O investimento valeu à empresa o Prémio de Excelência Empresarial, atribuído pelo CENIT, na categoria de maior investimento, um reconhecimento justo, nas palavras da CEO Patrícia Ferreira, que em entrevista publicada na edição de dezembro do ano passado do Jornal Têxtil garantiu que não pretende ficar por aqui em termos de investimento, com novos projetos em carteira. A Valérius, de resto, está a preparar-se para o futuro, com apostas no design 3D, na produção em Marrocos e na inovação em diversas áreas.
A Valérius venceu na categoria de investimento, que distingue o maior investimento em 2020. A que se deve esta distinção?
Acho que o prémio é merecido. Efetivamente, em 2020, fizemos o maior investimento da Valérius, que foi cerca de 25 milhões de euros no projeto Valérius 360, que veio permitir a Portugal ter um único centro de reciclagem conjunto, que não existia. Passámos a ser uma empresa circular. Acho que é igualmente importante referir que o que também trouxe este prémio e este investimento em 2020 foi a passagem de geração. Até então tinha sido sempre assumido pelo meu pai, que é o administrador da Valérius, e passou a ser assumido por mim e pelo meu irmão: eu na parte comercial, o meu irmão na parte da construção da fábrica. Por isso, sentimos que, efetivamente, todo este projeto e tudo isto foi um ponto de viragem para começar a introduzir uma nova geração no negócio, que já existia, mas que foi, efetivamente, mais específico nesta altura. Somos a empresa têxtil que mais investiu e vamos continuar a investir.
Quer dizer que há novos investimentos programados?
Temos algumas coisas que estamos a organizar, nomeadamente mais na parte dos acabamentos, a área que consideramos ser a pior em termos de sustentabilidade. Neste momento, já fizemos o scale-up do processo de tingimento por bactérias resultante da parceria com a Colorifix, em que eles estiveram sete anos a estudar como tingir com bactérias e depois não conseguiram escalar o processo para a produção industrial. E nós pegámos no know-how deles em termos de como tingir com bactérias à escala laboratorial, passamos isto para um processo industrial e depois para um processo escalável. É muito importante, porque vai revolucionar a indústria, com a redução em 90% do consumo de água e químicos. Acredito que no próximo ano, o mais tardar, ou possivelmente até nos próximos seis meses, vamos, efetivamente, ter isto disponível para o resto da indústria têxtil, mas, na realidade, já temos isto para os nossos clientes e já conseguirmos tingir com menos 50% de água e químicos, que é algo de que nos orgulhamos extremamente.
Como correu o ano passado para a Valérius?
Foi um ano de muita incerteza. A partir de março, os nossos clientes decidiram reduzir drasticamente as compras até terem a certeza do que ia acontecer. Claro que isso para nós, que estamos habituados a uma indústria de produção, foi difícil. A nossa salvação naquela época foram as máscaras – entre março e julho expedimos cerca de 20 milhões de máscaras. Juntámos toda a nossa capacidade mais aquela que não existia para máscaras e expedimos 4 a 5 milhões de máscaras todas as semanas. A partir de junho, as encomendas voltaram, o sistema normalizou e os nossos clientes aceleraram com as compras – foi uma loucura porque tivemos que produzir tudo em vez de gradualmente. Conseguimos crescer 20%, mas se não tivéssemos as máscaras, possivelmente teríamos mantido a faturação do ano anterior. Este ano não temos as máscaras e pretendemos crescer 20% acima dos 20% do ano passado. Estamos numa boa posição.
Quer dizer que este está a ser um bom ano?
