questão que seja a Vandoma que vá na etiqueta. Gosto que vá na etiqueta o “made in Portugal”, isso faço questão.
De que forma o aumento dos custos, desde as matérias-primas à energia, tem afetado a empresa?
Felizmente não somos tão afetados pela parte da energia porque só temos confeção. Apesar de termos tido aumentos nessa parte, não tem sido tão mau para nós. Mas temos a parte dos fios, que nos afeta. Antes mexíamos nos preços normalmente no final do ano e era válido para um ano, mas, este ano, já tivemos de mexer pela segunda vez, o que é complicado para nós. Temos feito um esforço para não estar a atualizar sempre as tabelas. Na parte das gravatas não é assim tão fácil. Mas, em setembro, vimo-nos obrigados a mexer nos preços e a aumentar tudo outra vez.
De quanto têm sido esses aumentos?
20% na seda. O último já tínhamos sentido em dezembro do ano passado, também à volta de 20%.
E em termos de preços, tem sido também obrigada a aumentá-los?
Aumentámos 10% no final do ano passado e voltámos a aumentar mais 10% a partir de 1 de setembro.
A sustentabilidade ambiental também está na ordem do dia. Que praticas sustentáveis têm procurado adotar?
Tínhamos já começado a produzir gravatas com as pontas de tecidos dos cartazes que apresentámos, mas isso não nos pareceu suficiente e, então, na fábrica, as minhas colaboradoras lembraram-se de outra coisa. Quando fazemos uma encomenda, sobram pequeninas pontas e elas resolveram fazer gravatas com essas pontas. Não há um padrão, não há duas iguais. São exclusivas. Nas gravatas com as pontas de tecidos dos cartazes, tenho ainda algum cuidado a juntar os tecidos, as cores, cruzo as riscas, e nestas, com restos de tecidos da produção não. Elas pegam nos bocadinhos e unem, eu não tenho nenhuma interferência nisto.
Como vai ser explorado esse projeto da gravata patchwork em matéria de vendas?
Este tipo de gravata vai ter de ser vendido aos meus clientes e ser encontrado nas lojas porque acho que ninguém consegue comprar online, porque é uma de cada. Não pus na nossa loja online porque tinha de fazer uma entrada por cada modelo e, mal vendesse, tinha de tirar.
Em termos de investimentos, há algum em agenda?
Temos de substituir algumas máquinas de gravatas, que são muito específicas, porque são muito antigas e obsoletas e começam a dar muitos problemas para arranjar peças. De resto, todo o processo é manual, preciso de ter pessoas em todas as etapas.
Quantas pessoas trabalham hoje na Vandoma?
Neste momento, somos 12. Temos vindo a aumentar. Não conseguia arranjar ninguém e a nossa solução foi contratar uma empresa de recrutamento. Neste momento tenho duas sírias que não falam nem português nem inglês, mas achei que se elas estavam dispostas a trabalhar, eu tinha todas as condições para lhes oferecer um posto de trabalho. Já lá estão há uns três meses. São simpáticas e esforçadas. Entretanto, meti mais uma brasileira e uma portuguesa. Digo isto a toda a gente: desde que as pessoas queiram trabalhar, não me interessa se são sírias, brasileiras,… Estamos abertos a meter estrangeiros porque os portugueses não querem trabalhar, e não é só um problema meu. É um problema de toda a indústria. Enquanto houver subsídios que toda a gente recebe para estar em casa, quem é que vai trabalhar? Ninguém. Perdemos bons profissionais que se habituaram a ter subsídios e que nunca mais têm ritmo para voltar às empresas. E não foi só na têxtil.
É também vice-presidente da ANIVEC. Enquanto dirigente associativa, e tendo em conta a conjuntura atual, que medidas considera prementes?
Acima de tudo, a parte dos custos com a energia. Há muita indústria que, neste momento, tem unidades paradas devido ao aumento dos custos com a energia. Isso é o mais importante para ajudar as empresas, mas, depois, é preciso muito mais. Todos temos falta de mão de obra, é um problema grave. E em algumas indústrias, talvez a parte de voltar ao layoff, porque têm momentos no ano em que não têm trabalho, portanto, precisam de ajuda. Acho que durante o confinamento, o Governo portou-se muito bem numa série de medidas que ajudaram muito a indústria têxtil. Acho que há que repensar isso tudo.
Por onde passam as ambições futuras da António Manuel de Sousa?
O objetivo passa por elevar a marca Vandoma. Portanto, interessa-me aumentar as vendas das gravatas de seda em mercados como os EUA e outros que valorizem muito mais a gravata do que nós em Portugal.