«O nosso posicionamento é muito inovação e desenvolvimento»

Com uma quota de exportação de 80%, no geral, entre os revestimentos e a tinturaria, a Endutex tem procurado diferenciar-se pela oferta de novos produtos resultantes dos investimentos em inovação e desenvolvimento, uma pedra basilar na evolução da empresa, revela em entrevista o CEO Vítor Abreu.

Vítor Abreu

Em 2022, as dificuldades provocadas pela subida dos custos energéticos foram compensadas pelo aumento dos preços de venda e da eficiência interna, com as perspetivas de Vítor Abreu, CEO da Endutex, para 2023 a serem prudentes, mantendo a estratégia da empresa de diversificação de mercados geográficos e de aplicação final dos produtos.

O que a pandemia impactou e mudou na atividade da Endutex?

A pergunta tem várias sub-respostas, se é que posso dizer assim. A Endutex é uma empresa muito diversificada e, por isso, tivemos produtos e sectores de clientes em que a pandemia até teve um resultado muito positivo. Refiro-me mais à parte de vestuário de proteção para a saúde, uma área em que concretamente tivemos um crescimento exponencial. E, depois, tivemos outras áreas onde a pandemia impactou totalmente – por exemplo, tudo o que tenha a ver com toda a parte de tendas para eventos, mesmo a parte da impressão digital, que sofreu com a questão do comércio e das feiras. O cancelamento de tudo isso praticamente arrastou também os produtos dessas áreas para uma paragem quase completa. Mas diria que o nosso saldo é positivo mesmo assim. Apesar da pandemia, há um saldo positivo em termos de vendas, mas completamente desequilibrado em relação aos níveis de distribuição anteriores pelos vários sectores de atividade que trabalhamos.

Mas alterou o negócio em si?

Nem por isso. Diria que foi conjuntural. Só para dar uma ideia, durante a altura da pandemia, vendemos muito de um determinado tipo de produtos e, a partir de agosto de 2021, praticamente parou e quase não vendemos mais, isto é, quando a China retomou mais ou menos a atividade normal nesta parte da saúde. Aquela história da reindustrialização e deixar de comprar a certas fontes chega ao fim. O dinheiro é mais importante do que muita da retórica anterior. Diria que alguma coisa fica sempre, mas foi mais uma questão conjuntural do que propriamente estrutural em relação ao nosso mix de produto e à nossa atividade anterior. Houve uma coisa que mudou. Para mim, não tanto como eu gostaria, mas que acho que mudou: ficou uma perceção que os países, mas mais as empresas, têm que se preocupar muito com a questão da cadeia de fornecimento. Ficou essa marca que as empresas não podem ter só um fornecedor e depender da questão dos prazos de entrega.

Confirma o nearshoring de que se fala?

Não com a dimensão que eu gostaria, mas sim. Acho que para as grandes empresas, os grandes grupos, vai persistir na memória as dificuldades que tiveram nessa dependência quase monopolista de um determinado país ou de uma determinada zona. E, depois, os custos inerentes aos transportes. Não foi só a questão do prazo de entrega, mas foi o disparar dos custos de importação. Penso que isso deixou marcas e essa questão do nearshoring é um dos poucos aspetos positivos que fica desta calamidade. Há também um aspeto muito negativo. Esta paranoia de trabalho a partir de casa, agora a questão dos quatro dias, acho que isso é a loucura total. Acredito que haja profissões e uma minoria de pessoas que até podem dizer que se concentram melhor. Mas no sector que eu conheço, no sector industrial, não. No outro dia disse, e repito, que se querem dar cabo deste sector, então implementem isso. Se querem ter uma discussão séria, então, pelo amor de Deus, parem quietos e vamos mas é trabalhar que é o que precisamos.

Quem são no presente os clientes da Endutex?

O nosso sector principal continua a ser a impressão digital e isso devido a uma aposta que fizemos já há algum tempo. Primeiro, estamos no sector dos têxteis técnicos e é uma área onde queremos estar e, por isso, tudo o que envolva know-how técnico, tudo o que envolva a área industrial, etc., é onde queremos estar e, por isso, muito mais do que estar no sector A, B ou C, nós queremos estar no cliente ou na solução A, B ou C, independentemente de onde ela se insira. Nós fabricamos telas revestidas até cinco metros de largura e o sector da impressão digital é um dos poucos sectores finais que consome telas até cinco metros de largura e, por isso, há uma razão para que também sejamos fortes na área da impressão digital devido, precisamente, ao nosso potencial de fabrico e à largura que fabricamos. Por isso, o sector da impressão digital é o mais forte. Temos também o sector automóvel, o vestuário de proteção, os materiais de couro sintético de uma maneira geral e, depois, alguns artigos muito técnicos, uma panóplia grande de produtos. Digo sempre que nós, muito mais do que ser um elefante, chamemos-lhe assim, que precisa de toneladas de erva para comer, prefiro muito mais andar aos saltos de prado em prado e tentar comer uma erva aqui, outra erva ali. Somos muito frugais na nossa alimentação. É difícil, é um desafio extra para os nossos colaboradores, para a nossa área de investigação e desenvolvimento, que é muito importante. Temos uma componente forte de investigação e desenvolvimento e, por isso, a nossa equipa tem de se dividir em vários sectores, por vários projetos, mas, para nós, é absolutamente fundamental manter esta diversificação e esta variedade de oportunidades.