Sentimos que, efetivamente, houve muitos clientes a desviar as produções para Portugal e para nós, em especial, porque sentimos que internacionalmente já somos reconhecidos como uma empresa associada à sustentabilidade. Estamos em programas com a Stella McCartney, Circularity, vários tipos de programas internacionais que nos permitem ter renome e estamos muito à frente daquilo que existe internacionalmente. Foi isso que pudemos concluir nestes últimos seis meses porque, na realidade, percebemos que aquilo que eles estão a tentar é introduzir 20% ou 30% de reciclado e nós, neste momento, temos 50% e queremos introduzir 70%. Por isso, na realidade, Portugal e a Valérius estão já uns passos à frente. Isso aconteceu porque começámos em 2016, pois se começássemos à data de hoje, já não nos permitiria fazer isto. O tempo de entrega, por exemplo, das máquinas, o que nos entregaram em seis meses, estão a entregar em dois anos. Por isso, quando na realidade, eles já vão passar para 2030, nós já fizemos o processo. Como tal, acho mesmo que estamos no caminho certo.
E em termos de volume de negócios?
A Valérius vai faturar cerca de 40 milhões. Vai continuar a crescer. Estamos, em média, a crescer 20% ao ano.
Falou-se da Valérius para adquirir os ativos da Dielmar. A empresa continua nesta corrida?
A Valérius nunca perdeu o interesse. A empresa sempre disse que enquanto existirem pessoas, que são os nossos maiores ativos, vai continuar a querer ter essas pessoas. Na realidade, temos trabalho para elas. Por isso, sempre que existirem pessoas e nós pudermos, efetivamente, ser uma mais-valia para elas, vamos continuar. E se não for a Dielmar, certamente que será outra empresa. Vamos continuar a investir para que os nossos clientes estejam satisfeitos. Porque aquilo que sentimos hoje em dia é que a indústria têxtil não tem muita sucessão. O número de costureiras a entrar é pouco, por isso, o que fizemos foi investir em Marrocos: montámos uma unidade produtiva de confeção e uma unidade da Valérius 360 no país. Estamos a tentar perceber como podemos manter e, claro, aumentar o volume de negócios, sem termos o problema de não dispormos de capacidade produtiva. Estamos sempre a tentar encontrar soluções.
Quantos trabalhadores tem a Valérius em Marrocos?
Cerca de 300 pessoas na confeção, mas a ideia é ter um crescimento até 1.000 pessoas nos próximos cinco anos.
E em Portugal, a quantas pessoas dão emprego?
Trabalhamos com muitas fábricas, no mínimo 2.500 pessoas estão diariamente connosco – temos muitas fábricas que são extensões das nossas linhas.
Quais são os principais mercados?
Cerca de 80% é Europa. Mas temos novos clientes nos EUA e Canadá com muito potencial, que faturam biliões de euros. Como é óbvio, nas primeiras encomendas não vão colocar um milhão de euros, mas vão colocando e sabemos que para colocarem cinco ou 10 milhões de euros será uma coisa extremamente fácil, porque eles compram 500 milhões de euros.
Que tipo de cliente procura a Valérius?
Trabalhamos com tudo, desde o high end até marcas como a Zara. O nosso core será o médio-alto, que será a maioria das marcas. Procuram-nos aquelas que têm muito interesse pela sustentabilidade e depois procuram-nos aquelas que também querem inovação, que é aquilo que sentimos que podemos dar. Por preço não, não vamos competir com pessoas que não têm estrutura. Como temos uma estrutura com 20 designers, com 10 pessoas na logística, 10 pessoas no e-commerce, é óbvio que isso tem que ser pago no preço que passamos ao cliente. Aquilo que os clientes querem é ter a certeza que a qualidade que vão receber é a melhor. E temos serviço: nenhuma pessoa sai da fábrica sem responder no próprio dia aos emails dos clientes. E depois temos processos inovadores que vão trazer valor acrescentado ao nosso produto. Agora estamos a trabalhar com o CLO 3D, por exemplo. O que sentimos que vai ser o futuro? Todas as nossas coleções vão ser feitas em avatares e quando os consumidores vão ao website nem reparam que aquilo que não é uma peça física.
