A guerra na Ucrânia, a inflação, o aumento dos custos com a energia e um ambiente de mercado turbulento estão a afetar a indústria da moda e, como consequência, o abrandamento da procura em 2023 parece inevitável, ao mesmo tempo que a guerra comercial entre os EUA e a China continua a afetar as decisões da cadeia de sourcing. Segundo os especialistas contactados pelo Just Style, contudo, vai haver oportunidades na sustentabilidade e na redução de resíduos, no investimento em tecnologia e na exploração de formas de trazer a cadeia de aprovisionamento para mais perto de casa.
Robert Antoshak, sócio da consultora Gherzi Textil Organisation, compara o sourcing mundial em 2023 a um balão que está a perder ar. «O ruído que se vai ouvir será o som de encomendas a saírem da China para fornecedores em locais como o Bangladesh, Índia, Vietname e outros países da região ASEAN. Ao mesmo tempo, uma maior diversificação do sourcing mundial irá marcar um aumento das encomendas aos países do CAFTA-DR, do Hemisfério Ocidental e de África», explica.
De uma perspetiva de sourcing, Antoshak sugere que a China já teve o seu momento. «Embora a China dificilmente desapareça como fornecedor de vestuário, o seu papel tradicional como única fonte de aprovisionamento vai diminuir ao longo do tempo», acredita.
O especialista da Gherzi Textil Organisation também sublinha que a resiliência da cadeia de aprovisionamento vai tornar-se mais crítica em 2023 do que a entrega just-in-time. «Se a pandemia ensinou alguma coisa à indústria é que as cadeias de aprovisionamento just-in-time podem desintegrar-se quando colocadas sob pressão», indica. Antoshak prevê que a resiliência da cadeia de aprovisionamento para muitas empresas vai significar comprar mais perto dos mercados de consumo. «Para outras, vai significar uma maior diversificação de fontes de aprovisionamento. Por consequência, o sourcing regional vai expandir-se em 2023, enquanto o sourcing na Ásia vai igualmente expandir-se a partir de uma gama mais abrangente de países fornecedores», refere.
Clima afeta compras
Para Edwin Keh, CEO do Hong Kong Research Institute of Textiles and Apparel (HKRITA), a crise climática terá um papel cada vez relevante nas decisões de sourcing, devido ao crescente escrutínio a que as empresas de moda vão ser submetidas. «Provavelmente vão haver vencedores e perdedores nisso, à medida que os consumidores tomam decisões melhores e mais conscientes e as marcas mais ecológicas tornam a sua oferta mais atrativa», aponta.
Edwin Keh também destaca que mais transparência e novas regras sobre responsabilidades, assim como nova legislação e impostos, vão significar que a indústria compre menos mas mais intencionalmente. «Para a indústria vai haver uma corrida para o zero. Zero resíduos, zero descargas, zero carbono e zero tudo o que não seja renovável. Os vencedores serão os que abraçarem este desafio mais rapidamente», revela.
Culturalmente, acrescenta o CEO do HKRITA, isto significa que a moda passou de ser guiada pela arte e pela inspiração como acontecia há uma geração, para ser um negócio mais técnico, funcional e científico. No entanto, «praticamente todas as decisões de consumo na indústria da moda são discricionárias. Poucos morreriam de frio este inverno por falta de roupa, por isso, como as marcas convencem e agradam aos consumidores ainda será fundamental», frisa.
Nem tudo acontecerá em 2023, ressalva Edwin Keh, mas tal como todas as mudanças na indústria da moda, quando acontecer, será muito mais rápido do que alguém pensou ser possível.
Reciclagem diminui dependência da China
Sheng Lu, professor associado de moda e estudos de vestuário da Universidade de Delaware, nos EUA, prevê que 2023 seja mais um ano repleto de desafios e oportunidades para o sector de vestuário mundial. «O vestuário é uma indústria impulsionada pelo comprador, o que significa que o volume de produção e de comercialização do sector é altamente sensível ao ambiente macroeconómico. Por entre o aumento da inflação, elevados custos da energia e redução das cadeias mundiais de aprovisionamento, as principais agências económicas internacionais, do Banco Mundial ao Fundo Monetário Internacional, preveem unanimemente um abrandamento da economia mundial», afirma. A Organização Mundial do Comércio (OMC), acrescenta Sheng Lu, também antecipa que o comércio mundial vá crescer à volta de 1% em 2023, uma taxa mais baixa do que os 3,5% de 2022. Por outro lado, a quebra na procura pode, de alguma forma, ajudar a reduzir o aumento da pressão dos custos crescentes do sourcing que as empresas de moda vão enfrentar neste novo ano.
O especialista acredita que a sustentabilidade no sourcing vai ganhar dinamismo este ano e que a nova legislação e o foco na rastreabilidade podem gerar novas oportunidades para as empresas de moda otimizarem as suas cadeias de aprovisionamento e melhorarem a eficiência operacional. Sheng Lu sustenta ainda que a crescente tendência para vestuário fabricado a partir de materiais têxteis reciclados vai ajudar as empresas de moda a reduzir a sua dependência de aprovisionamento da China, diversificar a base de sourcing e expandir o aprovisionamento de proximidade.