Salários no Vietname ainda são pouco dignos

Os salários na indústria de vestuário do Vietname ainda não são suficientes para permitir uma vida condigna aos trabalhadores e respetivas famílias. Sem dinheiro para pagar despesas básicas com alimentação, saúde e educação, estes trabalhadores veem-se obrigados a fazer horas extraordinárias excessivas para conseguirem viver.

Sendo o terceiro maior país exportador de vestuário no mundo – com uma quota de 16% do total mundial, apenas ultrapassado pela China e pelo Bangladesh –, o Vietname emprega mais de 2,5 milhões de trabalhadores e tem 6.000 empresas. Um novo relatório concluiu que muitos desses trabalhadores fazem horas extraordinárias excessivas apenas para pagar necessidades básicas.

O novo estudo da Fair Labor Association, “Toward Fair Compensation in Vietnam: Insights on Reaching a Living Wage”, reuniu dados de 13 mil trabalhadores em 38 fábricas num período de três anos. O relatório concluiu que muitos dos trabalhadores da indústria de vestuário do Vietname não conseguem viver com um salário mínimo que é bastante mais baixo, e que apenas permite uma vida muito inferior, ao padrão internacional.

Em vez disso, os trabalhadores do Vietname que recebem o salário mínimo ou próximo disso têm de fazer muitas horas extra para poderem receber o suficiente para viver. De acordo com o estudo, não é incomum para as pessoas trabalharem mais de 50 horas extra por mês.

«A cadeia de aprovisionamento mundial ainda não funciona para os trabalhadores das fábricas», refere, em comunicado, Sharon Waxman, presidente e CEO da Fair Labor Association. «As pessoas não deviam ter de trabalhar horas extra excessivas, semana após semana, para compensar os salários baixos para poderem ter comida na mesa. As pessoas vão trabalhar para poderem pagar as suas despesas e as da sua família. As marcas mundiais de vestuário, o governo do Vietname e a sociedade civil têm de redobrar os esforços para tornarem os salários justos uma realidade, sem horas extra excessivas», acrescenta.

25% menos do que o necessário

Usando o standard fornecido pela Global Living Wage Coalition, que inclui habitação, alimentação, compras não-alimentares e poupanças modestas, os investigadores da Fair Labor Association determinaram que o pagamento líquido anual para um trabalhador a tempo inteiro a um salário mínimo mensal de 4.645.122 dong (equivalente a 200,1 dólares ou cerca de 177 euros) é cerca de 25% mais baixo do que o que seria necessário para atingir sequer o nível de vida mais básico nos centros urbanos do país. Para chegar ao padrão estabelecido pela Coalition, os trabalhadores teriam de receber mais cerca de 1.114.976 dong líquidos por mês.

O National Wage Council do Vietname, responsável pela determinação dos salários, implementou um aumento de 5,3% no salário mínimo no início de 2019, mas os investigadores da Fair Labor Association argumentam que o aumento mal cobre a inflação (foi de 3,8% em 2018) e foi mais baixo do que o aumento de 6,5% em 2018 e de 7,3% em 2017.

A única forma dos trabalhadores que ganham o salário mínimo ultrapassarem a disparidade entre o que os governos determinam pagar aos seus funcionários e um salário que dê para viver condignamente, afirmam os investigadores, é trabalharem a um nível pouco saudável. Além disso, os patrões começaram a implementar incentivos em pagamento que só existem quando um trabalhador faz determinado número de horas extra, cimentando a cultura de pessoas que trabalham de mais em linha com a política da empresa.

«O facto de que tanto as horas extra como os incentivos em pagamento serem ganhos (em parte) durante as horas extraordinárias é essencial para perceber como estas estimativas salariais afetam a qualidade de vida dos trabalhadores do vestuário no Vietname», aponta o estudo. «Não só os trabalhadores de vestuário no Vietname dependem do pagamento de horas extra para terem um salário para viver, como muitas vezes têm também de trabalhar muitas horas extraordinárias que violam os standards internacionais e os padrões de cumprimento da Fair Labor Association», acrescenta.

Marcas ocidentais com responsabilidade

O relatório deixa ainda conselhos para as agências governamentais diminuírem a pressão que está a ser colocada sobre os trabalhadores. E para as marcas que operam na região, tudo começa com práticas de sourcing sustentáveis. Para promoverem um salário condigno, as marcas devem ter em atenção o efeito que táticas agressivas de negociação e prazos irrealistas podem ter sobre o trabalhador médio, sublinham os investigadores. Adicionalmente, tanto uma marca como o seu fornecedor devem criar ciclos de produção que permitam semanas de trabalho regular e não assumam horas extra, sejam voluntárias ou obrigatórias.

Apesar de alguns avanços para os trabalhadores, a indústria mundial de vestuário tem estado sob pressão nos últimos anos para assegurar que as suas cadeias de aprovisionamento não exploram os trabalhadores. No início deste ano, a associação de solidariedade Oxfam criticou as empresas australianas de moda por usarem um «sistema de exploração enraizado» que permite que os trabalhadores na cadeia de aprovisionamento no Bangladesh e no Vietname não ganhem um salário suficiente para as despesas básicas de alimentação, habitação, educação e cuidados de saúde.

Estas táticas incluem pressionar os donos das fábricas durante as negociações dos preços ou usarem contratos a curto prazo.

«As marcas têm um papel a desempenhar e mais marcas deviam assumir a sua responsabilidade», sublinha Alexander Kohnstamm, diretor da associação holandesa sem fins lucrativos Fair Wear Foundation, em declarações à Reuters.

Segundo Kohnstamm, um melhor planeamento da produção e dos preços dos contratos pode reduzir a dependência dos trabalhadores das horas extraordinárias, que leva muitas vezes a violações dos direitos dos trabalhadores. «As marcas ocidentais fazem parte de um problema, mas também podem escolher fazer parte da solução», acrescenta.

«Maior transparência, melhor planeamento e mais eficiência podem ajudar muito a melhorar os salários dos trabalhadores», acreditam os investigadores. «A difícil verdade é que todas as potenciais soluções envolvem algum custo financeiro que, em último caso, deve ser partilhado por marcas, fornecedores e consumidores. Como tal, todos os envolvidos – incluindo as organizações da sociedade civil, universidades e outros grupos de consumo – têm um papel significativo para serem defensores e educadores dos direitos e do bem-estar dos trabalhadores», conclui.