Reindustrializar exige política comercial europeia

Mais do que apenas reindustrializar a Europa, é fundamental que o Velho Continente privilegie os produtos feitos internamente, acreditam os empresários da indústria da moda que marcaram presença na conferência Fábrica 2030. Marcas, SPG e financiamento a médio e longo prazo foram outros dos temas abordados.

Luís Guimarães [©ECO/Hugo Amaral]

O tema não é novo, como sublinhou o anfitrião da conferência Fábrica 2030, promovida pelo jornal económico ECO. «Já há 10 anos se falava na reindustrialização na Europa. Aliás, eu penso que em Portugal já se fala na reindustrialização há 30 anos, no mínimo», afirmou Luís Guimarães, presidente da Polopiqué.

No meio da fiação da empresa, o empresário frisou a necessidade de empresas capitalizadas para fazer investimentos como aqueles que tem feito o seu grupo. «Não pode ser tudo pago em três e quatro anos como as entidades financeiras pretendem neste país», numa ideia que seria reforçada por César Araújo, administrador da Calvelex e presidente da ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, no primeiro painel da conferência. «Temos que ter planos de financiamento a médio e a longo prazo, acima de cinco, 10 anos», considera, acrescentando que em Portugal «nunca houve essa política de pensar macro. Os instrumentos que foram disponibilizados ao longo destes anos foi sempre a banca tradicional».

Para o empresário e líder associativo, é fundamental uma política europeia também nas compras. «Que me interessa ter fábricas se depois o mercado europeu importa produtos da Ásia», questionou, dando conta que «no caso concreto da indústria têxtil e de vestuário, 85% dos produtos consumidos na Europa tem proveniência asiática» e são, por isso, prejudiciais ao desígnio de privilegiar a economia circular, até porque «não podemos estar a reciclar produtos contaminados» e «deixar que entrem na nossa cadeia de valor», ressaltou.

César Araújo [©ECO/Hugo Amaral]
Exemplo da negligência e coesão europeia, apontou César Araújo, foram os equipamentos de proteção individual (EPI), «algo que Portugal nunca esteve preparado para fazer» mas que, «em três semanas, todo o nosso ecossistema se preparou para apoiar as necessidades daquele momento, em tempo útil, para poder ajudar não só as populações mas os profissionais de saúde». Apesar de Portugal se ter posicionado «na linha da frente», nomeadamente ao nível das máscaras, ficou provado que «a Europa não pensa europeu, cada um pensa por si» já que «nenhum país europeu comprou [máscaras], tirando algumas raras exceções». Por isso, salientou, não há atualmente «nem uma política industrial europeia, nem uma política comercial europeia», sendo que «não posso falar de uma política industrial sem ter uma política comercial», sustentou.

O sucesso passará por «verticalizar os negócios», como fez a Polopiqué, mencionou César Araújo. «Mas precisamos de muitas Polopiqué, de muitas Riopele, de muitas Calvelex. Precisamos destas empresas que têm músculo, que possam verticalizar o seu negócio e ir do produtor ao consumidor», resumiu, sobretudo porque, em comparação com os concorrentes internacionais, não-europeus, há uma diferença de tamanho considerável. «Se tivermos em conta que uma empresa passa a grande empresa só pelo facto de ter 250 trabalhadores, como é que uma micro ou uma pequena empresa vai competir a nível europeu ou a nível mundial?», interrogou.

Chegar ao consumidor

Esta ideia de chegar ao consumidor, igualmente apresentada por Luís Guimarães, que indicou que «Portugal, para fazer reindustrialização nesta área, como em muitas outras, precisa de ter os seus canais de distribuição», foi repetida por Luís Onofre, empresário e presidente da APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos. «Precisamos de marcas portuguesas com visibilidade global e é isso que eu acho que falta ainda no nosso sector da moda, é podermos ter alguns players importantes que possam definir também estratégias de moda, que sejam vistos, e que Portugal seja visto de uma vez por todas como um país não só [como] produtor de produtos de exceção e de qualidade», referiu.

Luís Onofre [©ECO/Hugo Amaral]
Durante os últimos meses, afetadas pela pandemia – que deverá levar a uma quebra de 20% na produção de calçado em Portugal – «as pessoas têm-se agarrado praticamente ao private label como a única salvação, o que pode ser perverso a médio prazo», acredita Luís Onofre.

O presidente da APICCAPS destacou ainda a necessidade de internacionalização dos negócios e dos respetivos apoios, nomeadamente através da ligação com a AICEP, da criação de um verdadeiro banco de fomento e da revisão do Sistema de Preferências Generalizadas (SPG) durante a presidência portuguesa da UE.

Resposta governamental

Um tema abordado pelo Ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, que revelou que «a ideia de que na revisão do Sistema de Preferências Generalizadas temos que avaliar a forma como cada um dos países cumpre os standards ambientais e sociais europeus está muito em cima da mesa». O Ministro assinalou ainda que «muito em cima da mesa [está] a convicção de que o enorme investimento em inovação, investigação e desenvolvimento que tem que ser feito para que as nossas indústrias recuperem a liderança tecnológica e ambiental precisa de apoios públicos».

Pedro Siza Vieira [©ECO/Hugo Amaral]
Quanto aos apoios provenientes da UE para fazer face à pandemia, Pedro Siza Vieira disse que os mesmos serão focados não só no «estímulo imediato da atividade económica» mas também «naquilo que são as prioridades estratégicas para a nossa competitividade e prosperidade futuras: a transição digital, a transição climática e autonomia estratégica, a resiliência, designadamente da nossa indústria», enumerou. E, por isso, «o sucessor do Portugal 2020, se quiserem o Portugal 2030, vai continuar a apoiar o investimento empresarial, a qualificação dos nossos recursos humanos, a nossa ciência e a nossa investigação».

O Ministro de Estado e da Economia anunciou ainda uma nova linha de crédito para a indústria exportadora, lançada no âmbito do Banco Português de Fomento, e um «grande impulso fiscal» que deverá impactar a próxima década. «Os prejuízos fiscais gerados no exercício de 2020 e de 2021 vão poder ser integralmente recuperados ao longo de 12 anos. Isto significa que os prejuízos que as empresas têm este ano e no próximo vão poder, sem limites, abater ao lucro tributável dos próximos 12 anos», destacou, sublinhando que «diria que é provavelmente a maior redução de impostos às empresas que vimos nas últimas décadas provavelmente por esta via».