
Com mais de 65 milhões de consumidores e representando a sexta maior economia mundial, sendo a segunda no contexto europeu, o Reino Unido é um «parceiro importantíssimo» para Portugal, como afirmou Pedro Patrício, responsável da delegação da AICEP em Londres, durante a sua intervenção no webinar promovido pelo CENIT em parceria com a ANIVEC.
Na área da moda, o apelo é inegável: o consumo de vestuário representa 4,5% do orçamento familiar dos britânicos, que em 2019 foi de 69 mil milhões de euros, e mais de 90% dos têxteis e vestuário que os consumidores adquirem na high street é importado.
«É um mercado altamente cobiçado e continuará a sê-lo mesmo depois das consequências que possam advir do Brexit», acredita Pedro Patrício, que ressalvou ainda que «o consumidor britânico vale cerca de 4.400 libras e, quando comparamos com há 15 anos, o consumidor britânico gasta mais 60% anualmente em vestuário do que costumava gastar».
O Reino Unido, tal como muitos mercados, sofreu, no entanto, alguma evolução com a pandemia, como mostrou Toyin Laketu, da consultora Onwards and Up, numa comunicação em vídeo pré-gravada. «53% das pessoas estão a gastar menos com vestuário desde a pandemia», admitiu, mas reconhecendo que «não é propriamente as pessoas a gastarem menos com roupa, trata-se das pessoas estarem a fazer escolhas mais conscientes» e, em alguns casos, «a descerem de gama» porque estão «mais atentas ao seu dinheiro», o que tem levado a muitos problemas para o mercado de gama média.

Há ainda a ascensão do online, com «mais de metade das vendas de moda no Reino Unido a ocorrer online. Essa mudança poderá, potencialmente, ser algo permanente, não é algo que vai reduzir em breve», considera a consultora.
Questões como o comércio eletrónico e a tendência para o nearshoring poderão beneficiar a indústria portuguesa, inclusive, também, pela longevidade das relações comerciais entre Portugal e o Reino Unido. «Muitas vezes as empresas portuguesas, exatamente por já trabalharem com o Reino Unido há mais tempo e por terem esses laços de amizade, conseguem estar mais bem preparadas do que algumas empresas de outras nacionalidades», sublinhou o responsável da delegação da AICEP.
Outra vantagem para Portugal prende-se com a procura por produtos mais sustentáveis – uma tendência apontada também por Toyin Laketu – e reciclagem de produtos. «Tudo o que tenha a ver com questões ambientais e de sustentabilidade é importante, são questões a ter em conta e as empresas portuguesas devem apresentar [este tipo de produto]. Mesmo que aumente o custo, poderá valer a pena, porque o consumidor põe a sustentabilidade, o orgânico, num patamar muito alto e está disposto a pagar mais por um produto de nicho, por um produto que lhe é vendido como sendo um produto sustentável», garantiu Pedro Patrício.
Para as marcas que se querem estabelecer no mercado britânico, Toyin Laketu deixou algumas dicas, nomeadamente a aposta na sustentabilidade e na transparência e uma estratégia de preços flexível, assim como uma forte presença online através das redes sociais. «O que está a impulsionar o mercado de moda no Reino Unido são as redes sociais», salientou.
O entrave da burocracia
O Brexit, contudo, trouxe dificuldades para a relação comercial entre Portugal e o Reino Unido. Depois do período de transição, que terminou a 1 de janeiro deste ano, houve várias mudanças e embora haja um acordo abrangente de comércio e cooperação, os procedimentos são muitos. «Não é o tradicional acordo de comércio livre que habitualmente a União Europeia costuma negociar com outros países terceiros», explicou Sara Santos, da Direção-Geral das Atividades Económicas do Ministério da Economia, dando conta que inclui também áreas como transportes, energia, pescas e a justiça, por exemplo.
No âmbito do comércio, «prevê que não vai haver direitos aduaneiros e não vai haver contingentes pautais – é um grande sucesso e um resultado magnífico que foi alcançado, mas isso não impede que tudo o que sejam fluxos comerciais trocados entre as duas partes tenham que cumprir as formalidades aduaneiras que são devidas no relacionamento entre estados distintos», realçou.
Como tal, todas as mercadorias têm de ser apresentadas às autoridades aduaneiras e ser submetidas ao controlo em diferentes áreas. Além disso, as empresas que querem beneficiar de direitos aduaneiros zero, «vão ter que apresentar os chamados certificados de origem, que comprovam que aquela mercadoria efetivamente cumpre as regras de origem que estão definidas no acordo», assegurou Sara Santos.
Como esclareceu Fátima Pinto Bessa, da direção de serviços de tributação aduaneira da Autoridade Tributária, «podemos dizer que as regras de origem são as condições a cumprir para que as mercadorias possam ser consideradas originárias para efeitos de aplicação da legislação aduaneira», ou seja, «as mercadorias não originárias, as que foram fabricas noutro país que não a UE ou o Reino Unido ou que só foram sujeitas a operações que não são as consideradas suficientes nos termos do acordo estarão sujeitas ao pagamento dos direitos devidos na importação, de acordo com as respetivas pautas aduaneiras», indicou.

