«Quando abrisse o mercado, tínhamos que estar preparados»

Na busca por uma cada vez maior sustentabilidade, a Carvema investiu nos últimos anos cerca de 4 milhões de euros. Uma estratégia que será para manter, revela o administrador José Carvalho, até porque o objetivo é tornar a empresa cada vez mais sustentável e alinhada com os princípios da indústria 4.0.

José Carvalho

Afetada pelo impacto da pandemia, a Carvema está agora, como muitas empresas nacionais, numa fase de recuperação. Embora o impacto tenha sido reduzido nas vendas da marca própria de malhas Bloomati by Carvema, que deverão ficar estabilizadas face ao ano passado, a empresa espera uma queda «natural» no volume de negócios este ano. Além do horizonte a curto prazo, a empresa está também a preparar-se para o futuro.

Como foram estes últimos meses para a Bloomati by Carvema?

Os últimos meses até não foram maus, por uma razão muito simples: conseguimos ir à primeira feira, à ISPO Munich. Depois tínhamos outras feiras marcadas, mas foram todas adiadas e continuam a ser. Apesar disso, conseguimos novos contactos. Por exemplo, a Munich Fabric Start pediu-nos amostras, nós mandámos e eles escolheram e colocaram no catálogo online aquelas que acharam por bem e, a partir daí, divulgaram. Tivemos algumas encomendas através dessa plataforma, de pessoas que estavam à procura, viram, contactaram-nos diretamente a pedir amostras e, mais tarde, colocaram o pedido. Como trabalhamos com o sustentável, com o orgânico, e tínhamos já clientes, que também fizeram algumas encomendas, continuámos a trabalhar.

Não pararam nem durante o confinamento?

Não parámos. Em termos de Carvema, houve um período em que a faturação diminuiu significativamente, porque inclusivamente algumas das empresas com quem trabalhamos tiveram que fechar. Neste momento estamos a laborar a 100%. Agora, o que aí vem no futuro, não me perguntem. Sou, por norma, uma pessoa otimista, até bastante otimista. Este surto, como é lógico, veio prejudicar a economia, não podemos voltar a parar, e nisso concordo perfeitamente – voltar a um confinamento é matar a economia de uma vez por todas. Aliás, nota-se que Espanha está com um problema grave e França também e ninguém parou, nem para. Não há a mínima hipótese quanto a isso. Por isso, nós continuamos a fazer a nossa coleção e a enviá-la para os nossos clientes.

O que pode destacar desta nova coleção da Bloomati by Carvema?

Continuamos a trabalhar no sustentável, no orgânico, temos outro tipo de fibras, como o cânhamo e o bambu. Procuramos saber o que está a ser feito e o que é que há de novo, ver junto dos nossos fornecedores de malha o que é que eles estão a desenvolver, em termos do sustentável, e, a partir daí, também procurar, com os nossos fornecedores de produtos, criar coisas novas. Por exemplo, temos neste momento acabamentos especiais com aroma de mentol e floral. Quando as pessoas vestem as peças feitas com estas malhas, com o andar o aroma vai saindo. Agora estamos à espera que haja novos produtos.

E quanto aos antibacterianos, não são uma aposta forte nesta altura?

Quase todas as nossas coleções têm antibacterianos. Houve procura e nós vendemos.

A situação com o vírus está novamente a agravar-se.

Já era de prever, porque é natural que, após um confinamento, em que as pessoas estiveram em casa, na sua redoma de vidro, quando saíssem para retomar o trabalho e as suas atividades, era natural que a segunda vaga viesse a aparecer. Temos que encarar isto, mas tem que haver uma determinada serenidade. Cada um tem que olhar por si. Nós tivemos o cuidado de, antes dos empregados irem de férias, fazer uma carta a explicar que eles tinham que ter determinados cuidados, porque era imperativo que o regresso em setembro corresse bem. Em termos de empresa, no regresso, medimos a temperatura, colocamos soluções alcoólicas, obrigatoriedade de uso de máscaras para evitar que houvesse problemas.

Se um indivíduo tiver 37,5 ºC de temperatura, vai para uma sala de confinamento e a nossa médica do trabalho tem que ver a evolução. Se apresentar 38 ºC ou mais, ligamos para o Sistema Nacional de Saúde e fazemos o que nos disserem. Quanto mais não seja, vai para casa de quarentena. É ter cuidado. Eu sou uma pessoa de risco. Claro que nada me diz que não esteja à beira de uma pessoa que esteja infetada e seja assintomática, mas não posso ter medo. Quem tem medo fica em casa e não ia ficar em casa o ano inteiro. É uma situação para a qual acho que a Europa não estava preparada, mas deu uma boa resposta. Tentaram e continuam a tentar fazer o melhor que podem e que sabem. É novo. E nós, em termos de têxtil e de serviços, temos que nos adaptar a esta realidade.

Sem feiras, como está a ser feito o contacto com os clientes? Por telefone e email?