Neste momento já temos quatro pessoas no CLO porque sentimos que daqui a algum tempo vai ser essencial. Quando os países nórdicos nos começam a dar o sinal, já sabemos que temos de tomar a decisão, são os vanguardistas neste tipo de processos. Grandes marcas como a Balenciaga e a Gucci já fizeram os desfiles todos em 3D, por isso vai ser o próximo passo da indústria. Podemos reduzir imenso as amostras que fazemos e conseguimos otimizar os processos produtivos.
Atualmente já trabalham com clientes nessa base do 3D?
Trabalhamos com duas ou três marcas, que vão ser as impulsionadoras dos processos, e estamos ainda em modo de aprendizagem. Não existem muitas pessoas que tenham este conhecimento, por isso pegamos em duas designers nossas que tinham formação na parte da modelação e pusemo-las num curso intensivo de CLO. E temos pessoas, professores, que vão duas vezes por semana à empresa. Temos também uma parceria com o IPCA em que estamos a ensinar a 14 alunos como funciona o CLO 3D. Em dezembro já temos 14 pessoas com o curso de iniciação do CLO.
Qual é o papel da inovação na estratégia da Valérius?
Tudo é inovação nos processos, acho que é mesmo essa a nossa marca. A sustentabilidade vai ter que existir sempre, temos é que inovar nos processos de sustentabilidade para termos maior qualidade e o maior aproveitamento em relação à água e aos químicos.
Isso foi feito internamente?
Temos uma equipa de I&D que só trata deste tipo de desenvolvimento. Está no laboratório e depois traz-nos para a fábrica e trabalha no sentido de passar o processo laboratorial para a escala industrial.
Também desenvolveram uma linha que se degrada com a aplicação de temperaturas mais elevadas.
Isso tem a ver com a reciclagem. Uma das coisas que estamos a testar é a possibilidade de usar essa linha na confeção e depois, quando fizéssemos as peças passar por temperaturas de 200 ºC, a linha desfazia-se e a peça desmontava-se. O problema é que temos condicionantes, por exemplo, os ferros domésticos, que podem atingir temperaturas superiores a 200 ºC.
Há outros projetos em que estejam envolvidos?
Temos um recente em que estamos a fazer os estampados através do desperdício da cortiça, estamos a produzir a tinta para fazer os estampados. A nossa ideia é utilizar tudo que efetivamente seja desperdício, coisas que não utilizávamos, para produzir novos compostos. Também estamos a trabalhar com escamas de peixe. Estamos a trabalhar em diferentes áreas e a englobar várias indústrias, a recolher aquilo que são os resíduos dessas indústrias e incorporá-los na indústria têxtil. Temos igualmente alguns projetos com entidades como o CITEVE e a Universidade do Minho, que nos vão permitir escalar e fazer outro tipo de abordagem que não tínhamos até agora. Alguns ainda estão em segredo, possivelmente nos próximos três a seis meses já vão surgir alguns no mercado, mas, como é óbvio, trata-se de todo um processo de tentativa e erro, testes, cápsulas e depois a integração.
A ideia de que a Valérius é uma empresa de confeção está ultrapassada?
Sim. Todas as empresas que continuarem com esse mindset provavelmente dentro de 10 anos não vão existir, porque não se pode ser apenas mais uma empresa. Daí também a unidade em Marrocos, porque sentimos que vai ser difícil utilizar mão-de-obra portuguesa na confeção. As pessoas que estão neste momento a confecionar têm 48-50 anos e a nova geração não quer entrar neste processo, por isso, daqui a 10-15 anos não vamos ter mão-de-obra para trabalhar na indústria têxtil. O que estamos a preparar é, como aconteceu noutros países, Portugal ficar como o centro do desenvolvimento – ao nível da matéria-prima e inovação – e a produção em si passar para Marrocos, porque podemos não ter essa capacidade ou vamos ter de guardar as nossas linhas para processos made-to-order ou para processos que vão ser mais diferenciadores.
Quais são os objetivos para o futuro da Valérius?
Inovação é o primeiro ponto, em termos de materiais e processos, no que toca à sustentabilidade. Perceber as variações do mercado e perceber aquilo em que podemos ser vanguardistas. Continuar na linha da frente.