A Benetton está a trazer a produção para mais perto de casa, alavancando a fabricação na Sérvia, Croácia, Turquia, Tunísia e Egito, com o objetivo de reduzir para metade a produção na Ásia a partir do final de 2022, revelou Massimo Renon à Reuters. O CEO da empresa italiana de moda, que assumiu o leme no final do ano passado, deu uma visão sobre a economia que está a gerar uma tendência que afeta grande parte da indústria, à medida que determinadas cadeias de aprovisionamento têm vindo a aumentar custos e tempos de envio, minando assim um modelo de negócio que provou ser bem-sucedido nos últimos 30 anos.
«É uma decisão estratégica ter maior controlo sobre o processo de fabrico e também sobre os custos de transporte», afirma Massimo Renon, acrescentando que a Benetton já transferiu mais de 10% da produção de países como Bangladesh, Vietname, China e Índia até à data. «Um contentor que custava entre 1.200 e 1.500 dólares [1.034,5 a 1.293,1 euros] pode agora custar entre 10.000 e 15.000 dólares, sem nenhuma certeza da data de entrega», explica.
Custos de transporte marítimo dez vezes superiores resultaram do reduzido número de navios disponíveis – muitos ficaram parados durante a pandemia –, associado à retoma do consumo, aponta o CEO da Benetton, que embora realize a maior parte das vendas na Europa, tinha deslocalizado a produção, desde 2000, para países com menores custos.
Este entrave do transporte marítimo está a perturbar várias empresas do sector de vestuário. A Hugo Boss também está a tentar trazer as operações de produção para mais próximo de seus mercados, enquanto a Lululemon, Gap e Kohl’s garantem que vão investir mais no transporte aéreo, muito mais caro, para evitar a falta de stock na época de Natal.
Pelo contrário, quando o vestuário é produzido no Egito, a entrega em armazéns e lojas na Europa pode ser reduzida para dois ou dois meses e meio, afiança o CEO da Benetton. No caso de artigos em lã, fabricados na Sérvia e na Croácia, pode levar apenas quatro a cinco semanas, acrescenta.
A Benetton planeia aumentar a produção nesses dois últimos países, assim como na Tunísia, onde tem unidades próprias, enquanto no Egito e na Turquia está a trabalhar com fornecedores.
O que está a correr mal?
As estratégias, contudo, variam dentro da indústria de vestuário. A Inditex, líder de mercado e pioneira na fast fashion, com a insígnia Zara, concentra 53% da produção relativamente perto: em Espanha – o seu mercado doméstico –, Portugal, Marrocos e Turquia, segundo o seu relatório anual de 2020.
Já a sua principal rival, a H&M, depende da Ásia para cerca de 70% da produção, de acordo com analistas. Os críticos dessa abordagem dizem que isso coloca a empresa em desvantagem comparativamente a concorrentes mais ágeis em termos de colocação de novos artigos em loja.
O novo CEO da Hugo Boss, Daniel Grieder, admitiu em setembro que esperava fabricar mais produtos perto de onde seriam vendidos no futuro. Grieder revelou que a empresa tem fábrica própria na Turquia, produzia partes de sapatos em Itália e fatos sob medida na sua sede em Metzingen, na Alemanha. «Vamos expandir isso [o nearshoring] consideravelmente. Assim, também poderemos reagir mais rapidamente às tendências e com mais flexibilidade aos estrangulamentos. Essa é uma vantagem competitiva real», explicou à Manager Magazin.
Mudanças em curso
Em alguns países, como o Vietname, o encerramento de fábricas aumentou a pressão. A Nike, que produz cerca de metade de seu calçado no país asiático, acaba de baixar as previsões de vendas e alertou para atrasos de entregas na quadra natalícia.
A Lululemon, por sua vez, reconheceu que estava a trabalhar na deslocalização da produção do Vietname sempre que tal era possível, aumentou o uso do transporte aéreo e priorizou a fabricação para os principais estilos de outono de forma a mitigar os problemas de sourcing. Já a Gap revelou estar também a investir no transporte aéreo, uma vez que regista atrasos de entregas devido ao congestionamento marítimo e encerramentos de fábricas originados pela pandemia em países fornecedores.
Não obstante, existem outros fatores em jogo na transferência da produção de Ásia. Mesmo antes do covid-19, o aumento dos custos de trabalho na região estava a ofuscar o brilho dos baixos custos para as marcas ocidentais.
O aumento real dos salários em todo o mundo subiu entre 1,6% e 2,2% nos quatro anos anteriores à pandemia, com o aumento nas regiões da Ásia-Pacífico e Europa de Leste a superar o do resto da Europa e da América do Norte, segundo o Relatório Global de Salários 2020/2021 da Organização Internacional do Trabalho. «A diferença de custo diminuiu significativamente», assegura Lorenzo Novella, diretor da AlixPartners em Milão, especializado no sector de retalho, que destaca que a alta rotatividade entre os trabalhadores fabris na China também tornou o nível de serviço menos confiável.
O CEO da Benetton considera que, atualmente, os clientes privilegiam a qualidade em detrimento do preço. «Para as empresas de vestuário, a corrida pelos preços mais baixos parece hoje ser secundária. Os consumidores estão mais preocupados com a qualidade e querem que as suas roupas durem mais tempo», assevera.
Para a empresa italiana, a relocalização da produção é parte de um esforço para regressar ao lucro. A cadeia de moda, que conta com cerca de 4.000 lojas, das quais 1.500 são propriedade direta e as restantes operadas por franquia, registou prejuízos anuais nos últimos oito anos. As tentativas de reverter a situação foram prejudicadas pela pandemia, embora Massimo Renon tenha dito que o grupo está confiante de que poderá ter um «Natal muito bom» e voltar “ao verde” em breve.