Produtores asiáticos pedem ajuda para cumprir regras da UE

As mudanças no mercado europeu estão a preocupar as empresas asiáticas, que atualmente fazem mais de 70% dos têxteis e vestuário usados na Europa, com a nova legislação a poder significar uma perda de competitividade para a produção na Ásia.

Hirdaramani Group [©Hirdaramani Group]

A Estratégia para os Têxteis Sustentáveis e Circulares da UE impõe que, até 2030, todas as empresas que vendem artigos têxteis – desde tecidos a vestuário, passando por colchões e revestimentos para automóvel, entre outros – tenham de cumprir determinados padrões para poderem ser vendidos no mercado europeu, nomeadamente sejam duráveis, não usem substâncias perigosas e incluam fibras recicladas.

Os direitos humanos têm igualmente de ser protegidos em todas as fases da cadeia de aprovisionamento e os produtores são responsáveis pelo desperdício gerado pelos artigos que fazem, estando proibida a destruição de têxteis não vendidos ou devolvidos.

Para já, a estratégia ainda não é obrigatória, mas os próximos passos são «reformular e atualizar as atuais diretivas e regulamentações para que transmitam o que sugerimos na estratégia», para além de criarmos novas, explica, citada pela Reuters, Pernille Weiss, deputada europeia que foi uma das redatoras da nova estratégia.

As mudanças terão um forte impacto na Ásia, cujos produtores fornecem mais de 70% dos têxteis que circulam na UE. «A nova estratégia é importante», aponta Sheng Lu, professor associado de moda e estudos de vestuário da Universidade de Delaware, nos EUA. «Se as empresas asiáticas querem vender os seus produtos na Europa no futuro, terão de cumprir com os muitos componentes da estratégia», acrescenta.

Um porta-voz da H&M afirmou à Reuters que a retalhista está satisfeita com a nova perspetiva da UE. «A forma como a moda é produzida e consumida precisa de mudar, é uma verdade inegável», referiu. «Apoiamos os esforços que têm como objetivo progredir para uma indústria da moda mais sustentável», acrescentou.

A gigante sueca aprovisiona-se em 1.183 fábricas de nível um, que empregam 1,3 milhões de pessoas, a maior parte delas mulheres. A H&M indica que está a trabalhar com os seus 605 fornecedores, localizados sobretudo na China e no Bangladesh, para implementar mudanças que permitam que as importações estejam alinhadas com a nova estratégia.

Isso inclui iniciativas como o Fashion Climate Fund, que apoia os fornecedores na transição para energias renováveis, melhoria da eficiência e aumento das práticas sustentáveis. A retalhista também fornece financiamento, através da Green Fashion Initiative, a fábricas que procuram investir em novas tecnologias e processos para reduzir a sua dependência de combustíveis fósseis. Além disso, lançou a iniciativa Sustainable Supplier Facility para outras marcas para co-investirem em projetos que apoiam os fornecedores na sua jornada de descarbonização.

«Há uma necessidade crítica de colaboração entre as marcas que compram a produtores asiáticos e os próprios produtores», revelou a H&M.

Investimentos em curso

De qualquer forma, os países exportadores de têxteis estão conscientes que o tempo está a passar. «A sustentabilidade tornou-se a grande prioridade para a Europa, um dos mercados de exportação mais importantes para o vestuário da Índia», aponta Naren Goenka, presidente do conselho de administração do Apparel Export Promotion Council da Índia. O país exportou 4,8 mil milhões de dólares de têxteis para a UE só nos primeiros 10 meses de 2022. «É tempo da Índia se preparar – a sustentabilidade já não é uma escolha para nós», acrescenta.

Algumas empresas no país já fizeram avanços nessa direção. A Chetna Organic, uma cooperativa agrícola em Yavatmal, no oeste da Índia, tem vindo a cultivar algodão orgânico sem a utilização de químicos sintéticos ou pesticidas desde 2004. Atualmente, abrange mais de 15 mil famílias de agricultores.

Hirdaramani Group [©Hirdaramani Group]
No Sri Lanka, a produtora de vestuário Hirdaramani Group conseguiu atingir emissões zero de carbono na sua divisão de produção e está atualmente a trabalhar para reduzir em 50% o seu consumo de água, ao mesmo tempo que aumenta a utilização de matérias-primas sustentáveis em 80% até 2025.

A Ramatex, sediada em Singapura, que produz sportswear em fábricas por toda a Ásia para marcas como a Nike e a Under Armour, faz parte de um programa de investigação promovido pela associação sem fins lucrativos Forum for the Future que está a pesquisar como produzir vestuário que não liberte microfibras.

