Os últimos dois anos de pandemia covid foram complicados para todos e os designers de moda não foram exceção, fazendo até, de alguma forma, parte da sociedade que foi duplamente penalizada. «Foi muito complicado, sem dúvida. Inicialmente a nível anímico, porque nos chocou a todos um pouco e tentar perceber como encaixar isso no nosso dia a dia de trabalho e naquilo que fazemos foi difícil. Em termos práticos, a nível de vendas, também foi muitíssimo duro, porque os mercados estagnaram e ainda estão estagnados, o que nos deixa num impasse, pelo menos relativamente ao que toca à fluidez de compra e venda deste tipo de bem», revela Katty Xiomara.
Com várias lojas encerradas e outras com elevadas cautelas na colocação de encomendas, as vendas da designer caíram cerca de 80%, com as restantes 20% a serem realizadas em mercados de proximidade, como Portugal e Espanha, e no online que, contudo, «não consegue suplantar o papel do wholesale, do físico – ajuda a equilibrar, mas não lhe rouba o lugar», afirma ao Jornal Têxtil.
A mais recente coleção de Katty Xiomara é também resultado deste período, sendo uma reflexão sobre a saúde mental, que durante a pandemia foi severamente afetada. «Em espanhol, as palavras “lo cura”, além do que significam quando juntamos, acabam por significar algo que restaura e cura. Portanto, foi um trocadilho por aí, tendo como base, de facto, as doenças mentais e o estigma colocado perante as mesmas, que muitas vezes, mesmo nos dias de hoje, são difíceis de perceber pela sociedade. E obviamente tem tudo a ver também com este período intenso pelo qual todos passámos, o facto de o rácio de doenças mentais ter ficado mais elevado. No fundo, a coleção toca este aspeto de percebermos realmente qual é o estado da loucura, um bocadinho baseado no livro O Alienista, de Machado de Assis», explica a designer.

A marca epónima de Katty Xiomara está atualmente focada num conceito sem estação, peças com pequenas produções e desperdício reduzido ou nulo, o que também se enquadra nas mudanças que o mundo sofreu com a pandemia. «Como estamos sem estação, tentamos que os períodos de venda se prolonguem mais. Não temos esta semestralidade, um período mais curto e imediato. Produzimos por pré-encomenda, as entregas são feitas em 22 dias», indica.
O impulso dado ao online e às novas tecnologias ressoou igualmente junto da designer, que pondera enveredar por outros universos, nomeadamente o metaverso. «Acho interessante, não para uma coleção inteira, porque também gera alguma pegada, mas dois ou três NFTs de forma a poder dinamizar essa vertente não física. O metaverso poderá funcionar para nós nesse sentido, porque muitas vezes não precisamos propriamente da peça, queremos apenas uma fotografia com a peça», adianta Katty Xiomara.
A volta de Pedro Pedro
Já Pedro Pedro regressou à passerelle, depois de três anos afastado. «A pandemia veio estagnar um bocadinho tudo. Toda a gente em casa, o teletrabalho, as pessoas com medo de andarem na rua e de falarem com outras pessoas… Todo esse isolamento, a mim, que já sou uma pessoa um bocado introspetiva, ajudou a tomar decisões e a ser mais focado», confessa.
Regressar acabou, deste modo, por ser inevitável. «É o mal de uma pessoa criativa. Não conseguimos estar parados e parece que nos falta um bocado de nós próprios. Acho que ainda continuo a ter qualquer coisa para dizer», assume Pedro Pedro.
Ainda assim, parar foi importante. «Estava, se calhar, um bocadinho saturado, fazia isto há muitos anos e soube-me mesmo bem desligar. Mas fez-me falta, não vou dizer que não», admite. O tempo que esteve afastado permitiu igualmente ver este mundo «com outros olhos, assentar ideias diferentes», garante o designer. Com desafios que o tempo se encarregou de ultrapassar e substituir por outros, «percebi que era isto que queria fazer e que é isto que gosto de fazer», reconhece.

Apesar de, «basicamente, estarmos a começar do zero», em parte o regresso foi facilitado pela familiaridade que Pedro Pedro encontrou na indústria têxtil. «A Riopele patrocinou-me os tecidos, a Troficolor o denim e as bombazinas, o que agradeço muito, porque é um peso que sai de cima. Fui muito bem recebido. Vejo as pessoas com quem trabalho e os fornecedores como uma família», revela.
O resultado imediato foi uma coleção com 26 coordenados que traz os anos 90 para o século XXI. «Tem muito a ver com os anos 90, countryside, rave. É como se um hippie dos anos 90 fosse transposto para 2022, com misturas estranhas, coisas feitas à mão. É explorar os erros, é aceitar a individualidade e aproveitar as coisas bonitas», descreve o designer.
Mostrada essencialmente por homens na passerelle do Portugal Fashion, a coleção foi, contudo, pensada para ser usada também por mulheres. «É uma coleção unissexo, ou seja, contamos daqui para a frente escalar para tamanhos de senhora, mas mantendo as características oversize», explica.
Uma influência que emerge da própria sociedade atual. «Desde que parei, comecei a notar que há uma geração nova com ideias muito diferentes daquelas que tínhamos na nossa altura. Praticam o ativismo, seja no gender, contra o racismo, contra a xenofobia… Não são de rótulos, são muito individualistas e gostam de coisas daqui e dali e sinto que estamos a viver um momento bonito. Apesar de todo o contexto geopolítico, da guerra terrível que está a acontecer e de virmos de uma pandemia horrível, é quase o Yin e o Yang, no extremo mau há um extremo muito bom também», aponta.
Com o online a ser uma força motriz que o designer pretende explorar, ao mesmo tempo que recupera as relações comerciais anteriores, inclusive com a agente Carla Reis, Pedro Pedro mostra-se otimista para o futuro, embora consciente de que a situação do mundo não é a mais favorável. «Temos que ver o lado positivo das coisas», assegura o designer.
