No entanto, ninguém quer revelar os segredos que mantém esta máquina bem lubrificada. A produtora Sony recusa-se a discutir os acordos comerciais entre Bond e as marcas de moda que surgem no ecrã de cinema. Uma oferta inicial apresentada ao jornal Financial Times de uma entrevista com a figurinista Jany Temime foi retirada quando ficou claro que seriam colocadas questões relativas às parcerias estabelecidas com marcas. Tom Ford – que tem sido responsável pelo desenho dos fatos de Bond desde “Quantum of Solace”, em 2008, tendo concebido seis estilos de fatos para o novo filme – mostrou-se «indisponível para a realização de uma entrevista». A Burberry, que gere uma operação de comunicação quase militar a partir da sua sede londrina, num antigo edifício governamental em Westminster, e que terá vestido Andrew Scott, que interpreta Denbigh em “Spectre”, afirmou que o seu envolvimento «não é algo que pretendam apregoar».
Esta timidez pode ser atribuída a um e-mail confidencial enviado pela produção, que se tornou viral através do WikiLeaks em abril. A missiva revelou detalhes do orçamento de 5 milhões de dólares projetado pela Sony Electronics para que Daniel Craig fosse filmado com o novo telemóvel Xperia, a par de outra contribuição de 5 milhões de dólares destinada à produção do filme e um compromisso de 18 milhões de dólares para uma campanha publicitária. Isto demonstra que Bond é, mais do que nunca, uma aposta de ouro no reino da colocação de produtos. Da mesma forma que o público pretende saber quem irá protagonizar o tema musical de cada novo filme, quer também conhecer os responsáveis pelas peças de vestuário usadas pelas personagens.
Dos cartazes publicitários da Omega, que incluem Daniel Craig, à associação da marca 007 à roupa interior da Sunspel, que o ator usou, Bond é um veículo de colocação de produto exemplar, bem como um ícone do estilo masculino. Quando se trata de guarda-roupa, existem diferentes contratos nos filmes de James Bond, que podem ou não implicar uma contribuição financeira para os cofres da produção. «Não há como negar o poder de um produto bem colocado», confirma o designer John Varvatos, «mas o nosso envolvimento no “Spectre” não é uma oportunidade de marketing que decidimos aproveitar. A equipa de design de guarda-roupa visitou a nossa loja londrina e escolheu um clássico casaco de piloto de camurça. Foi algo que aconteceu organicamente», acrescenta.
Da mesma forma, a Sunspel tem sido parte do léxico visual de Bond desde “Casino Royale”, em 2006. «A figurinista Lindy Hemming escolheu um polo do arquivo que datava da década de 1950», revela o diretor-executivo Nicholas Brooke. «Atualizamo-lo para um desenho contemporâneo. Estamos muito orgulhosos de dizer que a nossa participação em Bond não foi paga. E, embora ainda não saibamos o que será visível em “Spectre”, sabemos que Daniel Craig usará boxers da Sunspel diariamente», acrescenta.
Tom Ford, seguindo os passos de alfaiates como Cyril Castle, Anthony Sinclair, Douglas Hayward e Brioni, tornou-se próximo da marca Bond. O custo deste envolvimento para a casa Ford e respetivos apoiantes é elevado, e não menos importante em termos de produto: o fato de duas peças O’Connor é vendido por 2.240 libras esterlinas, enquanto o fato de três peças é vendido por 3.390 libras esterlinas. «As suas fábricas podem fazer as 40 cópias de cada fato necessárias para as sequências de ação», revela Matt Spaiser, do blog “The Suits of James Bond”, que faz as delícias dos fãs de 007. «Ford conquistou novos clientes afluentes entre os fãs obstinados de Bond», acrescenta Spaiser, «mas vende a maioria das roupas de Bond em quantidades limitadas».
Poucos cinéfilos irão despender 3.390 libras num fato depois do lançamento de “Spectre”. E menos ainda serão aqueles que se sentirão impelidos a adquirir roupa interior que não aparece sequer no ecrã. Assim sendo, o que motiva as marcas a vestirem a produção? Uma resposta simples prende-se com a moeda de troca usada pela Geração X. Esta é a era da colaboração no campo do design, desde Vivienne Westwood e Opening Ceremony, a Balmain com H&M, e cada cena do “Spectre” é essencialmente um catálogo para Tom Ford e James Bond. Cria uma história que pode ser publicada em qualquer lugar, do Twitter às revistas mais populares.
Mas algumas vendas são quantificáveis. «Antecipamos um aumento do tráfego no nosso site», afirma Jonathan Jones, diretor da Crockett & Jones. «Um estilo de bota em particular, a Camberley, é facilmente reconhecível na tela. E estamos confiantes de que irá consolidar a sua posição como um ícone do estilo inglês», acrescenta. Da mesma forma, a N Peal espera auferir um bom resultado nas vendas da sua camisola de caxemira de gola alta, que apareceu em imagens da campanha inicial de “Spectre”, bem como a sua gola alta cor de carvão. «Quando a nossa camisola azul de gola redonda foi usada em “Skyfall”, criou uma onda de interesse que não fomos capazes de satisfazer», confessa o diretor da N Peal, Adam Holdsworth. «Esse interesse tem sido duradouro», garante.
Não existe nada de vulgar na estética de Bond. O que preenche o copo de Martini de James está disponível ao maior licitador (em “Spectre”, a vodka Belvedere conquistou o lugar), mas o que ele usa é coerente com a sua marca. As ligações comerciais com as marcas de moda são menos propensas a pautarem-se por contratos de sete dígitos porque a maioria são marcas de nicho e pretendem transmitir a mensagem certa. «A tendência atual foca-se em itens produzidos na Grã-Bretanha», sustenta Remmert van Braam, fundador do site “James Bond Lifestyle”. «Era evidente em “Skyfall” com Crockett & Jones, N Peal, Sunspel e Barbour. Em “Spectre”, Timothy Everest vestiu Ralph Fiennes como M, e criou um casaco de veludo verde, que combina com um Rolls-Royce destinado ao vilão do filme, Mr. Hinx. Ironicamente, os maiores parceiros oficiais da saga não têm essa herança: Heineken, Sony e Omega. Mas eles trazem os orçamentos de marketing que permitem comprar uma presença importante», destaca.
O mito em torno do agente 007 criado por Fleming tem sido reforçado à medida que os orçamentos e os lucros da saga aumentam (“Skyfall” quebrou recordes de bilheteira, arrecadando mais de mil milhões de dólares), assim como o preço crescente da colocação de produtos. Ninguém irá confirmar o valor pago pela Heineken pela possibilidade de aparecer ao lado de Bond, mas um anúncio autónomo com Craig, realizado no início deste ano, rondou os 100 milhões de dólares, segundo a revista Campaign. E, embora a lei dos rendimentos decrescentes tenha sido transformada com o franchising do filme, não perdeu, curiosamente, qualquer credibilidade. Quando Yohji Yamamoto, habitualmente alinhado com o movimento avant-garde, apresentou a sua coleção masculina para a temporada de primavera 2016, em Paris, apostou na elegante alfaiataria do espião e inaugurou o desfile com o tema musical de Bond do início dos anos de 1960. A conotação é rica: Bond é o homem que quase todos os homens gostariam de ser e ao lado de quem muitas mulheres gostariam de estar. Trata-se de uma associação de valor inestimável e, de facto, lucrativa.