Em Taiwan, a produtora têxtil Yee Chain está a trabalhar com os seus clientes de sportswear para perceber como reduzir os resíduos de tecidos no processo de produção de calçado, que pode representar a destruição de até 2 milhões dos 48 milhões de pares de calçado que produz anualmente.

«Obviamente que a produção tem de ser melhor», sublinha Martin Su, diretor de sustentabilidade da Yee Chain. «Há muitas coisas que podem ser feitas de uma forma menos poluente ou usando menos recursos e energia», acrescenta.

Financiamento precisa-se

Estas empresas são, contudo, a exceção e não a regra. «Há alguns vislumbres no horizonte, produtores que investiram em novas tecnologias e que estão a correr bem», indica Nicole van der Elst Desai, especialista em inovação têxtil sediada em Singapura que é consultora no Forum for the Future. «Mas penso que na maioria vemos que ainda não foram tão expostos e têm feito negócio da forma natural», acrescenta.

Uma das principais dificuldades para responder aos novos requisitos da União Europeia é ter conhecimento suficiente, destaca. «Os produtores têm primeiro de perceber como podem contribuir proactivamente para reduzir o impacto da indústria», realça.

Isso inclui discernir que matérias-primas são sustentáveis e adequadas para serem utilizadas, como as aprovisionar e criar cadeias de aprovisionamento, que tipo de maquinaria é necessária para as processar e transformar em têxteis, como escalar e, por fim, como descartar os têxteis de forma apropriada no final de vida. Além disso, os produtores terão de digitalizar certas partes das suas operações, como melhorar os sistemas de recolha de informação para responder às necessidades de transparência da cadeia de aprovisionamento.

Sheng Lu sublinha que fazer a transição para um modelo de negócio circular vai exigir aconselhamento técnico e financeiro, assim como apoio legal para «interpretar as novas regulamentações».

O outro desafio é o financiamento. De acordo com uma estimativa de 2020 da Fashion for Good e do Boston Consulting Group, transformar a indústria de 2 biliões de dólares vai exigir 20 a 30 mil milhões de dólares em financiamento por ano.

O Green Climate Fund, apoiado pelas Nações Unidas, forneceu desde 2020 quase 350 milhões de dólares em empréstimos para ajudar produtores de têxteis e vestuário no Bangladesh a adotarem tecnologias eficientes em termos energéticos, como painéis solares.

Mas o estudo da Fashion for Good sublinha que as empresas de moda devem desenvolver e comercializar inovação em soluções circulares. Atualmente, a investigação e desenvolvimento da indústria representa apenas menos de 1% das vendas.

Green Machine [©H&M]
A H&M tem vindo a investir na Ásia. Em 2016, a retalhista fez uma parceria com o Hong Kong Research Institute of Textiles and Apparel (HKRITA) para desenvolver uma Green Machine, uma tecnologia capaz de separar algodão e poliéster de têxteis com misturas, que são comuns em vários tipos de roupa, à escala e sem perda de qualidade. O processo usa calor, água, pressão e um químico biodegradável para a separação, recuperando mais de 98% das fibras de poliéster em menos de duas horas.

Em 2020, a Kahatex, a maior produtora têxtil da Indonésia, começou a usar a Green Machine, e, um ano depois, seguiu-se a produtora de denim ISKO, sediada na Turquia. «O sistema está a ser escalado na Indonésia e na Turquia, com planos para múltiplos sistemas em diferentes localizações», revela Edwin Keh, CEO do HKRITA, que adianta que o Camboja é outra possível localização.

Contudo, destaca, usar materiais reciclados ou aprovisionados de forma sustentável é muito mais dispendioso do que o poliéster, pelo que incorporar materiais sustentáveis pode fazer subir os custos para os produtores asiáticos, o que pode diminuir a sua vantagem competitiva.

Edwin Keh acredita que, sem a vantagem dos preços baixos, os retalhistas europeus podem voltar-se para o sourcing de proximidade, colocando as cadeias de aprovisionamento mais perto dos mercados finais. «Lugares como a Turquia ou qualquer um dos países da Europa de Leste, que não são os mais baratos, mas são mais europeus, o que será mais fácil de lidar para os fornecedores», indica.

«Os fornecedores asiáticos são muito bons a fazer produtos baratos em grandes quantidades. Mas na nova era em que estamos a falar de slow fashion, os consumidores podem querer menos produtos em pequenas quantidades, mas que usam mais matérias-primas sustentáveis, o que significa que os países asiáticos podem já não ser o lugar ideal para aprovisionar produtos», conclui Sheng Lu.