Obstáculos de 2022 ainda perduram

A guerra na Ucrânia e o consequente aumento dos custos com a energia e as matérias-primas afetaram o negócio da indústria têxtil e vestuário em 2022. O tópico deverá manter-se em 2023, juntamente com temas como a sustentabilidade.

[©Presidência da Ucrânia]

A 24 de fevereiro, a Rússia invadiu a vizinha Ucrânia, alegando que a ocidentalização dos valores do país liderado por Volodymyr Zelensky eram uma ameaça. O impacto na indústria e no mercado da moda foi sentido quase de imediato e ainda hoje os mercados mundiais sentem os seus efeitos, com destaque para a Europa.

De acordo com o “The Ukraine Conflict Executive Briefing”, publicado pela GlobalData, a Rússia era o quinto maior mercado de vestuário na Europa e o 10.º no mundo em 2021, com vendas de 46,4 mil milhões de dólares (cerca de 42,7 mil milhões de euros). O mercado ucraniano estava avaliado, no mesmo ano, em 3,5 mil milhões de dólares.

Apenas um mês antes do início da guerra, as vendas de vestuário da Rússia tinham caído para 31,76 mil milhões de dólares, uma perda de 14,64 mil milhões de dólares. A GlobalData estima que o conflito Rússia-Ucrânia irá reduzir em 18,8 mil milhões de dólares o mercado russo de vestuário em 2022, com o consumo a dever manter-se abaixo das previsões pré-conflito até 2025.

Pippa Stephens, analista de vestuário na GlobalData, explicou ao Just Style que o aumento dos preços das commodities como resultado do conflito afetou a indústria têxtil e vestuário por toda a Europa. «O impacto tem consequências mais vastas na cadeia de aprovisionamento e no preço dos têxteis. Está igualmente a contribuir para uma pressão inflacionária adicional nos bolsos dos consumidores, que irá fazer com que o consumo divirja das compras de vestuário para artigos mais essenciais», aponta.

A analista revela ainda que, apesar da Alemanha, da Itália e do Reino Unido serem os maiores mercados para o vestuário da Europa, o estudo “Apparel Market in Europe 2020-2025” mostra que o maior crescimento nos próximos três anos deverá acontecer nos mercados menos desenvolvidos. «A Turquia deverá registar o maior aumento nas vendas até 2025, enquanto os países da Europa de Leste como a Roménia, a Polónia e Bulgária vão ter performances fortes. A Rússia e a Ucrânia terão dificuldades devido à guerra, que afetou a confiança dos consumidores e levou muitos retalhistas a parar as operações nestas regiões», afirma Pippa Stephens.

[©Unsplash-Matthew Henry]
A guerra na Ucrânia surgiu num cenário ainda pandémico e de problemas da cadeia de aprovisionamento – a China esteve ainda parte de 2022 em confinamento, por exemplo –, tendo resultado num crescimento da inflação que, a curto prazo, irá afetar o consumo. A recessão na Europa é um cenário plausível, o mesmo acontecendo para os EUA. No entanto, destaca a analista, o mercado europeu de vestuário deverá regressar aos níveis de 2019 em 2022, depois do declínio registado por causa da pandemia. Esse crescimento será alimentado, contudo, pelo facto de marcas e retalhistas terem aumentado os seus preços para fazer face ao incremento dos custos. A análise da GlobalData sugere que há ainda um regresso relativo à normalidade no pós-pandemia tendo em conta a vontade dos consumidores de comprar novos artigos de moda, sobretudo vestuário de festa e de férias, uma vez que não tiveram a necessidade de adquirir esses produtos nos últimos dois anos.

O desafio dos custos e da sustentabilidade

Para além da guerra e da inflação, nomeadamente ao nível das matérias-primas – as cheias no Paquistão, por exemplo, deverão afetar o mercado do algodão – e da energia – que levou a que muitas empresas efetuassem investimentos em caldeiras de biomassa e painéis fotovoltaicos –, as preocupações com a sustentabilidade dominaram 2022 e deverão continuar em 2023, especialmente tendo em conta a Estratégia Europeia para os Têxteis.

Na 37.ª Convenção Mundial de Moda da International Apparel Federation (IAF), em novembro, Dirk Vantyghem, diretor-geral da Euratex, explicou que a Europa está a repensar as suas interações com os parceiros mundiais, para ter uma relação mais crítica com terceiros e em respeito dos direitos humanos, do ambiente e dos regulamentos químicos.

Um dos objetivos da nova política europeia é, de resto, assegurar que todos os produtos têxteis que estejam no mercado europeu sejam duráveis, reparáveis e recicláveis e, em grande medida, sejam fabricados com fibras recicladas, sem substâncias perigosas e produzidas com respeito pelos direitos sociais. «Vamos trabalhar em conjunto para construir uma indústria têxtil e vestuário mundial sustentável», apelou Dirk Vantyghem.

[©Unsplash-Derek Sutton]
«Os consumidores beneficiarão mais tempo de têxteis de alta qualidade, a fast fashion deverá ficar fora de moda e serviços lucrativos de reutilização e reparação deverão ficar amplamente disponíveis», acrescenta, sobre esta estratégia, a Comissão Europeia. «Num sector têxtil competitivo, resiliente e inovador, os produtores têm de assumir a responsabilidade pelos seus produtos ao longo da cadeia de valor, inclusive quando se tornam resíduos. Desta forma, o ecossistema têxtil circular irá prosperar, com o impulso de capacidades suficientes de reciclagem inovadora de fibras em novas fibras, ao passo que a incineração e a deposição em aterro de têxteis deverão ser reduzidas ao mínimo», acredita a Comissão Europeia.

Neste âmbito, a recolha seletiva de têxteis deverá ser obrigatória a partir de 2025 em todos os países da UE, sendo que muitos começam a implementar sistemas de responsabilidade alargada do produtor. França, Alemanha e Países Baixos têm já nova legislação para 2023 nesse sentido.