O novo estudo “’Made in Ethiopia: Challenges in the Garment Industry’s New Frontier”, realizado pelo Centro Stern para Negócios e Direitos Humanos da Universidade de Nova Iorque e divulgado pelo just-style.com, apela às marcas e retalhistas que tomem medidas para alinhar as suas práticas negociais com a realidade da Etiópia. O relatório refere que a estratégia do país para atrair investimento internacional na produção de vestuário não tem em consideração as condições de trabalho dos etíopes. O estudo tem como base uma análise ao Parque Industrial de Hawassa, que se situa a cerca de 225 quilómetros a sul da capital da Etiópia, Addis Abeba.
O Parque Industrial de Hawassa, um dos cinco parques governamentais, emprega atualmente 25 mil trabalhadores e espera alcançar, a médio prazo, os 60 mil funcionários. Neste espaço são produzidos artigos para marcas e retalhistas como a Levi Strauss, Guess, PVH, H&M e Hanesbrands.

A Etiópia não tem definido um salário mínimo para o sector privado e o relatório revela que os trabalhadores – na sua maioria mulheres – recebem cerca de 26 dólares por mês (cerca de 23 euros). Além do salário, a formação é igualmente diminuta, tendo normalmente a duração de duas semanas.
O relatório também destaca que existem grandes diferenças culturais entre os elementos de gestão das empresas – muitos dos quais provenientes da Ásia – e os trabalhadores das mesmas, além de um «reduzido movimento sindical». O relatório indica que «apenas uma mão cheia» das 21 empresas localizadas no parque contam com conselhos de representação dos trabalhadores totalmente funcionais.
«O plano da Etiópia de se tornar uma nação exportadora de vestuário reside, em grande parte, no pressuposto de que os trabalhadores aceitam um salário extremamente baixo, de 26 dólares por mês, o que não chega para sobreviver, nem na Etiópia» explica Paul Barrett, vice-diretor do Centro Stern para Negócios e Direitos Humanos da Universidade de Nova Iorque. «Em vez da mão de obra cumpridora e barata promovida pelo governo, as marcas internacionais encontraram trabalhadores insatisfeitos com a sua remuneração e condições de vida, que estão cada vez mais dispostos a protestar, a pararem de trabalhar e até a despedirem-se», acrescenta.
No primeiro ano de funcionamento do parque, em 2017, as empresas tiveram que substituir 100% dos trabalhadores, aumentando os custos de formação e diminuindo a produtividade. «Deste ponto de vista, na verdade, produzir uma t-shirt básica em Hawassa é mais caro do que no Bangladesh. A mão de obra da Etiópia tornou-se consideravelmente mais cara do que o governo inicialmente anunciou», admite um especialista citado no relatório.

Em março, o just-style.com deu conta que os trabalhadores do Parque Industrial de Hawassa estiveram em greve, num protesto contra os baixos salários, as condições de trabalho precárias e a exposição a abusos sexuais e mesmo raptos. Ao mesmo tempo, a plataforma Mywage.org/Ethiopia e a confederação sindical da Etiópia publicaram os resultados de um inquérito que revelou que 90% dos trabalhadores de 52 empresas do país recebiam um salário insuficiente para subsistência.
«As marcas podem atenuar estes problemas ao alinharem as suas práticas negociais com a realidade da Etiópia», garante Dorothée Baumann-Pauly, diretora de investigação do Centro Stern para Negócios e Direitos Humanos da Universidade de Nova Iorque. «Estabelecer compromissos a longo prazo, investir em formação e a disponibilização de benefícios não financeiros como alimentação, transporte e subsídios de alojamento podem ajudar a aumentar os atuais níveis de eficiência e, eventualmente, conduzir a salários mais elevados», defende.
As recomendações
Entre as principais recomendações, o relatório sugere ao governo que estabeleça um salário mínimo. Para os autores do estudo, o primeiro-ministro, Abiy Ahmed Ali, deve também aplicar as suas «capacidades políticas» para diminuir a potencial violência que pode ameaçar os parques industriais.
Para as marcas e retalhistas, o relatório advoga que haja uma maior aposta na formação e a construção de dormitórios para os trabalhadores, de forma a aumentar a produtividade.
O que dizem as marcas
O portal just-style.com questionou as marcas citadas pelo relatório. Um porta voz da H&M declara que a presença da retalhista na Etiópia «tem um impacto positivo, contribuindo para o tão necessário crescimento económico no país. Desde que começámos a aprovisionar da Etiópia, em 2013, foram criados cerca de 18 mil postos de trabalho. Contudo, como empresa, temos que garantir que o crescimento é sustentável e contribui para um desenvolvimento positivo. Estamos a construir parcerias de longo prazo com os fornecedores, tanto na Etiópia como noutros países», assegura. O responsável adianta que a H&M trabalha atualmente com nove empresas na Etiópia e que volume de produção no país é muito reduzido. «Para lidar com os desafios da indústria têxtil da Etiópia, é essencial que haja um compromisso e colaboração entre o governo, as marcas, os investidores e as organizações não governamentais. É por isso que temos o nosso próprio escritório em Addis Abeba», esclarece.

Por sua vez, um porta-voz da Hanesbrands afirma que a empresa está comprometida «em ser líder na indústria no que diz respeito a práticas laborais e éticas. A Hanesbrands está atualmente a aprovisionar uma quantidade muito baixa de t-shirts, uma fração de 1% do nosso volume total, de um fornecedor na Etiópia, para testarmos a viabilidade de produzir vestuário no país».
Embora a Gap Inc tenha sido mencionada no relatório, a retalhista norte-americana garantiu ao just-style.com que não aprovisiona atualmente na Etiópia e que já fez chegar a informação aos autores do estudo, para que corrigissem os dados. A Levi Strauss não comentou o assunto a tempo da publicação do artigo, enquanto a Guess, o grupo PVH e a The Children’s Place não responderam às questões colocadas pelo just-style.com.