O papel do gémeo digital

O gémeo digital, que reproduz digitalmente algo que existe no mundo físico, está já a ser usado pela indústria da moda em múltiplas situações, nomeadamente na resposta ao problema do desperdício ou na rastreabilidade de produtos.

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«A beleza de um gémeo digital é que carrega muitos dados», afirma Lui Iarocheski, vice-presidente de marketing e novas áreas na PlatformE, a empresa cofundada pelos portugueses Gonçalo Cruz e José Neves, também fundador da Farfetch. «Para além de toda a informação visual, podemos incluir nos metadados informação como preços, regras criativas e disponibilidade geográfica», explica Lui Iarocheski citado pelo Just Style.

Um gémeo digital pode permitir que o design e a produção sejam aprimorados da ideia ao consumidor antes da existência de um produto físico, salienta Marco Milioli, diretor de marketing da Hyphen, com sede em Itália, que oferece serviços de transformação digital para marcas de luxo. Pode ser «usado pelos designers para a tomada de decisão, pelo desenvolvimento de produto para verificar a viabilidade e adequação da produção, por equipas de merchandising para planear o sortido de artigos, por equipas de marketing para criar conteúdo atrativo para as redes sociais e anúncios e pelos gestores de comércio eletrónico, substituindo sessões fotográficas exaustivas por catálogos digitais», enumera. «A principal qualidade de uma identidade digital é que ela pode ser consultada e processada por um sistema informático. Todo o processo permite, por isso, criar uma relação sólida e perpétua entre os mundos físico e digital. Inclui todos os tipos de ativos e informações relacionadas com um produto, nomeadamente técnicas e comerciais», acrescenta.

Testar designs

[©PlatformE]
Para Lui Iarocheski é evidente que a tecnologia está a ter um impacto significativo na indústria e está a criar novas oportunidades para designers e consumidores. Em agosto de 2022, a empresa de soluções digitais 3D Browzwear fez uma atualização que permite que os designers substituam amostras por gémeos digitais. Também a Zara usou a tecnologia digital 3D para criar e testar novos designs rapidamente.

«Trabalhar com 3D permite uma comunicação e colaboração claras entre todas as partes interessadas durante os processos de amostragem e produção: as informações do produto que são enviadas aos fornecedores são claras e consistentes, uma vez que o gémeo digital tem uma correspondência perfeita da informação do produto físico», explica o vice-presidente de marketing e novas áreas da PlatformE. «Encontramos alguns estudos de caso em que a quantidade necessária de amostras durante o processo de desenvolvimento do produto foi reduzida em 80%», sublinha.

Os gémeos digitais melhoram a eficiência, aponta Lui Iarocheski, porque os designers podem experimentar diferentes modelos, tecidos e padrões «muito mais rápido do que com os métodos tradicionais. Isso resulta num processo de design mais eficiente e simplificado, uma vez que os designers podem fazer alterações e ver os resultados em tempo real, evitando erros dispendiosos».

Personalizar em massa

As vantagens dos gémeos digitais serão ainda maiores quando a personalização se tornar uma realidade mais abrangente, ficando os gémeos digitais «no centro dos configuradores de produto, permitindo a personalização a grande escala», acredita Lui Iarocheski.

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Em relação a vendas e marketing, o vice-presidente de marketing e novas áreas na PlatformE considera que a imagem digital 3D chegará a lugares que as amostras tradicionais e as sessões de fotos não podem, «sejam renderizadas para uma presença mais imersiva no Instagram ou no Shopify ou usadas para testes virtuais e experiências de realidade aumentada».

Os gémeos digitais também oferecem fluxos diferentes de receitas para as empresas que vendem representações digitais dos seus produtos para vestir avatares em jogos imersivos e plataformas do metaverso. A Zara e a Puma exploraram esse mercado, tendo lançado coleções digitais para a sul-coreana Zepeto, onde os utilizadores podem pagar para vestir os seus avatares personalizáveis com versões digitais da roupa.

Lui Iarocheski destaca um exemplo inverso, a Valaclava, que se descreve como uma «marca de vestuário do mundo dos jogos para o mundo real» e vende moda digital primeiro, permitindo que o cliente personalize os seus produtos Valaclava e produza a versão física somente depois de adquirir o produto digital. Além disso, com cada peça que vende, a marca envia o gémeo digital como um NFT codificado numa etiqueta inteligente. Esta etiqueta inclui ainda um passaporte do produto, permitindo que os consumidores tenham acesso a todas as informações e à rastreabilidade do artigo, revela o vice-presidente de marketing e novas áreas da PlatformE.

Evitar a contrafação

Os gémeos digitais podem igualmente ajudar marcas legítimas a combater o crime. Indrė Viltrakytė, fundadora e CEO da empresa de comércio digital The Rebels, com sede em Vilnius, na Lituânia, indica, em declarações ao Just Style, que o recurso a tecnologia blockchain para criar gémeos digitais pode ajudar a indústria da moda a combater produtos falsificados, evitar o trabalho forçado através da rastreabilidade da origem e limitar o impacto ambiental ao ajudar o consumidor a fazer escolhas mais eficientes.

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«O atual interesse no metaverso – que é alimentado por blockchain – fornece uma forma de responder ao excesso de consumo, já que as pessoas podem experimentar vestuário primeiro no espaço digital. O mundo virtual oferece oportunidades para artistas de qualquer tamanho mostrarem o seu trabalho, dando aos criadores de nicho um trampolim para um mercado completamente global e sem fronteiras. As marcas estabelecidas podem aproveitar o metaverso como um mercado secundário de fácil acesso», conclui Indrė Viltrakytė.