Saímos de um pico da pandemia e entrámos num pico de conflito bélico. Que consequências traz para o negócio esta instabilidade contínua?

Em termos de mercados de destino, não me afetou quase nada. Quer a Ucrânia quer a Rússia não eram importantes para nós. Trabalhávamos alguma coisa, mas não era importante. Indiretas, temos a eletricidade e o gás e aí foi, e ainda continua a ser, um cataclismo. Quer a Endutex Revestimentos, quer a Endutex Tinturaria e Acabamentos são fortes utilizadoras de gás natural e de eletricidade. Tivemos preços a disparar 10 vezes e, por isso, quando pagávamos uma fatura de 40.000 ou 50.000 euros, de repente, começámos a pagar 400.000 euros num mês. É fácil qualquer um entender o que isso significa para a rentabilidade de uma empresa, para a política comercial e tudo mais. Diria que foi uma revolução total na parcela de custos energéticos em relação à nossa área industrial. Em relação a um passado recente, ainda continua a ser uma fatura muito pesada e, acima de tudo, uma grande imprevisibilidade.

Que medidas tem a Endutex preconizado para colmatar essas adversidades?

O primeiro aspeto foi ter de haver um aumento dos preços de venda porque era impossível qualquer empresa absorver. A questão é quanto é que foi possível repassar isso na cadeia de fornecimento aos clientes. Aumentámos os nossos preços, à vontade, mais do que 20%, como média geral. Segundo, obviamente que houve uma tentativa de redução ao máximo dos custos energéticos, mas isso sempre foi uma preocupação da nossa empresa e, por isso, não tínhamos nenhuma solução mágica. Discutiu-se a questão de deixar de produzir um dia da semana, mas eu, na altura, não achava que isso fosse solução, até porque, felizmente, as encomendas continuaram a aparecer. Temos um projeto de investimento na questão da biomassa e da substituição do gás natural, mas ainda não está decidido se vamos avançar. É uma decisão que temos de tomar em 2023.

Nos últimos 12 meses, que áreas mostraram mais dinamismo nesse quadro conjuntural?

No nosso caso concreto, o sector automóvel tem mostrado algum dinamismo, temos três ou quatro produtos em que temos vindo a apostar. Não é o sector automóvel na generalidade, é mais subprodutos dentro do sector automóvel. É verdade que partimos de uma base relativamente baixa e, por isso, ao contrário de alguns nossos concorrentes, apostámos num crescimento do percentual do sector automóvel dentro do nosso volume de faturação e isso tem vindo a mostrar dinamismo e a crescer. E, depois, também a área de impressão digital e a própria área do vestuário de proteção. Mas, mais uma vez, é fruto da nossa investigação e desenvolvimento, por isso, a questão às vezes não é tanto o dinamismo do sector. Ajuda certamente, mas não é tanto o dinamismo que o sector nos traz, mas é o que nós introduzimos. Hoje em dia, discute-se muito a questão da sustentabilidade, materiais verdes, etc.. Nós tentamos apresentar muito isso, ter essa proatividade, renovar muito a nossa gama de produtos e mostrar novas soluções aos clientes para, mesmo que o sector não cresça, eventualmente o nosso mix no sector cresça fruto desses novos produtos que apresentamos.

Estamos a falar de que género de produtos?

Quando hoje falamos de PVC, falamos muito também do que eles chamam PVC bio-attributed, que é um PVC cuja origem não é química, mas é mais uma origem vegetal. Nem é também de origem alimentar. Não há sequer aquela discussão de dizer que, ao enveredar por essa solução, estamos a retirar da cadeia alimentar. Vem de resíduos, de milho, por exemplo, que não são usados na cadeia alimentar. Tentamos também apresentar soluções em poliuretano, em acrílico, para aquelas empresas que não querem PVC, mas que querem ter também um substrato onde possam imprimir com a mesma qualidade do PVC. Temos vindo a fazer um grande desenvolvimento nessa área e a apresentar também soluções não-PVC, essencialmente na área da impressão digital.

E, no negócio em geral, que impacto tem tido esta apetência pela sustentabilidade?

