Prego a fundo na digitalização

Os efeitos da pandemia aceleraram a necessidade das indústrias da moda evoluírem num modelo de transição digital, com as associações do vestuário, têxtil, calçado e ourivesaria a darem apoio na digitalização do negócio.

André de Aragão Azevedo

A chegada do novo coronavírus a Portugal, em março último, veio acelerar uma tendência que já se fazia sentir. Como explicou André de Aragão Azevedo, Secretário de Estado da Transição Digital, durante a conferência Transição Digital na Indústria da Moda, «o Covid veio, no fundo, tornar ainda mais premente a noção de que o ritmo da mudança tem acelerado cada vez mais», acrescentando que «estamos confrontados com um novo perfil de concorrentes», que «têm modelos de negócio que são completamente disruptivos», mas que criam oportunidades cada vez mais globais. «Deixamos de ter um âmbito de influência local ou regional e podemos, neste momento, vender para qualquer parte do globo e isso muda a escala e muda a capacidade de pensarmos aquilo que deve ser o nosso posicionamento e a nossa estratégia», afirmou durante a sua intervenção no evento promovido pelo CENIT – Centro de Inteligência Têxtil, ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos e AORP – Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal.

Segundo André de Aragão Azevedo, após a chegada da pandemia, o registo de websites com domínio .pt cresceu significativamente, com um pico de mais 66% no mês de abril, sendo que, no acumulado do ano de 2020, é esperado um aumento de 20%. «As empresas perceberam a urgência de uma adaptação e de uma presença digital no curtíssimo prazo», sublinhou, adiantando que «somos o terceiro país à escala europeia que mais cresce em termos de registos no domínio nacional».

Marlene Oliveira

Contudo, Portugal está ainda atrasado face à concorrência europeia, tanto no domínio empresarial como do consumidor. «51% dos utilizadores de internet fazem compras online em Portugal. Isto coloca-nos ainda num estádio de maturidade do nosso mercado inferior à média europeia, que é de 70%», destacou o Secretário de Estado da Transição Digital. «Temos um gap muito significativo que faz com que estejamos a perder uma oportunidade, que também pode decorrer de muitas das nossas empresas estarem aquém, naquilo que é a sua presença digital, quando comparado com os mercados mais maduros da UE», assinalou.

Para tentarem diminuir esta diferença para os mercados europeus, as associações sectoriais estão a investir em programas para apoiar as empresas a darem o salto ou reforçarem a sua pegada digital.

Com a pausa nas feiras físicas, o CENIT está a apoiar a presença das empresas em certames virtuais e marketplaces digitais, assim como campanhas de marketing digital, gestão de redes sociais e produção de catálogos. «O físico deixou de existir, as feiras prontamente ofereceram soluções digitais para se manter a presença das empresas e das marcas nos respetivos mercados e nós acompanhámos as empresas nesses investimentos», esclareceu Marlene Oliveira, head of international unit do CENIT. «Aliás, o nosso projeto, que foi desenhado em finais de 2017, início de 2018, incorporava desde logo uma dotação muito relevante dedicada aos investimentos no digital, permitindo-nos agilmente mobilizar o apoio para esta nova normalidade de abordagem de mercado», acrescentou.

No caso da APICCAPS, «há dois anos resolvemos lançar um roteiro específico para o digital. Percebemos que o digital tinha ganho um peso significativo que merecia uma atenção particular», justificou João Maia, diretor-geral da associação do calçado.

Um estudo da Universidade Católica para a APICCAPS mostrou que das 1.400 empresas do sector do calçado, 277 têm um website corporativo, 176 dos quais estão em mais de uma língua, 190 empresas têm página do Facebook, 73 têm loja online e 60 marcas estão presentes em marketplaces. «São claramente números que revelam que temos muito para investir no futuro, temos muito que melhorar, temos muito que fazer para chegar e pôr as nossas marcas nos mercados internacionais», garantiu João Maia.

João Maia

A associação definiu quatro eixos estratégicos, que incluem o fabrico inteligente, inovação na experiência do cliente, qualificação de recursos humanos e liderança sectorial. Recentemente, a APICCAPS lançou um novo portal Portuguese Shoes que permite apresentar «de forma eficiente» as empresas online. «Este portal, em conjunto com outras atividades que já fazemos, permitir-nos-á aceder, de forma regular, à base de dados dos clientes internacionais, que será construída pelo tráfego que este portal nos trará. Permitir-nos-á segmentar estes utilizadores e criar campanhas de email baseadas nos seus interesses», revelou o diretor-geral da APICCAPS.

Também a AORP destacou o seu portal Portuguese Jewellery que pretende ser um agregador de informação sobre a joalharia portuguesa, tanto das marcas como dos produtores que trabalham para terceiros. «Temos muita informação dispersa, queríamos concentrar tudo no mesmo local», admitiu a secretária-geral da associação, Fátima Santos. O portal será usado igualmente para aumentar a exposição mediática das joias nacionais, com, por exemplo, a possibilidade de stylists, fotógrafos e editores de moda requisitarem peças para usarem nos seus trabalhos. «Vamos também ter uma parte de e-commerce», anunciou Fátima Santos, que realçou que «este sector, que tem uma base tão tradicional, rapidamente conseguiu fazer aqui uma viragem de engrenagem».

Fátima Santos

Já a ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal lançou, na última edição do Modtissimo, o projeto Sustainable Fashion From Portugal: Fashion Industry’s New Chic que, segundo referiu em comunicado, «tem como principal objetivo aumentar as exportações da Indústria Têxtil e Vestuário (ITV) Portuguesa através do reforço e digitalização dos seus processos de promoção e marketing nos mercados externos, associado ao paradigma da sustentabilidade e da economia circular».

Uma onda tecnológica que muitas empresas estão a implementar, não só ao nível da presença online, mas também ao nível da produção, com soluções nacionais e internacionais que estão, passo a passo, a revolucionar a indústria da moda.