Atualmente, adiantou, estão ainda a decorrer reuniões bilaterais periódicas entre a Comissão Europeia e as autoridades aduaneiras do Reino Unido para que seja estabelecido um guia conjunto com os critérios mais bem definidos no que diz respeito às operações suficientes para determinar a origem. «Em termos gerais, estas regras podem ser de vários tipos, podem estabelecer que determinada matéria que é utilizada no fabrico tem que ser inteiramente obtida da parte de origem ou então pode indicar que as matérias não originárias utilizadas no fabrico tenham que sofrer um determinado tipo de transformação», elucidou Fátima Pinto Bessa.
Na altura da exportação, «antes de declarar origem preferencial, o exportador terá que confirmar se cumpre os requisitos e as regras que são aplicáveis». Fátima Pinto Bessa aconselhou ainda a que se tenha uma visão mais ampla dos direitos aduaneiros. «Este pedido de tratamento preferencial com base na prova de origem só se justifica quando o tratamento da nação mais favorecida, ou seja, a taxa aplicável a qualquer país terceiro, a chamada TPT, não seja zero, porque se for um produto que já está a zero na pauta não há qualquer sentido em estar a solicitar a preferência», lembrou.
Mas se não for o caso, e o exportador não apresentar um certificado de origem, as taxas podem variar entre os 8% e os 12% para os têxteis e vestuário, apontou Sara Santos. «Esta isenção dos direitos aduaneiros não é automática, não basta eu, exportador, saber que o produto que estou a exportar cumpre as regras de origem. Eu, exportador, tenho que apresentar uma prova de que esse bem efetivamente cumpre as regras de origem e, por sua vez, o importador britânico terá que, no ato da declaração da importação, pedir que seja concedido esse tratamento preferencial e essa isenção de direitos aduaneiros», especificou a representante da Direção-Geral das Atividades Económicas do Ministério da Economia.
A importância do planeamento
Embora já com algum tempo em vigor, a pandemia terá adiado algumas das dificuldades deste novo sistema para as exportações para o Reino Unido. «Muitas destas questões têm estado dormentes e vão começar a sentir-se com mais acutilância, portanto tenham atenção que todos estes procedimentos não são inultrapassáveis, mas exigem algum tempo de aprendizagem, têm custos em termos de recursos humanos, custos em termos de burocracia, podem incorrer incumprimentos de prazo e podem pôr em causa a continuidade daquele cliente ou perda de credibilidade enquanto fornecedor – isso deve ser salvaguardado», alertou Sara Santos.

Para evitar esses constrangimentos, a Rangel deixou alguns conselhos para as empresas. «O planeamento antes de iniciar a exportação pode ser decisivo para o negócio e pode ser a diferença para exportar para o lucro e exportar para o prejuízo, exportar bem ou exportar mal», asseverou Ricardo José Silva, gestor na Rangel e despachante oficial. Num segundo passo, é essencial preparar a documentação, «documentos que vão ser necessários não só no momento da partida, na origem em Portugal ou noutro sítio da União Europeia e dos que vão ser necessários à chegada», acrescentou.
A experiência da transportadora é que o mercado tem assumido maior importância, tendo mesmo levado a aumentar a frequência dos envios, com quatro saídas por semana a partir do Norte de Portugal para diversos pontos no Reino Unido e de três saídas em sentido inverso. «Hoje em dia, cada vez mais temos clientes ingleses, marcas inglesas, que começam a escolher Portugal, não só pela qualidade da nossa indústria têxtil, não só pela qualidade da nossa indústria de calçado, mas também pelo fator Atlântico, porque, como todos sabem, as rotas transatlânticas entre o Extremo Oriente e a Europa estão congestionadas», resumiu Luís Filipe Cavalheiro, da Rangel Logistics.