É verdade que é um tema pertinente, mas depende muito. Posso dizer que, ainda no outro dia, fomos fazer uma feira nos Estados Unidos na área da impressão digital, apresentámos alguns produtos não sintéticos ou com mais preocupações ambientais – com viscose, liocel,… – e, na maior parte dos clientes, parecia que estávamos a falar chinês. Na Europa, o tema da sustentabilidade é mais pertinente, mas é verdade que o custo também fala muito alto e, por isso, às vezes, vemos que os clientes têm um departamento de sustentabilidade que tem um discurso, mas, depois, chegam às compras e é diferente. Diria que é uma estrada que se faz caminhando. É verdade que é um tema pertinente. Agora, as pessoas querem soluções iguais às que tinham mas sustentáveis e, se possível, sem ter um preço acrescido, e aí já é complicado. Também acho que é muito injusto alguma perseguição que há a certos materiais. Sou um opositor muito grande do Parlamento Europeu, que vomita cá para fora diretivas sem nexo, sem se preocupar com as consequências, sem se preocupar com as alternativas e é muito perigoso dar rédea solta a teóricos e a pessoas que não compreendem as consequências económicas de aprovisionamento de algumas diretivas que mandam. Hoje em dia, a sustentabilidade também é um fator de competitividade e, muitas vezes, as diretivas impõem que não se possam manipular produtos na Europa, mas não proíbe que, no produto final, esse produto apareça. O que quer dizer que, muitas vezes, não podemos fabricar, aqui na Europa, certos produtos, mas os nossos concorrentes fora da Europa podem introduzir e usar, e isso é um fator de competitividade. Acho que aí, mais uma vez, a Europa é muito teórica.

Há novos investimentos em agenda?

Na Endutex Revestimentos estamos a pensar em aumentar, de alguma maneira, a nossa capacidade produtiva, mais até ao nível de acabamentos, porque os nossos produtos são revestidos, mas, depois, entram em fase de acabamento e temos notado algum estrangulamento na oferta derivado da insuficiência nessa área de acabamentos. Por isso, em 2023, vamos aumentar as nossas instalações fabris, já a prever algumas instalações de máquinas que temos vindo a fazer e que contamos, durante 2023, reforçar. Na unidade da tinturaria e acabamentos, também temos vindo a modernizar o parque de máquinas para tentar dar um produto de maior qualidade aos clientes na área de tinturaria e acabamentos de malhas. Quer na parte de tingimento em peça, quer na parte de tingimento em rolo e também no acabamento de malha.

Qual será a ordem de grandeza desse investimento?

Há uma parte que está garantida, que andará na ordem dos cinco milhões de euros, entre instalações e equipamento, nos Revestimentos. Temos também um investimento para a área produtiva que pode andar à volta desse montante ou até um pouco mais, mas ainda não está decidido. Vamos ver como é que 2023 se desenrola. Na parte da tinturaria, também temos previsto investir cerca de dois milhões de euros. Parte foi já feito este ano, a outra parte será feita no próximo ano. Também, mais uma vez, na modernização do nosso parque de máquinas.

Que balanço faz de 2022?

Foi um ano muito difícil. Acho que nunca trabalhei tanto como nos últimos 12 ou 18 meses, com tantas variáveis. Mas chegamos ao fim do ano e diria que o nosso saldo é positivo. Apesar de toda esta turbulência, apesar de todas estas ondas que fomos encontrando ao longo do caminho, estamos quase a chegar a bom porto e o saldo foi positivo em termos de resultados. O volume de negócios cresceu, mas há que descontar muito a inflação. De qualquer maneira, contamos fechar o ano com um volume de negócios superior à inflação que tivemos. Entre a Endutex Revestimentos e a Tinturaria, deve andar à volta dos 65 milhões de euros, mais ou menos 26% a 30% acima do volume de negócios de 2021.

E como encara 2023?

Com preocupação. Em 2022, os clientes estavam preparados para a inflação e para aumentos de preços. A questão que se discutia era se o aumento de preços era X ou Y. Hoje em dia, os clientes já quase que interiorizaram que tem de haver baixas de preços e, por isso, vai haver essa pressão. A questão da inflação, do aumento das taxas de juro, etc. certamente que não vai contribuir em nada para o aumento do consumo. Por tudo isto, não digo que sou pessimista, porque sou otimista por natureza, mas acho que vamos ter um ano de 2023 complicado. Pelo menos no início. Depois, vamos ver se aliviará ou não. Mas estou cauteloso.

Que análise faz da evolução do sector dos têxteis técnicos em Portugal?

Até há bem pouco tempo, os têxteis técnicos eram uma área quase desconhecida. A evolução que houve foi que as pessoas começaram a ver que os têxteis técnicos tinham um papel no mercado e começaram a perceber que os têxteis não se resumem só à moda, não se resumem só aos têxteis-lar. Há também uma gama grande que convém olhar. E Portugal é um dos poucos países na Europa que ainda tem um cluster têxtil, o que é muito importante. Isso também explica que nós, estando na área de têxteis técnicos, temos também integrado, verticalmente a montante, toda a parte de fabrico. Fabricamos uma grande parte dos aportes têxteis que usamos nos nossos revestimentos, precisamente fazendo jus e beneficiando do cluster e do know-how têxtil que temos nesta zona. Não há dúvida nenhuma que a área dos têxteis técnicos evoluiu em Portugal. Acho que os têxteis técnicos emanciparam-se.

E quanto à Endutex, como tem a empresa procurado evoluir ao longo destas já mais de cinco décadas de atividade?

O nosso posicionamento é muito inovação e desenvolvimento. É absolutamente fulcral para nós. Queremos, todos os anos, introduzir novos produtos, não só em termos de funcionalidade, mas também formas de fabricarmos os mesmos produtos de uma maneira mais económica ou mais sustentável.