Num caso sério de longevidade na indústria têxtil e vestuário portuguesa, a Sampedro celebra, em 2021, 100 anos de existência, mas olhando para dentro ninguém diria que passou um século.
O objetivo, assume Simão Gomes na edição de janeiro do Jornal Têxtil, é ter uma empresa com um know-how centenário mas um espírito jovem, que permita à quarta geração prosseguir a atividade e manter em aberto um futuro que o presidente do conselho de administração espera que seja responsável e sustentável.
Amparada por pequenos clientes com vendas online e por uma aposta em produtos ecológicos, a produtora de têxteis-lar foi capaz de ultrapassar os desafios de 2020 e aumentar o volume de negócios, perspetivando para o corrente ano novas possibilidades de investimento no imaterial.
A Sampedro faz 100 anos. Qual é o segredo da longevidade da empresa?
Acho que o segredo é estar na indústria sendo ousado, mas nunca dar um passo maior do que a perna, porque durante tantos anos pode acontecer uma crise económica, uma pandemia, uma guerra. Nos nossos investimentos arriscamos, temos ousadia, mas sempre um passo a menos do que se pode fazer. Isso é uma boa estratégia para não sermos apanhados em momentos difíceis. Nascemos logo a seguir à I Guerra Mundial. Apanhámos a II Guerra Mundial, depois todas as crises conhecidas, portanto, já nascemos em dificuldade, isso talvez nos tenha dado tarimba para sermos comedidos. Depois outro ponto, que não é novidade porque toda a gente sabe, as várias gerações que se seguem têm que se entender, com protocolo e um espírito de família muito grande. A transição de uma geração para outra não tem causado problemas aqui, fazemo-lo de uma maneira prática. E temos que inovar sempre.
A palavra certa é inovar. Já estamos a fazer há 80 anos as mesmas coisas e aquilo que foi bem feito há 60, 70 anos tem fortes probabilidades de estar a ser mal feito hoje, portanto, nunca esquecer que hoje o principal fator de sucesso é a inovação. Tudo isto baseado na responsabilidade social – planeta e pessoas. Tudo isto pode alavancar inovação, relação com o cliente, espírito de grupo com os funcionários. Nada é muito inovador se não pensarmos em sustentabilidade. Se as empresas não pensarem nisto a longo prazo, não vão ter sucesso. Por exemplo, somos membros da SMETA [Sedex Members Ethical Trade Audit] e da BCI [Better Cotton Initiative] e estamos envolvidos na comunidade, mas não é novo, é algo que já vem de trás.
Apesar de tudo, enfrentamos uma situação que nem a Sampedro, com 100 anos, viveu até à data. Como é que a pandemia afetou a empresa?
Realmente é novidade e afetou muito. Para começar, posso dizer que reforcei a parte comercial na altura mesmo da pandemia e foi quase para o dobro. Eles ainda não fizeram uma viagem, ainda não sabem o que é uma feira, mas a Sampedro teve uma estrelinha da sorte. Muitos clientes com encomendas – e tínhamos uma carteira de encomendas bastante razoável – não anularam, pediram apenas para não enviar. Cheguei a abril com 20% da faturação abaixo, mas sempre a trabalhar. Depois quando isto levantou, um bocadinho em maio, mas sobretudo em junho, quando comecei a ver mercadoria a sair, cada dia que ela saía era um alívio. Em junho já tinha recuperado tudo. 2020 vai ser o melhor ano de sempre, com um crescimento entre 16% e 17%, e a trabalhar em condições deficientes, com várias pessoas em casa. Sei que isto é exceção porque quase todos os nossos colegas não tiveram essa sorte. Deve-se provavelmente aos meus clientes serem bons na internet, a fazer vendas online.
Que tipologia de produto foi mais procurada?
Mais cama, mas via-se que os clientes que mais compravam estavam ligados ao online. Também não será mentira nenhuma que o facto de estarmos muito tempo confinados em casa tenha feito com que as pessoas começassem a dar mais valor ao conforto em casa e estão ali e vão para a internet comprar um jogo de cama. Só pode ter sido isso, porque não fizemos assim tanto mais para num ano de pandemia conseguirmos, em vendas, o melhor ano de sempre. Não é normal, nem nós estávamos à espera. No ano passado vendemos 15,5 milhões de euros, em 2020 penso que vamos faturar 18 milhões de euros.
