Sustentabilidade e digitalização são dois dos temas incontornáveis da atualidade para a indústria da moda que foram acelerados pela pandemia, como assinalou Pedro Aguiar, marketeer e moderador desta sessão de trabalho que se realizou a 7 de junho, que assinalou a semana europeia do ambiente e se integrou no festival de economia circular Circular Summit e nas celebrações dos 25 anos do Portugal Fashion.
No entanto, sublinhou, «devemos encarar o covid-19 como um acelerador de um processo muito mais importante, muito mais estrutural, que já vinha a acontecer há uns tempos. E daí surge um aspeto importante que, na minha opinião, é dos mais relevantes: devemos encarar esta transformação não como uma transformação nas nossas empresas, na nossa atividade, no ensino, naquela atividade que os diversos convidados estão ligados. É uma alteração muito mais de médio a longo prazo do que curto prazo, isto é, quando baixar esta poeira toda, quando passarmos o folclore que anda à volta do que é o covid-19 há efetivamente mudanças estruturais, mudanças muito importantes e que vão ficar no médio/longo prazo».
O marketeer salientou ainda a importância da geração Z, aquela dos jovens que hoje andam à volta dos 20 anos, «que vão ser os grandes consumidores no futuro». Esta geração vai influenciar todas as outras e os próprios negócios. «Só daqui a uns anos é que vamos saber, mas acho que esta geração Z vai ser uma geração que vai querer voltar a alguns aspetos da parte física. Porquê? Porque nunca a viveram. Nós sentimo-nos atraídos pela digitalização porque nascemos noutra altura, mas nesta geração Z vamos olhar para o contrário e é muito importante percebermos que essa é uma globalização que vai acontecer», considera Pedro Aguiar.
Por isso mesmo, a colaboração entre os diferentes atores da cadeia de aprovisionamento, a atenção aos materiais e ao design, pensando do início ao fim do ciclo de vida, mas também a comunicação e o chamado storytelling terão um maior foco no futuro.
Abrir horizontes
Estas áreas têm sido trabalhadas pela Tintex, como contou Ricardo Silva, CEO da empresa, que desde o início do século se especializou em liocel, uma fibra mais sustentável proveniente da madeira, nomeadamente de eucalipto. «Fomos a primeira empresa do mundo a conseguir processar esta fibra», afirmou, acrescentando que «hoje em dia já se vê o liocel em várias partes do mundo».
Atualmente, a Tintex tem «uma equipa de inovação muito grande, que procura corantes naturais muitas vezes, produtos sem impacto ambiental, fibras que ainda não estão a ser comercializadas mas estão a ser inventadas agora», realçou.
Como principal obstáculo atualmente, Ricardo Silva apontou o equilíbrio entre «a inovação disruptiva, que estamos constantemente a fazer, com o negócio atual da indústria e do standard mundial. Ou seja, estamos a criar muitas coisas novas que só daqui a três, quatro anos vão ver a luz do dia do ponto de vista comercial a larga escala – é assim que funciona sempre. Então temos que ter aqui um travão em algumas coisas e focar a curto prazo noutras para conseguir ir balançando o que é a sustentabilidade financeira e económica com a sustentabilidade ambiental e a inovação pura e dura», resumiu.
Acreditando que o 3D será uma realidade mais generalizada na moda, permitindo a customização «como já fazemos com os carros» e, ao mesmo, uma potencial redução no excesso de produção e desperdício, uma vez que as produções são feitas por encomenda, Ricardo Silva acredita que «aquilo que temos pela nossa frente é uma era de cooperação, sinergias, acima de tudo, é isso que nos vai fazer avançar».
Para Maria Gambina, «para quem é criativo não existe limite» e, por isso, o facto dos materiais serem orgânicos ou sustentáveis não é um entrave à criatividade. «Pode ser é um desafio», assegurou a designer. No trabalho que faz em colaboração com a Tintex há três anos, equivalente a seis coleções, «o meu maior desafio é primeiro enaltecer os materiais e depois, precisamente porque as malhas são sempre associadas a t-shirts e a sweaters, dar um bocadinho a volta a isso e mostrar que não é por serem malhas que têm que ser t-shirts e têm que ser sweaters. Antes pelo contrário, podem ser um bonito vestido de noiva até», exemplificou.
Adriana Mano, CEO da Zouri, partilhou a história da marca sustentável de calçado, que usa plástico recolhido na costa portuguesa e matérias-primas mais sustentáveis, como Pinatex (uma fibra obtida a partir de folhas de ananás), algodão orgânico e borracha natural. «Foi destas questões existenciais [relacionadas com os materiais e o transporte dos mesmos] e do meu lado muito ativista ambiental desde sempre que surgiu esta ideia de criar um projeto que pudesse servir, por um lado, de projeto de sensibilização, que fizesse as pessoas pensar o que é que estão a comprar, que trouxesse literacia, verdadeiro conhecimento em relação aos materiais e aos produtos, e, por outro lado, demonstrar também que é possível ter um produto que é amigo do ambiente, que é feito localmente e que se pode ganhar dinheiro com isso», contou.
Além da indústria, a CEO da Zouri colocou também o ónus nos consumidores no que diz respeito à sustentabilidade. «Alguma coisa que comprem tenham curiosidade de perceber onde é que aquele produto foi produzido, porque o grande impacto, mais do que os materiais, é a localização da produção. Se um produto for feito em Portugal, vocês sabem perfeitamente quanto é o ordenado mínimo de uma pessoa. Temos uma noção clara das condições de vida das pessoas que estão envolvidas. Quando compramos uma peça de roupa que foi produzida na Índia, asseguro-vos eu que tenho sérias dúvidas se as pessoas foram respeitadas, se houve condições de trabalho a nível de saúde e segurança. No fundo estamos a alimentar uma indústria que é má para as pessoas, para o ambiente», explicou Adriana Mano. Além disso, «não comprem o que não precisam e quando precisarem comprem a quem vocês acham que está a fazer a diferença pelo planeta. Isso bastará, se calhar, para mudarmos o mundo», acredita.
Contar histórias
No caso de Inês Torcato, que tem um background ligado às belas-artes, «procurei sempre ligar o meu trabalho à sustentabilidade», salientou, assumindo alguma dificuldade também, tal como Maria Gambina, em ter acesso à indústria para a produção das coleções. «Realmente não há em muitos sítios essa abertura por parte da indústria, mas vamos encontrando aqueles que dizem que sim e vão apoiando de vez em quando. Continuo a sentir muitas vezes que são pedidos de favores. Ainda hoje, que já tenho algumas pequenas produções, mesmo assim é difícil, porque o conceito de pequena produção é diferente para nós e para uma empresa, uma indústria», assinalou.
O comércio eletrónico veio permitir às marcas de autor brandirem a bandeira da sustentabilidade de forma mais abrangente e contar uma história sobre as peças, «a origem, de onde vêm [os materiais] e acompanhar os nossos processos», indicou. Contudo, sublinhou, «isto é complexo. É preciso uma equipa grande e dedicada a tudo isto e, no início, nós [designers] não conseguimos ter a parte financeira a funcionar assim tão bem que nos permita acompanhar todas essas fases, conseguir colocá-las de forma a que o consumidor tenha acesso a essa informação».
Inês Torcato, que recentemente começou a trabalhar para a indústria – criou uma equipa para responder a solicitações nas áreas de design gráfico, ilustração e gestão de redes sociais, orientadas para a moda e não só – está ainda a diversificar o seu público-alvo. «Estou a tentar chegar a um público um bocadinho mais abrangente do que aquilo que tinha até agora», admitiu.