Procuramos ser os melhores»

Grande entre as grandes empresas nacionais, e inclusive internacionais, a Somelos soube antecipar-se às mudanças provocadas pela globalização do mundo têxtil: em 1990 encetou um processo de reorganização interna que lhe permitiu preparar-se de antemão para a nova ordem do comércio mundial e, no ano transacto, inaugurou uma nova unidade fabril, construída de raiz, no Brasil, que lhe possibilitou a consolidação da sua estratégia de internacionalização e o reforço da sua vocação exportadora. Na véspera da celebração do meio século de actividade da empresa, fundada em 1958 por António Teixeira de Melo, o Jornal Têxtil teve o privilégio de acompanhar Mário Domingues, administrador do grupo Somelos e presidente do conselho de administração da Somelos Tecidos, numa viagem com partida no presente da Somelos e com regresso ao futuro da ITV. Jornal Têxtil (JT) – O grupo Somelos actua hoje numa diversidade de sectores embora o seu core business se mantenha a têxtil.Mário Domingues (MD) – A Somelos SGPS, uma "holding" criada em 1991, agrupa actualmente 16 empresas e conta com 1.500 trabalhadores. Em Portugal dispomos de três fiações, uma tecelagem, uma unidade de acabamentos, uma confecção, uma central de energia eléctrica, 2 empresas de serviços, uma empresa de informática, uma empresa de serviços industriais e técnicos e uma empresa de gestão imobiliária. No Brasil, temos uma tecelagem. E da nossa recente parceria com a TecnoYarn, uma empresa italiana especialista em fios, resultou a constituição de duas novas empresas, uma em Portugal e outra em Espanha. Desde então, temos empreendido um conjunto de acções que nos permitem solidificar esta mudança e dar corpo a esta nova filosofia reinventando todos os anos novas soluções e novos produtos. JT – Quais as principais vantagens que resultaram deste novo modelo de gestão organizacional?MD – Os benefícios obtidos com este modelo de gestão são muito superiores aos custos adicionais que o mesmo possa implicar. Em particular, este modelo permite-nos uma gestão mais directa e responsável e mais próxima do mercado. Com efeito, este modelo organizacional confere-nos uma capacidade de leitura do mercado que não era possível numa empresa vertical, para além de uma maior capacidade e rapidez de decisão e de concretização. Desta forma, conseguimos não só que o mercado estivesse "dentro" da própria organização mas também dar um grande salto em termos de abertura ao exterior e de internacionalização. JT – Como se posiciona hoje a Somelos no mercado?MD – Procuramos operar em nichos de mercado, onde podemos oferecer a nossa criatividade, inovação e moda com um serviço excelente de pequenas séries e prazos curtos, com produtos diferentes e de elevada qualidade. Servimos desta forma uma grande diversidade de clientes com encomendas muito fraccionadas. O leque actual de clientes abarca 58 países distintos espalhados pelos 5 continentes. JT – O que permite esse grande flexibilidade?MD – Uma organização montada com este objectivo e instalações e equipamento adaptados a este tipo de negócio. No caso da Somelos Tecidos, por exemplo, como vendemos maioritariamente a nossa própria colecção, estamos capacitados para responder a pequenas encomendas juntando-as em séries produtivas maiores. JT – Que moda vai "ditar" a Somelos Tecidos para a próxima estação estival?MD – Estamos em linha com uma moda minimalista: fundos brancos, poucas cores combinadas, riscas e quadrados discretos. Em termos de matérias-primas, para além do algodão, privilegiamos o linho e o bambu. Predominam ainda os acabamentos especiais, lavados e raclados, os materiais stretch e os tecidos de camisaria tintos em fio.Ver a colecção da Somelos Tecidos, no mercado actual, é incontornável, o que significa que de alguma forma somos "ditadores" de tendências. JT – Desde 2004, a Somelos Tecidos tem actuado em outros segmentos, para além da camisaria, com reconhecido sucesso.MD – Ao longo de quase 50 anos de actividade, soubemos reunir um leque de competências e acumular experiências que nos permitem hoje propor um look total e único a cada cliente. JT – Qual o actual volume de produção da Somelos Tecidos?MD – Produzimos cerca de 10 milhões de metros de tecido por ano para mais de 1.500 clientes mundiais. Oitenta e sete por cento da nossa produção destina-se à exportação, principalmente para a Europa, onde se destaca a Itália, e ainda para os EUA, países de Leste, Norte de África, Austrália e Nova Zelândia, Hong Kong, China e Macau, Japão, Líbano, Síria,… JT – A Itália é o mercado número 1 da Somelos Tecidos. Quais as características fundamentais para vingar num mercado tão difícil como é o italiano?MD – Para vender em Itália é necessário ser, no mínimo, tão bom como os melhores italianos. Depois, é essencial apresentar uma colecção na vanguarda da moda e oferecer um óptimo serviço, onde se inclui a rapidez e a capacidade de resposta. Temos de primar pela excelência se queremos conquistar o mercado italiano. JT – Quais as feiras incontornáveis para a Somelos Tecidos?MD – São a Milano Unica e a Première Vision Pluriel. Mas participamos também em feiras locais com