A Comissão Europeia (CE) acaba de aprovar uma proposta negocial que será apresentada na próxima conferência interministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), a realizar em Setembro no México, que prevê a redução em 50 por cento dos direitos aduaneiros dos produtos não agrícolas, incluindo os produtos têxteis e de confecção o que surpreendeu a ITV portuguesa e espanhola, merecendo os votos contra dos representantes destes dois países. A polémica causada reside em vários factores. Analisando a situação actual, a maior parte dos países terceiros, como a China, o Paquistão, a Índia e mesmo os EUA, mantêm elevados direitos aduaneiros para produtos têxteis e de confecção, chegando a ultrapassar os 30 por cento ou 40 por cento, enquanto que para os mesmos produtos, os direitos aduaneiros da UE são os mais baixos do mundo (0 por cento nas fibras, 4 por cento nos fios, 8 por cento nos tecidos e 12 por cento no vestuário, malhas e têxteis-lar). Sendo aprovada a proposta, para muitos dos produtos têxteis, os direitos aduaneiros vão se situar em 0 por cento e para os produtos de vestuário, malhas e têxteis-lar vão-se situar em 6 por cento. A reacção do sector é perfeitamente justificada , por considerarem que a CE não salvaguardou o princípio da reciprocidade, isto é, sem que os países terceiros beneficiados façam reduções idênticas, declarou Luísa Santos, directora de relações internacionais da APT, ao JT. José Alexandre Oliveira, presidente da APT também salientou que o que queremos não é proteccionismo, é reciprocidade. Além desta questão, a proposta admite mesmo a concessão de tratamento especial aos países em vias de desenvolvimento se estes invocarem dificuldades em aplicar o mecanismo de redução e harmonização de direitos aduaneiros proposto pela CE. Deve-se advertir que no caso de países, como a Tunísia, Marrocos, Roménia e Turquia, mais de 50 por cento das suas exportações totais correspondem a produtos têxteis e de confecção com destino à UE. Luísa Santos não quis deixar de chamar a atenção do apoio que sempre receberam por parte do governo português nesta fase negocial e que a ITV portuguesa não deve culpar unicamente a CE, mas também todos os outros estados membros que votaram favoravelmente. Numa atitude pouco europeísta , estes países só pensaram nos seus próprios interesses, uma vez que grande parte deles, sobretudo os do norte da Europa, não têm qualquer interesse no sector. A liberalização total do comércio em 2005 provocará grandes alterações do comércio internacional como já está sucedendo no caso da China, após o seu acesso à OMC. Assim a ITV portuguesa e espanhola considera ser essencial avançar com muita prudência nesta negociação. Luísa Santos adiantou que a proposta abrange todos os sectores, sublinhando, no entanto, que a ITV é que suscita maior preocupação, pois é o sector que tem os direitos mais elevados. «A situação é muito preocupante face ao poderio incrível que países como a China, Paquistão, Índia, Malásia ou Tailândia têm no sector dos têxteis e vestuário», admitiu a directora de relações internacionais da APT, alertando para o facto que não se deve pensar que a concorrência destes países se faz, apenas, nos produtos mais básicos: «A China está a apostar fortemente no desenvolvimento da sua indústria têxtil e a aumentar em muito a qualidade dos seus produtos. Ainda não chegou ao nosso nível mas rapidamente chega. Segundo o estudo da Kurt Salmon Associates e do BPI de 2000 sobre o impacto da liberalização do comércio mundial de têxteis e vestuário a partir de 2005, previa-se o fecho de 700 a 800 fábricas e a perda de 80 a 100 mil postos de trabalho. Hoje, a APT considera estes números «optimistas», dada a alteração do cenário. O estudo não considerou, por exemplo, a liberalização total para os países menos desenvolvidos, o acordo bilateral UE_Paquistão (têxteis-lar) ou a valorização do euro, nem com esta redução de direitos. Em relação à inevitável solução de deslocalização, José Alexandre Oliveira salientou que era previsível que Portugal não ia manter a quota que tinha, mas não se pode aceitar que devido à maior concorrência via preço, a empresa perca o cliente. Podemos produzir o básico noutro lado, mas mantendo sempre o cliente. Luísa Santos considerou que a única solução é lutar por contrapartidas, atitude que reside na obtenção de garantias de reciprocidade em países como a Índia ou o Paquistão, que garanta novos destinos para os têxteis nacionais. A proposta já seguiu para a OMC e deverá ser um dos dossiers da próxima ronda negocial agendada para Setembro. Portugal espera agora pela conferência marcada para os dias 5 e 6 de Maio, em Bruxelas, que pretende ser uma grande convenção internacional com representantes de países industrializados e em vías de desenvolvimento, associações, empresários, sindicatos e consumidores, com o objectivo de debater a ITV e o acesso aos mercados. Contará com a presença do comissário europeu do Comércio, Pascal Lamy, mas segundo o jornal Público, o discurso do comissário não está a gerar grande expectativa, porque, aquando das concessões feitas pela CE ao Paquistão durante a ofensiva militar norte- americana no Afeganistão, Lamy, face à reivindicação feita por países como Portugal, de redução por parte dos países terceiros de direitos para 15 cento, considerou-a proteccionista. Neste contexto, convém assinalar que as concessões referidas provocaram o aumento em 150% das importações de roupa de cama do Paquistão nos 9 primeiros meses de 2002, com uma redução do preço na ordem dos 20%. Nessa reunião, até como membro do CA da Euratex, vou expôr a nossa preocupação relativamente a esta matéria, adiantou José Alexandre Oliveira ao JT. O grande receio do sector é que a UE, a exemplo do que já fez noutras ocasiões, resolva avançar com a implementação desta medida unilateralmente, para acelerar o processo negocial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), funcionando a ITV como moeda de troca do sector agrícola ou que a implemente desde já nas negociações dos acordos bilaterais em curso, designadamente com a Índia. Relativamente às reacções espanholas, podemos dizer que estão em absoluta consonância com as portuguesas. O Conselho Intertextil Espanhol (CIE) lembrou que a ITV já havia sido utilizada como moeda de troca em negociações anteriores, e em comunicado exige agora uma negociação sectorial baseada na harmonização dos direitos aduaneiros e na reciprocidade. Consequentemente, reclama que a UE proponha à OMC que os direitos aduaneiros de todos os países que a compõem não supere em nenhum caso o valor de 3,5 por cento para os fios, 7 por cento para os tecidos e 9 por cento para a confecção e têxtil-lar. O CIE também recorda que em 13 de Dezembro de 2002, Pascal Lamy reuniu-se com o comité executivo da CIE. Nessa reunião o comissário, considerando o têxtil como um sector de futuro, afirmou que a UE demonstrava uma posição ofensiva nas negociações com a OMC, apostando numa abertura contra abertura, com o objectivo de reduzir os direitos aduaneiros mais altos, de forma a procurar-se uma situação mais equilibrada. O comissário também destacou que devido ao impacto industrial e social que poderia originar uma supressão de quotas, prejudicando especialmente certas empresas e regiões, a CE tinha em estudo a adopção de possiveis medidas que ajudem a fazer frente à situação referida, afirmando que neste processo de reflexão qualquer proposta será bemvinda. Perante os factos mais recentes, o CIE só pode concluir que a proposta negocial em causa contradiz totalmente as garantias dadas anteriormente ao sector pela CE, através do comissário Pascal Lamy, dado que as suas afirmações assumiam um compromisso de propor um tratamento específico para a ITV.