«Temos muito claro, enquanto negócio, que queremos ser a fábrica do futuro»

Digitalização da produção e construção de uma nova fábrica são alguns dos projetos da Twintex, avanços que, sublinha Mico Mineiro, COO da empresa, só são possíveis graças à experiência e à consolidação do negócio que foi feita nas últimas décadas.

Mico Mineiro

A empresa fundada por António Mineiro foi-se adaptando às mudanças do mercado e respondendo às necessidades emergentes, tendo ultrapassado com sucesso vários períodos difíceis. Esta experiência e a consolidação do negócio, como contou na sua intervenção na iTechStyle Summit Mico Mineiro, COO da Twintex e segunda geração à frente dos destinos da empresa, permite avançar agora para novos voos, desde a expansão da produção para Marrocos, para dar resposta ao aumento da procura dos clientes, passando pela digitalização da produção, onde está previsto um novo software capaz de criar imagens 3D de produtos em menos de 24 horas, até às apostas na sustentabilidade ambiental, que inclui a construção de uma nova fábrica até 2025.

Como é que a Twintex está a integrar as megatendências, nomeadamente as da área tecnológica, na sua atividade?

O painel que integrei [na iTechStyle Summit 2023] era extremamente rico em conhecimento profundo da indústria. O David Shah, que eu conheci pela mão do meu pai há muitos anos na Maconde, continua, de facto, uma mente brilhante com uma visão do futuro fora do comum, tivemos também uma apresentação sobre o metaverso e inteligência artificial, que podem ser os próximos criadores de moda. E eu acho que passa por aí grande parte da realidade. No caso da Twintex, além da construção de moldes em 3D, temos prevista, na nossa agenda do PRR, no âmbito do Projeto Lusitano, onde estamos juntamente com a Riopele, a Calvelex, a Paulo de Oliveira e a Polopiqué, a criação um software de desenvolvimento de produto que permita que, quando um cliente pede à fabrica um novo artigo, a fábrica consiga retribuir com a imagem 3D no mesmo dia e que o mesmo sistema consiga gerar internamente a ficha técnica, a ficha descritiva e o pedido de molde sem intervenção humana. Contamos para isso com a experiência da Vanguarda, que é o nosso parceiro em digitalização e em tecnologia há muitos anos, e também com o Instituto Superior Técnico, em Lisboa – são os nossos parceiros nesta missão que contamos ter pronta até 2025.

Para além da diminuição do tempo de resposta, que outras vantagens poderá ter esse software?

Vai permitir não só diminuir o tempo de resposta, como também criar uma informação visual que pode ser partilhada com o cliente, algo que, muitas vezes, só seria possível com a peça pronta. O cliente pode, no momento, ver o 3D da peça e pedir alterações. Conseguimos simular a peça na hora, sem ter de fazer a modelagem. Hoje em dia, temos softwares no mercado, como o CLO 3D que permite ver a peça em 3D, mas tem de ser construída toda a modelagem, que é um processo que envolve horas de trabalho da modelista, mais horas de trabalho de tratamento da imagem para que seja realista. Acreditamos que a ambição que temos, as ideias que demos aos nossos parceiros até agora, vão resultar no final esperado.

Na sua apresentação, mencionou a evolução constante da empresa, que começou com uma marca de criança, evoluiu para a confeção e avançou recentemente para a deslocalização de parte da produção para Marrocos. O que é que motivou essa aposta no Norte de África?

A partir de metade de 2021 e em 2022, Portugal foi atingido por uma aceleração das vendas fora do comum. Não havia no país capacidade produtiva instalada para responder ao que estava a acontecer. Não digo só a Twintex, que, felizmente, tem relacionamento próximo com vários parceiros de negócio, mas a capacidade produtiva instalada não chegava para as necessidades. Havia fábricas a recusar encomendas.

Na nossa fábrica, estivemos ano e meio no limite da capacidade. Os nossos satélites não conseguiam aceitar mais volume e começámos a pensar que possíveis caminhos havia. O caminho mais imediato seria recusar as encomendas, o que iria pôr um travão no crescimento da fábrica não só naquele ano, mas no futuro, ou, por outro lado, procurar novas soluções. Não seria possível construir fábricas novas ou adquirir fábricas em Portugal em tão pouco espaço de tempo. Geograficamente, Marrocos é a opção mais lógica. A nossa operação em Marrocos tinha começado em 2018. Em 2019, começámos a produzir. Embora tenhamos produzido em 2020 e em 2021, a pandemia desacelerou a velocidade desse projeto, que retomámos agora. Temos ótimos parceiros em Marrocos dedicados a homem e a senhora. Temos funcionários próprios em Marrocos que trabalham todos os dias nessas fábricas para seguir as nossas produções e o que tentamos, neste momento, é oferecer um made in Portugal com maior capacidade produtiva. A Twintex tem uma capacidade de desenvolvimento de produto e de logística muito superior à sua capacidade produtiva e é assim que temos estruturado o nosso negócio. Podemos afirmar, neste momento, que a Twintex é um centro de desenvolvimento de produto, é um centro de investigação e tem também linhas de produção. As linhas de produção, neste momento, já não distinguimos as internas das externas. Tentamos impor em todas o mesmo rigor de qualidade, os mesmos princípios de sustentabilidade, o mesmo princípio de respeito pelas entregas e pelos clientes. E estamos a começar a ter os resultados que esperamos em Portugal e em Marrocos. Ao cliente, o que oferecemos, neste momento, é a possibilidade de produzir mais com uma empresa portuguesa, produzir mais com um produto desenvolvido em Portugal. Em Portugal não produzimos mais porque, de facto, não conseguimos ter mais capacidade.