Sim, mas também tivemos na semana passada uma alemã que veio cá para fazer uma coleção de desporto para o cliente dela e esteve na empresa a escolher malhas e a ver se podíamos arranjar uma confeção. Arranjámos uma confeção e vamos gerindo a situação.

Em termos de mercados, há alguns que estejam a recuperar mais rapidamente?

O mercado alemão é o mais importante neste momento e nota-se que há uma recuperação, muito mais rápida até, porque, não quer dizer que sejam melhores, mas eles tomam decisões. Para já, é um país que não precisa de UE para aprovar os 750 mil milhões de euros e mete 950 mil milhões de euros na economia, está numa liga dos campeões à parte. E isso reflete muito aquilo que eles são. Se for preciso isolar uma aldeia, uma vila, uma cidade, eles isolam, pura e simplesmente. No entanto, a economia deles não deixa de funcionar e isso é diferente relativamente a Espanha, a França e a Itália.

A Bloomati tem colocado o foco na sustentabilidade. Que iniciativas procura desenvolver nesse sentido?

Além das matérias-primas, os nossos tingimentos e acabamentos são feitos na Carvema, e nós temos ETAR, temos a certificação Oeko-Tex, trabalhamos com o GOTS… Os nossos produtos são ambientalmente sustentáveis. Agora vamos produzir energia. Aliás, já tínhamos produção de energia através de cogeração, com outra empresa, e agora temos a empresa toda com painéis solares, em que uma parte vamos consumir nós e outra parte vamos vender à rede. Vamos consumir dentro de uma determinada medida porque, para alimentar todas as nossas máquinas, segundo o nosso técnico de eletricidade, precisávamos de 10 campos de futebol em painéis solares, o que é incomportável. Seria um investimento de oito a nove milhões de euros e ainda tínhamos que arranjar terreno. Com este investimento, vamos consumir 30% a 40% da energia produzida e o resto vai ser vendido.

Quando vai ser implementado esse projeto de energia solar?

Está tudo preparado, estamos só à espera da autorização da Direção-Geral de Energia e Geologia para começar a produzir.

Qual foi o valor desse investimento e em quanto tempo prevê o seu retorno?

Foi à volta dos 500 mil euros e deve demorar 10 anos.

Em termos de equipamentos, também tem havido essa preocupação com a eficiência energética?

Sim, foi um investimento que fizemos nos últimos três anos, que rondou os três milhões e meio de euros. Foi um investimento ao abrigo do Portugal 2020.

Ainda têm projetos no âmbito do Portugal 2020?

Sim. Temos um que é a nível das coleções e também para a empresa, em termos da localização geográfica das encomendas. Temos apostado em máquinas mais sofisticadas e também, e cada vez mais, nas tecnologias de informação. Agora vamos ver o que vai ser o Portugal 2030. Antes do [António] Costa Silva ter falado, eu já tinha informação que o plano iria ser muito focado nas energias renováveis, na sustentabilidade, nas tecnologias de informação e também na recuperação a nível de águas e do calor e, provavelmente, é esse tipo de situação que nós vamos ver agora para investir. Estamos sempre à procura de maneiras de tornar a empresa ainda mais sustentável.

Quantas pessoas trabalham na Carvema?

Trabalham 150. Não houve despedimentos e as pessoas receberam tudo por inteiro, incluindo férias.

Não recorreram ao lay-off?

Houve dois meses em que fizemos lay-off parcialmente, de dois dias por semana, e depois houve um mês ou mês e meio em que fizemos lay-off de um dia, oito horas.

Qual foi o volume de negócios em 2019?

Foi um ano bom. Quase oito milhões de euros.

Com os dados que tem hoje, prevê uma queda do volume de negócios para o corrente ano?

Em termos de Bloomati, não vai haver quebra. Em termos de Carvema, é uma quebra perfeitamente normal. Se os países estavam fechados, os nossos clientes trabalhavam para quem? Os nossos clientes são sempre clientes exportadores e tiveram efetivamente que fechar. Mas o que fui dizendo aos meus sócios foi que, quando abrisse o mercado, tínhamos que estar preparados, porque os nossos clientes iam apanhar todas as encomendas e é isso que está a acontecer. Eles estão a colocar encomendas e a pedir para ontem. Mas depende muito do que acontecer em outubro, novembro e dezembro. As encomendas estão a cair mais em cima, porque são os meses fortes, e vamos ver como vai ser, mas é lógico que vai haver uma quebra na faturação.

Que perspetivas tem para 2021?

Em relação ao próximo ano não faço futurologia, sinceramente não faço. Até porque este ano, em janeiro, estava a falar com os bancos sobre como o ano anterior tinha sido espetacular, estávamos todos contentes porque o ano estava a começar bem e, de um momento para o outro, kaput. Isto é uma situação muito sui generis, que não tem explicação, por isso vamos ver. Costumo dizer que houve uma altura em que as empresas portuguesas entraram em modo de sobrevivência e agora estão em modo de recuperação. Uma recuperação que pode ser lenta. Os números da OCDE apontam, para 2021, para uma recuperação muito boa – até acho que eles foram mais otimistas que eu e eu sou otimista –, mas vamos ver.