Quando o coronavírus se tornou numa pandemia em março de 2020, os fornecedores de vestuário de Marrocos ficaram, subitamente, em estado de emergência. «Pareceu o Armagedão de um dia para o outro», afirmou Fatima-Zohra Alaoui, secretária-geral da associação marroquina AMITH, durante a sua intervenção na conferência Wear da associação canadiana sem fins lucrativos Fashion Takes Action. «De repente, todas as encomendas foram canceladas. Tivemos membros a ligarem-nos a perguntar “o que é que fazemos?”», revelou, citada pelo Sourcing Journal.
Cenas semelhantes passaram-se no Bangladesh, na Índia, no Vietname, no Camboja, no Lesoto. Na verdade, à medida que as marcas e retalhistas de moda ocidentais invocaram cláusulas de força maior para evitar o cumprimento de contratos no valor de milhões de euros, os seus fornecedores no Oriente não foram tidos em consideração. Muitos deles enfrentaram a bancarrota. Os milhões de trabalhadores que empregavam ficaram desempregados ou com salários reduzidos, ficando mais perto de situações de pobreza e fome. «Basicamente, o que vimos do lado dos compradores é que tomaram muitas medidas, tentando salvarem-se sem qualquer atenção às consequências», considera Alaoui.
Quando os países reabriram, os fornecedores foram inundados de novas encomendas e, com elas, exigências de prazos mais curtos e maiores descontos nos preços, significando que «foram de um extremo para o outro», explicou a secretária-geral da AMITH. «E o problema é que em ambos os casos os nossos produtores não tiveram ninguém a quem pudessem pedir melhores práticas de compras», acrescentou. Os donos das empresas, sublinhou, sentem-se muitas vezes relutantes em queixar-se aos compradores porque temem retaliações.
É por esta razão que produtores de vestuário em todo o mundo juntaram-se na chamada Sustainable Terms of Trade Initiative para pedir um maior enquadramento dos contratos, incluindo um código de conduta para compradores que apoie uma parceria mais justa entre marcas e fornecedores. Para terem mais poder, várias associações nacionais, incluindo a Amith, juntaram-se à Platform on Sustainable Textiles of the Asian Region, ou Star Network, para determinar posições comuns em relação a pagamentos e termos de entrega e outras “linhas vermelhas”.
O problema atualmente, acredita Matthijs Crietee, secretário-
Outro problema, de acordo com Margreet Vrieling, diretora-associada da Fair Wear Association, é que as empresas tendem a separar as equipas de compras e as da sustentabilidade, com pouca comunicação entre as duas. «É muito importante que as práticas de compras responsáveis sejam algo apenas tratado do departamento de responsabilidade social e corporativa, mas sejam integradas e tenham o compromisso da administração e deve ainda haver relatórios em toda a organização sobre elas», realçou.
As marcas devem também mudar de uma abordagem de cima para baixo para um «diálogo de sourcing», onde os compradores e fornecedores concordem num compromisso colaborativo, acrescentou Vrieling. Isto relaciona-se com o planeamento colaborativo, termos de pagamento justos e cálculo de custos justos, que juntos podem gerar benefícios para «ambos os lados para saírem mais fortes».
Incentivos perversos
As práticas de compras são uma das questões levantadas por mais de 220 entidades da sociedade civil e associações da indústria numa carta aberta que destaca «falhas específicas» no rascunho da diretiva do dever de diligência da Comissão Europeia, publicada em fevereiro.
Segundo organizações como a Asian Floor Wage Alliance, a Clean Clothes Campaign, a Fairtrade International e a Oxfam, a medida proposta dá um «peso considerável» a códigos de conduta, cláusulas contratuais, auditorias de terceiros e iniciativas da indústria, que já «mostraram ser meios insuficientes para identificar e responder a violações dos direitos humanos e danos ambientais» e, como tal, não podem ser considerados prova de um dever de diligência eficiente e significativo. «É também evidente que as próprias práticas de compra das empresas geram riscos e impactos adversos graves no ambiente e nos direitos humanos, por isso as empresas têm de ser obrigadas explicitamente a responder aos riscos e impactos adversos das suas próprias práticas de compras», afirmam.
Além disso, o facto do rascunho da legislação limitar a obrigação de diligência a «relações de negócio estabelecidas» também
A diretiva também não deve afetar apenas as empresas maiores, acreditam os subscritores. Atualmente, a medida vai aplicar-se a empresas de moda da UE com pelo menos 250 funcionários e um volume de negócios mundial superior a 40 milhões de euros, o que exclui cerca de 99% das empresas que operam no bloco europeu.
«O Parlamento Europeu e os estados-membros da UE devem trazer as PMEs para a abrangência da diretiva proposta», apontam as organizações. Outros elementos em falta, acrescentam, incluem dever de diligência climático, proteção a retaliações de trabalhadores não sediados na UE, fim responsável de relações comerciais e a responsabilidade da comissão executiva de supervisionar o processo de dever de diligência. «Estamos a apontar as mudanças acima para assegurar que a União Europeia não exige legalmente apenas um exercício de “vistos” e consolida um sistema estragado que permite o prejuízo contínuo por parte das empresas de pessoas, do planeta e do clima», sublinham os subscritores da carta. «É agora crucial que os colegisladores melhorem a diretiva em linha com estas recomendações», concluem.