agentes, nomeadamente em Munique, Barcelona e Tóquio. JT – Em termos de resultados financeiros, que balanço faz do ano que findou?MD – Em 2006, o volume de negócios consolidado do Grupo ascendeu a 75 milhões de euros e os resultados líquidos cifraram-se em 2 milhões de euros. Isto representa um crescimento de 5% comparativamente com 2005, em praticamente todas as áreas de negócio.Podemos afirmar que o ano transacto ficou marcado pelo aumento das vendas, na generalidade das áreas de negócio, pela penetração em novos mercados, pela solidificação da nossa posição nos mercados tradicionais, pelo incremento das vendas no Médio Oriente e pelo início da produção no Brasil. JT – E como "se desenha" 2007? MD – Esperamos incrementar ainda mais o volume de negócios e continuar a nossa estratégia de diversificação de mercados e clientes. Este será também o ano em que podemos chegar à laboração normal na nossa fábrica no Brasil, onde temos uma capacidade de produção instalada de 2 milhões de metros de tecido. E poderá ainda ser o ano de criação duma plataforma comercial com a solidez necessária para que o Extremo Oriente possa vir a ser englobado na nossa estratégia de internacionalização. JT – Qual o objectivo dessa estratégia de deslocalização?MD – Funcionamos numa lógica de proximidade ao mercado como sendo a mais adequada ao desenvolvimento dum negócio que exige rapidez, inovação, diferenciação e qualidade de serviço: em Portugal para servir a Europa, no Brasil para servir a América Central e do Sul… Ao vender para o Extremo Oriente, temos que ponderar que podemos servir melhor este mercado dentro da mesma lógica de proximidade. JT – Como encara a Somelos o fenómeno da globalização?MD – Havia movimentações que já se faziam sentir há algum tempo e às quais fomos fazendo os ajustes necessários que nos permitissem posicionar antecipadamente às grandes mudanças que acabaram por sobrevir e ter uma capacidade de resposta à altura dos novos desafios.Procuramos ser os melhores naquilo que fazemos e estar integrados numa lógica de valor acrescentado e de proximidade ao mercado.O negócio têxtil é global e acreditamos que para ter sucesso é necessário estar presente nos mercados em expansão com a dimensão adequada. JT – … E a concorrência asiática?MD – Não vendemos o que vendem os chineses. Vendemos inovação, moda, criatividade e serviço. Deste modo, não são nossos concorrentes.Em termos de potências, a Índia inspira-nos mais respeito do que a China, pela mentalidade do seu povo, pela proximidade geográfica, pelos hábitos de trabalho, pelo background britânico. Mas, acima de tudo, quer a Índia, quer a China são dois mercados de oportunidades para a Somelos. JT – Que medidas práticas procuram tomar os fabricantes europeus de tecidos para se demarcar da concorrência da Ásia?MD – Grandes fabricantes europeus de tecidos reúnem-se regularmente para debater as questões do sector. O objectivo principal destas reuniões é garantir que a Europa continue a "ditar" a moda. A moda é criada na Europa e para que assim continue é preciso garantir massa crítica com um mínimo de empresas saudáveis e dinâmicas.

JT – A Somelos prepara-se para realizar a sua primeira experiência no retalho. É uma nova aposta que terá continuidade? MD – Trata-se apenas de uma pequena operação em Angola, onde vamos abrir uma loja de venda ao público em colaboração como o estilista Augustus e um parceiro local. Todos os modelos são desenhados pelo Augustus e confeccionados pela Somelos a partir dos seus próprios tecidos. A abertura da loja esta agendada para o próximo ano.Chegar ao retalho de uma forma generalizada nos mercados onde estamos presentes é um movimento que não está nos nossos projectos. Está fora de questão fazer concorrência aos nossos clientes. Esta é apenas de uma experiência pontual a jusante para melhor trabalharmos a montante. JT – Porquê a abertura do capital, ainda que minoritário, a sociedades de capital de risco?MD – O capital da empresa foi aberto às sociedades de capital de risco, PME Capital, API Capital e PME Investimentos. É um processo normal para atrair capitais para projectos interessantes e bem estruturados e foi este o modelo que seguimos para financiar investimentos de 10 milhões de euros em Portugal e no Brasil. JT – Como é possível manter-se competitivo hoje em dia em Portugal?MD – A actividade têxtil é das mais antigas e das mais competitivas do mundo, com elevado grau tecnológico, ao contrário daquilo que se pensa. O sector tem perdido dimensão em Portugal, mas o mercado tem mantido o seu dinamismo. Há meia dúzia de chavões que costumam ser indicados como as grandes soluções para a indústria têxtil e do vestuário (ITV): marcas próprias, design, inovação, I&D, tecnologia de ponta. Sem dúvida, mas é fundamental encontrar um nicho de mercado, no segmento médio-alto, oferecer um serviço excelente, considerar os clientes como parceiros. Há em Portugal várias empresas com este posicionamento.A ITV portuguesa tem vindo a ajustar-se à nova realidade têxtil mundial e terá uma dimensão cada vez menor em termos de emprego mas, não tenho dúvida, que será uma indústria com maior valor acrescentado.