Um percurso labiríntico montado no átrio do CITEVE permite percorrer, na tarde de hoje, os desenvolvimentos realizados nas cinco áreas de atuação definidas para este projeto mobilizador, que começou em 2019.
«Quando foi montado, o projeto quis endereçar aquilo que eram as oportunidades e desafios do sector, dando uma resposta que, sabíamos à partida, teria uma parte digital, mas outra que não era digital», explica João Oliveira, coordenador da agenda de transformação digital e indústria 4.0 do CITEVE, ao Portugal Têxtil. Por isso mesmo, «todas as cinco áreas procuraram não ser dominadas pela tecnologia, mas serem marcadas pelo desafio que endereçavam», acrescenta.
Do passaporte digital à Artnetic
Responder aos vários desafios foi, por isso, a missão que este consórcio, liderado pela TMG e composto por um total de 23 empresas e entidades, assumiu.
Neste âmbito ainda foi criada uma escala para descodificar facilmente para o consumidor o grau de sustentabilidade de um determinado artigo, à semelhança do que já acontece há vários anos com os eletrodomésticos, por exemplo, e desenvolvida uma plataforma com base na nuvem e com blockchain para onde são enviados pelos produtores – de forma manual ou automática – dados sobre a água, energia e químicos usados na produção dos artigos.
A segunda área de atuação, designada Cadeia de Abastecimento 4.0, focou-se na integração digital de dados entre parceiros, facilitando os fluxos de informação, pondo os ERPs, por exemplo, a comunicar uns com os outros. «Não é compreensível que os dados associados às transações entre empresas – faturas, guias de remessa, pedidos de esclarecimento sobre a situação da encomenda – sejam ainda mediados por telefonemas e emails», sublinha João Oliveira. A ideia é também acompanhar nas fábricas a experiência que as pessoas têm diariamente, através, por exemplo, das apps no telemóvel. «A experiência digital do cidadão hoje em dia é muito superior à experiência digital que comumente encontramos na indústria e nas empresas», aponta.
Este ecossistema da moda, vocacionado para a produção local e de pequenas séries, deu ainda origem à instalação de uma microfábrica, com corte, confeção e estamparia digital, constituindo uma resposta industrial às pequenas séries e permitindo também que cada peça produzida corresponda às medidas corporais enviadas pelo consumidor. «No futuro, terá que caber num contentor. Eventualmente estar na parte de trás de uma loja a produzir o que está a ser vendido na parte da frente», exemplifica o coordenador da agenda de transformação digital e indústria 4.0 do CITEVE.
O trabalhador 4.0 e a IA na qualidade
O STVGo Digital também se centrou nos trabalhadores da indústria, nomeadamente as costureiras, e criou um exoesqueleto feito em materiais têxteis, e por isso mais flexível, que através de sensorização, análise de dados e um sistema de ar comprimido, apoia o trabalhador nas tarefas mais cansativas e repetitivas. «O objetivo é proporcionar mais conforto a um trabalhador do sector têxtil enquanto desempenha as suas funções», refere João Oliveira. «Quando o sistema deteta que a pessoa está a fazer determinado movimento que corresponde a um esforço e que esse esforço entra naquela margem que é considerada de risco ou pré risco, o exoesqueleto dá um reforço através de uma coisa que nós chamamos músculos artificiais – basicamente procuramos suportar os membros ou o tronco da pessoa de modo a que ela tenha que fazer menos força para fazer o que está a fazer», explica. O protótipo foi produzido com malhas da LMA e construído na Pafil, que realizou igualmente testes, e suporta atualmente 30 lavagens. «No futuro, o trabalhador será auxiliado por sistemas destes», acredita João Oliveira.
No PPS 5, o consórcio aplicou a inteligência artificial à inspeção de qualidade. Os desenvolvimentos foram feitos tendo por base as necessidades da ERT, da Latino e da Têxteis Penedo, mas a ideia é que «o sistema permita a qualquer outra empresa ter um sistema de inspeção da qualidade baseado em inteligência artificial. Não queríamos só ter três casos concretos, mas ter algo que uma outra empresa qualquer pudesse usufruir», salienta o coordenador da agenda de transformação digital e indústria 4.0 do CITEVE. Para isso foi desenvolvida uma plataforma que permitirá treinar algoritmos para outros tipos de produto, permitindo que, usando câmaras e sensores, o sistema possa ser replicado.
Robótica no futuro
Os próximos passos para estes desenvolvimentos estão ainda a ser definidos pelo consórcio. «Teremos todos que fazer uma avaliação para perceber o sucesso destes resultados e perceber se as portas que pensávamos que iam estar abertas se mantêm ou se até novas portas abrirão. Agora é a nossa missão pegarmos os despojos do projeto e avançar para o mercado», revela João Oliveira.
Alguns estão já a ter, de alguma forma, continuidade, como é o caso da integração digital da cadeia de abastecimento, cujos conhecimentos adquiridos estão agora a ser usados no TexP@ct, ou do desenvolvimento do passaporte digital do produto, que está a ser testado a grande escala na Zeitreel.
Quanto ao futuro da digitalização na indústria têxtil e vestuário, João Oliveira acredita que terá de passar pelos dados, não só pela sua recolha, mas, sobretudo, pela sua utilização. «São precisos contextos de gestão que puxem pelos dados», destaca. Também a legislação europeia relativa ao passaporte digital do produto irá acelerar a transformação digital da indústria. «Há de chegar o tempo em que a marca não vai só pedir à indústria portuguesa que faça as peças, mas também que lhe dê informação sobre as mesmas. O sector deve estar preparado para meter as t-shirts num contentor, mas também dizer estão aqui os dados dessas t-shirts e dar o produto digital equivalente».
Por último, será a robótica a entrar no chão de fábrica. «A robótica pode ser um grande complemento à automação e, no futuro, poderá mesmo substituir aquilo que hoje em dia são tarefas que achamos que só as mãos de uma pessoa são capazes de fazer. E nós, o CITEVE, em conjunto com outras entidades, estamos agora a lançar iniciativas e projetos nessa temática. Queremos que daqui a três anos apareçam no mercado soluções que introduzam verdadeiramente robótica no sector têxtil», conclui João Oliveira.