Será que hoje em dia as marcas estão a tornar-se cada vez mais irrelevantes em grande parte da indústria de vestuário? Mike Flanagan salienta que no clube das principais empresas de vestuário do mundo, já não existe um fornecedor exclusivo para determinada marca. Neste estudo publicado pelo just-style.com, Flanagan refere que hoje em dia os retalhistas são o elemento mais importante. Mike Flanagan é o director executivo da Clothesource Sourcing Intelligence, empresa de consultadoria sedeada no Reino Unido que fornece aos compradores Ocidentais de vestuário informação sobre a produção, o comércio, a competitividade dos preços e acesso a produtores de vestuário em mais de 100 países. Duas abordagens diferentes ao sector de vestuário aparentam evidenciar dois futuros radicalmente diferentes. Por um lado, considere-se o caso da Sara Lee. Segundo as declarações de Tim Ramey, analista na DA Davidson, citado pelo Financial Times no final de Fevereiro, o negócio da Sara Lee no mercado europeu de vestuário, com um volume anual de 1,2 mil milhões de dólares, foi praticamente oferecido pelo valor de venda líquido de apenas 50 milhões de dólares. No entanto, a directora executiva Brenda Barnes admite que os custos associados com a alienação do negócio europeu da Sara Lee (anterior Courtaulds Textiles que fornece vestuário de marca própria para a Marks and Spencer) vão eliminar qualquer lucro das vendas. De acordo com algumas fontes de informação, a Sara Lee vai precisar de desembolsar 483 milhões de dólares em fundos de pensões para livrar-se da Courtaulds. O vestuário de marca, ou de qualquer outro tipo, não é um negócio em que a Sara Lee queira continuar directamente envolvida. A empresa planeia alienar o seu ramo de negócio de Branded Apparel (que possui um volume de vendas anual de 5 mil milhões de dólares) para uma empresa separada, a HanesBrands. E esta opção não é pelo facto da Sara Lee poder ser considerada uma empresa pequena, pois em 2004 nenhum fornecedor do negócio a retalho em qualquer ponto do mundo registou vendas de vestuário acima dos 6,2 mil milhões de dólares. Contrastando o caso da Sara Lee com uma empresa completamente diferente, temos a britânica River Island, uma cadeia de vestuário que raramente figura em qualquer análise da indústria de vestuário internacional. Com vendas cifradas nos 800 milhões de dólares em 2004, a River Island possui uma quota de cerca de 1,2% do mercado no Reino Unido e simplesmente não recebe o tipo de publicidade da indústria que muitos dos seus semelhantes locais recebem. Com todos os principais retalhistas mundiais de vestuário, começando pela Wal-Mart e passando pelas cadeias da Inditex e da Fast Retailing (com a excepção da C&A), em expansão no mercado britânico, a River Island deveria ser o tipo de empresa pequena vítima de todos estes predadores globais. No entanto, com um crescimento nas vendas próximo dos 14% em 2004, registou um lucro de 142 milhões de dólares antes dos impostos, o que origina uma base de licitação entre os 1,5 e os 2 mil milhões de dólares a quem deseje apresentar uma oferta de compra sobre esta empresa. Então porque razão esta empresa familiar de média dimensão é valorizada em cerca de trinta a quarenta vezes acima do valor apresentado para o negócio europeu da Sara Lee? Uma parte da explicação prende-se com o facto da Sara Lee não ser bem o gigante como as suas vendas poderiam fazer depreender à primeira vista, por exemplo: as vendas no Reino Unido são significativamente inferiores às da River Island. Uma segunda razão e ainda mais relevante, prende-se com o facto dos fornecedores com marca própria não serem propriamente o que aparentam de outras formas. Cerca de metade do volume de negócio europeu de vestuário da Sara Lee é efectivamente com marca própria. Esta questão não é invulgar entre os principais fornecedores de vestuário cujas vendas no retalho se encontram cifradas acima dos 5 mil milhões de dólares por ano. Para a VF e a Jones Apparel a marca própria é fundamental. As vendas da Li&Fung são significativamente dominadas pela marca própria. No entanto, os únicos principais fornecedores completamente dominados por marcas são a Levis, a Nike e a Adidas/Reebok. A natureza das marcas O problema não é a Sara Lee, o problema reside na natureza das marcas. As marcas estão a tornar-se cada vez mais irrelevantes em grande parte da actual indústria de vestuário. As marcas de lojas de mercearia têm uma abordagem bastante básica da vida. Muito dinheiro é investido em pesquisas de mercado, triagens rigorosas, inovações ocasionais do produto, grande especialização no desenvolvimento de processos produtivos exclusivos, e ainda mais dinheiro é gasto em forças de vendas e enormes campanhas publicitárias. Simplesmente esta abordagem não poderia ser mais diferente do que é necessário para ser uma empresa de vestuário bem sucedida. Os retalhistas de vestuário bem sucedidos não gastam nada que se assemelhe em pesquisas de mercado como a Sara Lee e a Coca-cola, que transformaram esta prática numa verdadeira forma de arte. Em vez disso, empresas como a Zara gastam ainda mais dinheiro em sistemas de informação que geram um fluxo de informação de regresso para os designers sobre o que estava a ser vendido nas lojas há dois minutos atrás. Efectivamente eles vão mais longe, sistemas como o da Zara encorajam o pessoal das lojas a alimentar os comentários dos clientes de regresso aos designers em tempo real. Comentários como: «Os clientes teriam preferido o modelo 473 xy com fivelas», poderão originar produtos que sejam da preferência dos consumidores, enquanto que o pensamento do tipo «marca de mercearia» continua a debater-se com a significância estatística de um determinado grupo de análise. Isto é porque o segredo de qualquer empresa de vestuário é conseguir um fluxo constante de vestuário que seja vendável. Conseguir este fluxo de produtos representa equipas de designers a responder constantemente às tendências da moda. E isto é algo muito diferente do que se verifica numa marca de mercearia que relança uma vez por ano um produto «Novo!» ou «Melhorado!». Conseguir este tipo de organização é já muito difícil. Mas o verdadeiro truque reside em conseguir organizar o negócio de forma a que os inevitáveis erros que os designers cometem não sejam demasiado dispendiosos, e organizar o sistema de produção de forma a alcançar o menor intervalo de tempo possível entre o momento em que o design é definido e em que o artigo final é colocado na prateleira da loja. Algo que é muito difícil de conseguir quando qualquer mudança na gama de artigos está sujeita às negociações burocráticas que se desenrolam entre o fornecedor de uma marca e um retalhista. Situação que é surpreendentemente complicada se estivermos a comprar a uma escala internacional. E ainda mais complicada quando estamos a partilhar uma fábrica com outras pessoas (algo que a Sara Lee tem feito com o vestuário há bastante tempo, mas que não pensa fazer com as suas marcas de artigos de mercearia). Uma das competências da River Island é a forma como gere a produção. Como praticamente todos os retalhistas ocidentais e detentores de marcas, a River Island não possui capacidade produtiva, mas selecciona as fábricas que utiliza de forma cuidadosa. Esta selecção é feita, acima de tudo, de forma a que a maior parte destas fábricas seja facilmente acessível através da sua equipa de produção e possa fornecer vestuário para os armazéns da River Island rapidamente. A River Island possui uma abordagem invulgar à gestão destas fábricas, é um dos muito poucos retalhistas que subcontrata directamente as empresas no exterior numa base de CMT (cut, make, trim). Isto é cada vez mais antiquado, mas dá à River Island o grau de flexibilidade e controlo que considera mais adequado para conseguir os artigos de vestuário certos na loja rapidamente.