Em termos de procura, este ano continua a registar os níveis que estavam no ano passado ou sentem alguma retração?

A nossa experiência diz-nos o seguinte: os nossos companheiros de negócio que trabalham malhas, homewear, roupas de conforto e de lazer e também o têxtil-lar, durante os anos de pandemia, 2020 e 2021, tiveram um boom, uma coisa magnífica, extraordinária, que superou todas as expectativas. Aliás, quando julgávamos todos que toda a gente iria parar, eles cresceram os negócios de uma forma brilhante, o que foi ótimo. No inverso, as pessoas voltaram ao escritório e precisam de um blazer, de um sobretudo, precisam de uma calça, porque ficou tudo no roupeiro e, quando chegou a hora, estava desatualizado. Então notámos que a procura pelo nosso tipo de produto, pela alfaiataria, um produto mais construído, disparou, sobretudo no final de 2021, com resultados em todo o ano de 2022 e, este ano, tanto quanto nós sabemos, e os parceiros com quem vamos trocando impressões e opiniões, continua a haver um bom fluxo de vendas. Felizmente continuamos com boas vendas e, a haver uma desaceleração, ela é natural, porque viemos de um 2022 completamente anormal.

Foi o melhor ano de sempre da Twintex?

Foi o segundo melhor. Não foi o melhor porque não conseguimos capacidade para produzir mais. Tínhamos materiais suficientes para superar o melhor ano de todos, que foi o de 2018, mas não os conseguimos transformar. Não conseguimos capacidade nem em Portugal, nem em Portugal e Marrocos juntos. Agora acreditamos que vai haver uma desaceleração para os números de 2019, para os números de pré-pandemia. Se isso acontecer é positivo, porque significa que o negócio mantém a resiliência e a sua sustentabilidade financeira. Atravessámos uma pandemia, o negócio continuou cá, acabou a pandemia e assistimos a um fenómeno de “revenge buying”, as vendas dispararam e nós estivemos cá e agora vamos voltar para os números de pré-pandemia, que eram bons, eram números robustos, em que o nosso sector veio confirmar vários recordes. É apenas o movimento natural das coisas a voltarem ao lugar.

Ao nível da sustentabilidade, há novos projetos?

Há. Estamos a construir, neste momento, no âmbito do PRR, uma fábrica completamente nova no sítio onde temos o centro logístico. Aliás, atualmente, temos a Twintex Main e o Centro Logístico. Vamos passar a ter o Twintex Campus, ficando tudo junto no Parque Industrial do Fundão, uma área de 10.000 metros quadrados cobertos. A nível energético, trabalhamos diretamente com a Enforce, que é o nosso parceiro em soluções de energia, e o que estamos a tentar fazer é equipar o telhado com cerca de mais 1.500 painéis solares. Já temos 1.500 e vamos pôr mais 1.500 nesse novo local. E, ao mesmo tempo, ter um conjunto de baterias que permite guardar o excesso de energia. A fábrica trabalha das 8h às 17h, mas no verão temos luz da 8h às 19h. Portanto, há ali sempre duas horas que podem trabalhar para essas baterias, assim como a hora de almoço da fábrica, por exemplo, e todo o fim de semana, numa tentativa de minimizar o impacto da fábrica durante o dia. Estamos confiantes que vai ter um resultado extraordinário.

Com essa nova fábrica, significa que eventualmente vão desativar a que existe agora?

A outra fábrica tem, para nós, um significado muito especial. Está na Avenida António Mineiro, que é o nome do nosso pai, e faremos todos os esforços para manter o edifício em funcionamento com toda a dignidade. Se não for nesta indústria, e certamente não será, que seja numa indústria de tecnologia, numa indústria do bem-estar, numa indústria do lazer. Será num negócio diferente, não necessariamente explorado por nós, mas há em nós a preocupação de manter a dignidade que aquele edifício merece e respeitar toda a história que ali aconteceu e que ali acontece, porque estaremos lá pelo menos mais dois anos.

Na sua apresentação citou a Angela Ahrendts, da Burberry, que disse que convém saber claramente para onde vamos, sem nunca esquecer de onde viemos. Para onde vai a Twintex?

Temos muito claro, enquanto negócio, que queremos ser a fábrica do futuro. Temos muito claro, enquanto negócio, que, a nível industrial, queremos deixar, para o meio ambiente, um momento melhor do que aquele em que a fábrica começou, ter uma fábrica sustentável, uma fábrica verde, uma fábrica que protege os seus funcionários. Acreditamos que a Twintex é muito maior que a família. Não fazemos questão de impor a nossa vontade na fábrica. Fazemos questão, sim, que o negócio perdure no tempo, com a nossa participação, com a nossa ajuda. Sempre que pudermos ser uma mais-valia para a fábrica estaremos presentes, mas com uma noção clara que a Twintex tem que servir todos os que lá trabalham e a comunidade onde está inserida. Não podemos travar o momento que a fábrica está a viver. Temos, de uma forma ponderada, de olhar para todas as possibilidades, para tudo o que pode acontecer, o que podemos fazer. O que eu quero dizer é que as nossas limitações não podem ser as limitações da fábrica. Neste momento, já são coisas diferentes. Temos uma equipa absolutamente extraordinária connosco que, no dia a dia da fábrica, pode decidir, pode avançar, pode criar, discute connosco novas ideias, discute connosco novas sugestões. A visão é exatamente essa, que a fábrica cresça, porque ela é muito maior que nós.