O estudo, realizado pela Greenpeace, a Environmental Paper Network, a Auriga Nusantara, a Rainforest Action Network e a Woods & Wayside International, acusa o Grupo Royal Golden Eagle (RGE), o maior produtor mundial de viscose e grande produtor de papel, de depender de desflorestação, apesar de ter assumido um compromisso de não-desflorestação.
O documento revela ainda a existência de uma cadeia de empresas offshore de fachada, alegadamente controladas pelo Grupo RGE, que estão por detrás de uma nova megafábrica de celulose no Kalimantan do Norte que coloca em risco algumas das maiores florestas tropicais remanescentes do mundo.
«O Grupo RGE e as suas subsidiárias APRIL, Sateri, Asia Pacific Rayon e Asia Symbol prometeram ter eliminado a desflorestação das suas cadeias de aprovisionamento, mas este relatório mostra que a promessa não foi cumprida», sublinha Sergio Baffoni, coordenador sénior de campanha da Environmental Paper Network. «Pessoas comuns em todo o mundo estão a usar os produtos destas empresas no dia a dia: a viscose está no vestuário de marcas de moda globais, as embalagens de papel em supermercados e os produtos de higiene nas nossas cozinhas e casas de banho», acrescenta.
«O papel do RGE na destruição da floresta só é possível por aqueles que a financiam e desculpam as suas práticas destrutivas», salienta Tom Picken, diretor de campanha para florestas e finanças da Rainforest Action Network. «Os 15 principais bancos da RGE injetaram mais de 5 mil milhões de dólares nas operações do grupo no sector florestal desde 2016. Por exemplo, o Mitsubishi UFJ Financial Group forneceu mais de 430 milhões de dólares, apesar do banco ter políticas contra o financiamento da desflorestação. Ao mesmo tempo, o Forest Stewardship Council está a fazer pressão para trazer a APRIL de volta ao sistema FSC, apesar desses vínculos com a desflorestação em curso. Esses bancos e outros facilitadores devem parar de ignorar deliberadamente o desmatamento que continua a fazer parte do modelo de negócios do RGE», afirma Tom Picken.
Além disso, o estudo analisou registos corporativos para documentar os vínculos do RGE com uma nova fábrica de celulose a grande escala, que a PT Phoenix Resources International está atualmente a construir na ilha de Tarakan, no Nordeste de Kalimantan. «Espera-se que a fábrica de Phoenix impulsione o desenvolvimento de grandes áreas de plantações de monoculturas de madeira para celulose, pressionando as florestas naturais. As áreas mais diretamente em risco incluem partes com mais de 600.000 hectares de floresta tropical em concessões florestais vinculadas ao RGE no sul e oeste de Papua, bem como em concessões de fornecedores do RGE em Kalimantan», indica Syahrul Fitra, da Greenpeace Indonésia. «A procura por madeira para alimentar esta fábrica ameaça as comunidades nessas regiões, bem como a perda de biodiversidade e as emissões de gases de efeito estufa», realça.
«Esta fábrica é um alerta vermelho para uma nova onda de desflorestação à escala industrial, desta vez em Kalimantan e Papua», adverte Syahrul Fitra, acrescentando que «em Sumatra, a procura por madeira de fábricas de celulose em grande escala levou a um desmatamento catastrófico e irreversível. Agora, o mesmo padrão pode repetir-se em Kalimantan, a começar com esta nova fábrica de celulose em grande escala».

RGE nega
O grupo RGE publicou um comunicado em que «rejeita categoricamente» as premissas do estudo e garante que «os grupos comerciais do RGE operam de acordo com o Quadro de Sustentabilidade do RGE, que inclui explicitamente compromissos de não-desflorestação e cada grupo desenvolve e implementa as suas próprias políticas de sustentabilidade consistentes com o seu contexto operacional e quadro geral do RGE. Estas empresas têm também objetivos de sustentabilidade ambiciosos para 2030 que pretendem contribuir para atingir metas nacionais e mundiais em relação ao clima, proteção da natureza e desenvolvimento sustentável».
O RGE considera que as alegações do estudo têm caráter «especulativo», referindo que «nenhum dos argumentos alegados no estudo estabelecem qualquer conexão ou forma de “controlo” das empresas» referidas.
Especialistas preocupados
Laurie Parsons, professor da Universidade de Londres que, em 2021, foi coautor de um estudo que ligava marcas como a H&M, Levi Strauss e Ralph Lauren, à desflorestação no Camboja, considera, em declarações ao Sourcing Journal, que as conclusões deste novo estudo, se se confirmarem, são «mais uma demonstração clara» de como cadeias de aprovisionamento longas e complexas minam os esforços para atingir o consumo sustentável.
«Desflorestação zero é um compromisso básico na maior parte dos sectores, do vestuário aos materiais de construção, mas é ainda muito comum encontrar desflorestação a grande escala nestas cadeias de aprovisionamento de uma forma que quase se qualifica como um segredo aberto», indica. Com a desintegração da produção completa, «as principais empresas não assumem responsabilidade legal pelos seus parceiros fornecedores, o que significa que ninguém faz uma verdadeira supervisão de toda a cadeia de aprovisionamento de um determinado bem», acrescenta.
«Os dias da viscose proveniente de florestas biodiversas e de elevado carbono tem de ter ficado para trás», afirma ao Sourcing Journal, considerando que este novo estudo é «preocupante» e «sublinha o imperativo de acelerar a transição e a escalada comercial de soluções circulares de baixo carbono de nova geração».
Segundo Nicole Rycroft, a Canopy vai ainda analisar estas alegações em relação ao RGE, à Sateri e à Asia Pacific Rayon, numa altura em que está a trabalhar no estudo Hot Button 2023, que deverá ser publicado nos próximos meses.
«À medida que mais florestas são protegidas para estabilizar o nosso clima e biodiversidade e os recursos florestais se tornam mais limitados por causa da regulamentação, da concorrência na utilização e incêndios florestais, parece que a dependência contínua dos fornecedores de fibras provenientes da floresta irá gerar cada vez mais controvérsia», conclui a diretora-executiva da Canopy.