Recorreram às medidas de apoio do Estado?
Não recorremos a nada. Achamos que foram medidas boas, porque podíamos estar nas mesmas circunstâncias, mas deixamos para quem realmente estava a ser afetado.
Como se revelaram os mercados?
Senti mais compras dos clientes americanos e ingleses. Mas, por exemplo, normalmente fazemos 19% para hotelaria e foi um flagelo – e vai continuar. Felizmente para nós já não dependemos da hotelaria como dependíamos antes.
Quem são atualmente os clientes da Sampedro?
Nós já estávamos em clientes com marca, clientes que só têm online, portanto cadeias de loja especializadas – não vendemos massivamente para ninguém. Vendemos normalmente produtos de valor acrescentado e eles têm comprado produtos que eu diria sustentáveis, como linho, cânhamo. Estas fibras são do mais sustentável que há e 52% das nossas vendas são deste tipo. Depois temos os algodões, os pré-lavados que começámos há uns anos – fomos os primeiros – e quem compra isto é gente mais jovem. Da mesma maneira que gostam de andar com calças de ganga, agora temos que lavar a roupa e as cores darem assim um aspeto vintage. É uma tendência que tem pernas para andar.
Estão a preparar uma nova coleção para 2021?
Em virtude do que aconteceu já tínhamos um bom website, mas resolvemos renovar tudo. Portanto pusemos o showroom virtual e como não há data para mostrar, conforme vamos tendo coisas novas, vamos colocando online.
Qual é o foco nesses novos lançamentos?
Muito na sustentabilidade, até porque tínhamos certificado com o GOTS. Mas mesmo antes, se há empresa que já fazia artigos sustentáveis éramos nós. Nós nascemos a fazer linho, que gasta pouca água. Aliás somos conhecidos como a fábrica do linho. Então não só nos certificámos em toda a fábrica, como começámos a divulgar mais e temos tido sucesso. Também temos algodão orgânico e temos feito desenvolvimentos importantes com liocel, bambu e cânhamo.
Pretendem regressar às feiras?
Mostrámos para já intenção de expor na Heimtextil, mas ainda tem de ser confirmado. Não exporemos os nossos comerciais a riscos – o ano passado corremos um grande risco sem saber. Mas para mim comprar na Internet, sem toque, é como comprar um perfume que não conheço. Eu valorizo muito o toque. Portanto, o toque, o estar com as pessoas nas feiras é insubstituível – tenho um showroom virtual, mas não substitui tudo. O cliente gosta, mas está a ver num ecrã e por isso enviamos a amostra física. Procuramos ter um bom serviço de amostras, reforçámos essa parte.
Qual é a quota de exportação da Sampedro?
Atualmente, a quota de exportação é de 89% e vendemos com marca própria 12%, aí mais para Portugal e Espanha. Há uns anos éramos uma empresa que tinha 100% marca própria. Agora não podemos ter essa ousadia, até porque no private label estamos a dar-nos muito bem, com clientes que puxam por nós. Nós aprendemos com eles e eles connosco. Fizemos um PME Qualificação há um ano e tal em que substituímos todo o software – administrativo, comercial, recursos humanos, produtivo – com a integração num ERP para ser mais amigável deste negócio.
Preparámos tudo nos últimos seis, sete anos para fazer 100 anos mas numa empresa jovem, que fosse o mais sexy possível. Então renovámos todas as secções – acabava uma, começava outra. Renovámos a preparação à tecelagem, a tecelagem, fizemos a tinturaria em peça, uma tinturaria em fio nova, tínhamos estamparia convencional e comprámos uma digital, aumentámos a capacidade de acabamentos, fizemos 3 mil metros quadrados de edifício novo, recondicionámos os outros 26 mil metros quadrados… Tudo para que chegássemos aos 100 anos com idade, mas com espírito jovem.
Quanto investiram?
Num espaço de seis anos, foram cerca de 15 milhões de euros, mais de 9 milhões de euros de programas de apoio e mais cinco de investimento fora de programas. Por exemplo, fora do programa fizemos um parque de fotovoltaicos em 2 mil metros quadrados do edifício e conseguimos diminuir em 7,4% o consumo de energia convencional. Muitos dos investimentos que se fizeram foi para a poupança de água, energia, produtos auxiliares, comprando máquinas de baixa relação. E comprámos também um sistema integrado de medição para monitorização da energia. Hoje em dia devemos andar muito atentos à renovação do parque tecnológico porque é tudo mais disruptivo, como é o caso das estamparias digitais. Uma estamparia digital gasta muito menos em energia térmica, energia elétrica, pessoal e é muito versátil. Então para os criadores não há limite. É uma área nova que ainda não dominamos totalmente.
