Estas quatro vertentes – a remotização, o e-commerce, a minimização do risco na cadeia de aprovisionamento e a flexibilização do desenvolvimento e da produção – foram avançadas por José Carlos Caldeira, membro do conselho de administração do INESC-TEC, durante mais um webinar da série “O novo normal na ITV”, promovido pela ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal no passado dia 28 de abril. «São tendências transversais que vários sectores estão a seguir», esclareceu.
No caso da remotização, o foco está em fazer remotamente atividades que até agora eram feitas presencialmente. «Esta crise relevou a importância das organizações estarem preparadas para poder colocar os seus trabalhadores em trabalho remoto se necessário, naturalmente, conseguindo manter as suas atividades mesmo que com algumas quebras», explicou José Carlos Caldeira. «Para alguns sectores ou atividades isso é relativamente natural, como nas áreas dos serviços, software ou atividades de engenharia, e para algumas organizações é já uma prática corrente. No entanto, para outras atividades, como a produção em planta fabril, o manuseamento de materiais e produtos em soluções logísticas e também para muitas organizações, a realidade está ainda muito longe deste objetivo», afirmou. Há, todavia, «um conjunto de atividades mesmo ligadas a operações fabris que podem ser feitas de forma remota já hoje, mas eu gostaria de destacar aquilo que provavelmente é menos conhecido e está ainda um bocadinho longe da ideia das pessoas, que é o facto de mesmo a operação e a monitorização de máquinas poder, em muitos casos, ser de forma remota. E se conjugarmos isso com a utilização de sistemas de robotização ou automação, uma parte significativa dos trabalhadores pode ser deslocalizada no plano fabril para outros locais em caso de necessidade», salientou o representante do INESC-TEC.
Antecipando a possibilidade de surgir outras crises, pandémicas ou de outra natureza, no futuro, José Carlos Caldeira indicou que «uma das prioridades que muitas organizações estão a desenvolver é avaliar o seu grau de remotização e quais as medidas a implementar para o maximizar, ou seja, até que ponto e que quantidade das suas operações podem ser desempenhadas de forma remota e o que podem fazer para maximizar esse grau de remotização e assim estarem mais bem preparadas».
A segunda vertente, ligada ao comércio eletrónico, parece ter já sido assimilada por grande parte das organizações, que compreende «a importância dos canais de comercialização online», mas é preciso ter em conta que se trata de «um desafio que implica competência e capacidades que são específicas e que, portanto, têm que ser desenvolvidas», destacou.
A minimização do risco nas cadeias de aprovisionamento tornou-se igualmente evidente com a pandemia e deverá levar a ponderar «uma maior proximidade geográfica, o que é igualmente importante para os temas da flexibilidade e da resposta rápida», acarretando, consequentemente, «um impacto positivo na vertente ambiental, através, por exemplo, da redução de transportes», apontou o responsável do INESC-TEC.
José Carlos Caldeira alertou ainda que «estas alterações trazem alguns desafios – exigem investimentos significativos em tecnologias, em inovação e em alguns casos até em investigação e desenvolvimento, sem nunca esquecer a vertente fundamental da educação e da formação. É também evidente que as tecnologias digitais terão um papel fundamental neste novo futuro».
TMG Automotive e Somelos mais digitais
A transformação digital estava já em curso em empresas como a TMG Automotive, «mas realmente toda esta pandemia veio-nos obrigar a acelerar, muitas vezes até a criar novos processos e nova digitalização que não estava programada para tão cedo», assumiu Alda Duarte, manager do departamento de gestão operacional e tecnológica da empresa.
Anteriormente muito focada na desmaterialização documental, a TMG Automotive, que tem clientes como a Mercedes, BMW, Volvo, Opel, Toyota, Jaguar e Porsche, avançou igualmente na desmaterialização de processos. «Já estávamos cientes que isso traria maior produtividade, maior agilidade, maior fluidez na própria comunicação, mas tudo isto veio fazer com que acelerássemos todo este processo e nos muníssemos de algumas ferramentas que nos ajudassem nesta melhoria de eficiência e também muito focadas numa boa comunicação, numa comunicação que seja transparente, que tenha uma resposta rápida a todas as necessidades», realçou.
Aliás, destacou, «nota-se a necessidade de se ter uma resposta muito mais rápida, talvez porque estejamos em frente a um ecrã e o cliente do outro lado. Seja cliente interno ou cliente externo, quer a resposta logo», o que obriga a ter «uma capacidade de gerir dados e de poder obter insights e outputs dos nossos dados de uma forma muito mais rápida. Portanto, houve aí também um esforço muito grande, munindo-nos de ferramentas de machine learning, inteligência artificial, constituição de algoritmos capazes de dar respostas», enumerou Alda Duarte. Isto além do desenvolvimento de uma ferramenta de simulação em 3D para o cliente poder acompanhar os desenvolvimentos.
Na Somelos, o foco esteve «na segurança das pessoas e no seu bem-estar», que permitiu à empresa «continuar a laborar sem haver problemas de maior» e depois «na continuidade da empresa na questão das vendas e no contacto do cliente», revelou Paulo Melo, presidente do conselho de administração, que destacou a flexibilidade e resiliência da indústria têxtil portuguesa. «[A existência do] sector têxtil em Portugal deve-se sobretudo à sua flexibilidade, à sua resiliência, que é a palavra mais usada, à forma como damos respostas às encomendas, à rapidez de execução, qualidade, ao saber como se produz e eu acho que ainda temos muito a dar nesse aspeto», frisou.
O processo, contudo, nem sempre é fácil. «Grandes marcas ou clientes estão perfeitamente à vontade com essa aplicação, mas houve alguns que não e aí tivemos que os “ensinar”, no fundo, a usar e a aproveitar essa forma de aproximação», asseverou o presidente da Somelos, acrescentando que acredita que «vamos partir para um modelo híbrido no futuro».