Porque é muito recente?
Sim, veio de Itália, precisamente do centro da pandemia. Éramos para ter formação lá, mas ninguém foi, depois a máquina veio mas os técnicos não vinham. Enfim, tudo atrasou. Agora estamos já na fase final do último programa e temos máquinas já encomendadas para garment dye e para um aumento de 10% na tecelagem. São novos teares, mas iguais aos que temos, porque nos últimos anos mudámos a tecnologia toda da tecelagem, assim como na preparação.
Ou seja, estes últimos anos foram de revolução para preparar os próximos 100.
Exatamente. Fizemos um esforço, ou melhor, fomos mais atrevidos que o costume para chegar aos 100 anos e ter uma empresa bem organizada, tecnologicamente muito aceitável e acabámos agora um edifício onde vamos ter uma cozinha de auxiliares completamente nova. E temos uma empresa com muita gente nova.
Quais são os principais mercados?
Em 2019 foi o Reino Unido, em 2020 não me admira que seja os EUA. Depois temos a Holanda, a Suíça, a Suécia, porque gostamos de não descurar a Europa.
Fala em dois mercados que têm situações políticas que também podem se alterar: o Reino Unido e os EUA.
Então está a ver a minha preocupação, estou sempre que posso a seguir isso porque no cenário negativo do Brexit os nossos artigos podem vir a ter taxas de 12%, o que seria desastroso. Só descansarei quando souber que Inglaterra chegou a acordo com a Europa e que não vai haver taxas, porque é um mercado muito importante para nós. É um mercado de qualidade e com o qual aprendemos. O que se aprende em Inglaterra dá para os outros países. E quando eu tenho clientes britânicos que são inovadores, que têm um lifestyle que é o que eu gosto, e como não vendo ao público, tenho um fraquinho por eles. Quanto aos EUA, tenho esperança que este novo presidente reate o tratado que estava já a ser discutido na era Obama – era o melhor que podia acontecer.
O acordo com o Canadá trouxe algum benefício para a empresa?
Beneficiou e a Europa sempre que possa, devia fazer acordos. Adoraria um acordo com o Brasil, porque fizemos várias feiras no Brasil e a aceitação do produto é grande – eles querem coisas diferentes e o que é europeu tem um valor extraordinário para eles.
E a Ásia?
Já vendemos alguma coisa para a China e a Coreia do Sul. Aliás, a Coreia do Sul, a Austrália e a China são países que não esquecemos.
Há algum mercado em que estejam a pensar investir nos tempos próximos?
Queremos consolidar os EUA, que estão a ser muito bons para nós e se continuarmos a aumentar a quota nos EUA como temos feito, juntamente com o que temos na Europa e depois mais um bocadinho aqui e outro ali, está bem para já, para aquilo que a Sampedro tem possibilidades de fazer. Prefiro servir bem do que avançar mais, e nós adoramos ser PME. Não é nossa pretensão ser os maiores do mundo nem os melhores do mundo, gostávamos de ser bons para o mundo, porque uma empresa muito grande perde qualquer coisa. Hoje em dia temos muitos clientes e de quantidades pequenas.
Que expectativas têm para 2021?
É acabar o que temos de acabar de investimentos e depois temos que pensar. Temos que pensar se não queremos investir talvez no imaterial, nas vendas online. Mas gostamos de fazer as coisas a sério e bem pensadas e não gostava de concorrer com os nossos clientes. Por outro lado, como não preciso de alugar lojas e tenho know-how…
Com a marca Sampedro?
Aí é que está o problema, sobretudo com os clientes lá fora. Vender uma coleção da nossa marca à beira deles pode ser complicado.
Mas equacionam dar um novo impulso à marca própria?
Às vezes eu falo com os meus filhos e eles dizem que se começou connosco, porque é que não fazemos o mesmo? Temos mais facilidade do que os nossos clientes, temos a prática de fazer coleções, não precisamos agora de alugar lojas, etc. Era a nossa oportunidade de saltar para o B2C. Ainda mantemos uma pequena coleção para o mercado interno. Mas como estamos bem assim, temos que pensar bem.
Quantas pessoas trabalham hoje na Sampedro?
Neste momento já são mais de 162. Temos as secções todas a partir do fio.
Apesar de terem registado bons resultados, que lições retiram desta pandemia?
Não descurar clientes que às vezes se dirigem a nós e que não conhecemos e são pequenos. Por isso é que metemos mais gente no departamento comercial, porque atrás pode estar um indivíduo com um conhecimento exponencial. Temos que pensar que isto pode não ser o último vírus, temos que ter um pensamento digital, não só no marketing, no lado comercial, mas em toda a fábrica. E se houver muitos clientes – às vezes não se pode servir a todos – olhar bem para os que vendem online. O nosso crescimento foi alavancado com esta gente.
A empresa tem já uma nova geração envolvida no negócio. Que desafios antevê para esta quarta geração?
Embora haja desemprego, vão ter grande dificuldade em arranjar grandes recursos humanos para a produção – já temos dificuldade em encontrar pessoas especializadas. E vão ter ainda que ser mais globalistas – nós passamos uma parte da vida a viver quase de Portugal, depois da Europa – e pensar muito mais em termos mundiais do que nós. E depois vão ter a dificuldade da têxtil em si, mas para quem for inovador e mostrar qualquer coisa de diferente, pode não haver uma autoestrada mas há uma via intermunicipal – desde que esteja arranjadinha, a gente passa.
Disse já que não gostava que a Sampedro fosse uma grande empresa. Por onde gostava que a empresa seguisse?
Gostava que a Sampedro se dedicasse sempre a clientes de valor acrescentado, nunca enveredar pelo preço, porque há sempre uma que faz mais barato. Inovação, inovação e inovação. Gente nova, todos os anos meter alguém novo, que aporta sempre novidade. Estar sempre muito atenta a renovações tecnológicas e a novas formas de comercializar e de estar no marketing e ser uma empresa responsável.
Em termos gerais, fala-se muito de reindustrialização na Europa. Como vê esta questão?
Torço muito para que seja verdade, porque em 2000 acho que se exagerou. Nenhum país deve abdicar totalmente dos vários tipos da indústria. Há uma parte que deve ser estratégica, que isto da pandemia nos sirva de lição. Nós queríamos máscaras e não havia. Eu sei que se pode importar lençóis da Índia, do Paquistão, etc., mas pode haver uma guerra entre eles, pode haver uma zanga com a Europa… Acho que devemos ter uma reserva estratégica. E mais, a Europa normalmente tem muita gente no desemprego e gente no desemprego não é feliz.

As pessoas gostam de trabalhar. Se as cadeias de distribuição apostarem mais um bocadinho na Europa, claro que não vão deixar de importar, mas se se mantiver uma reserva estratégica de compras na Europa, aí sim, vai reindustrializar-se um pouco mais e faz falta, porque a têxtil é das indústrias mais antigas. A têxtil é bonita, tem criação, tem alta tecnologia, tem sistemas informáticos, tem tudo para gente jovem. É uma indústria como as outras, que ninguém pense que é um trabalho árduo de andar com os rolos às costas. E quem diz a têxtil diz o calçado, a metalomecânica, a agricultura nem se fala. Portanto, a Europa tem que pensar nestas questões estratégicas.
Que oportunidades e desafios antecipa para os próximos anos?
Vão aparecer encomendas rápidas, não de grandes séries, e quem estiver capacitado para as reter talvez venha a recuperar – aqui mais relativo ao vestuário, que sofreu muito, creio que há aqui uma janela de oportunidade. Especialmente quem está na internet quer uma rápida reposição de stock quando vende bem. E para quem se atrasou mais na digitalização, é uma chamada de atenção. Hoje em dia, as pessoas estão muito mais conscientes da necessidade da digitalização, de ter um bom website. É uma questão já presente para alguns e que nos livrou de uma situação má. Espero que todos venham a recuperar, porque se continuarmos a perder empresas na nossa indústria e no calçado começamos a ser cada vez menos relevantes. Basta pormo-nos na posição do cliente. Se quer fazer só uma viagem, quantos menos formos, mais irrelevante nos tornamos. Só quero que toda a gente recupere, que toda a gente tenha sorte e que o Estado, dentro do que pode, ajude, porque ajudar é também uma das maneiras de reter o emprego.