Para já a vender apenas para Portugal e Espanha, Vítor Abreu, CEO da empresa especialista em revestimentos, espera fazer chegar esta linha de produtos, que está a ser complementada com soluções reutilizáveis, a outras paragens e, embora reconheça as dificuldades geradas pelo surto do novo coronavírus, mantém-se otimista quanto ao futuro.
Que artigos estão atualmente a produzir na área de combate ao Covid-19?
Quando começou esta pandemia, a Endutex tentou aproveitar o know-how que tinha – já tínhamos experiência na área de proteção hospitalar, mais na questão dos têxteis-lar, como protetores de cama, para além da questão do vestuário de proteção. Analisámos que tipo de produtos podíamos desenvolver ou modificar para se adaptarem melhor às exigências do Covid e desenvolvemos uma nova linha, numa primeira fase produtos descartáveis, essencialmente para EPI’s – foi a nossa prioridade. Desenvolvemos, aprovados pelo CITEVE, dois tipos de produtos revestidos a poliuretano, leves, impermeáveis – e com impermeáveis quero dizer ultrapassando em muito uma das principais características dos EPI’s, que é a questão da impermeabilização à água a 20 centímetros. Um é baseado numa malha de poliéster, outro baseado num não-tecido de poliéster. Em paralelo, mas mais para o mercado espanhol, temos uma linha de produtos também para EPI’s, em PVC, mas aí não passou pela aprovação do CITEVE – foi um pedido específico de clientes espanhóis. Para além desses dois produtos, temos outros em aprovação no CITEVE. Infelizmente, as coisas demoram o que demoram, porque há um fluxo muito grande de pedidos de aprovação, e estamos na fila. O CITEVE abriu agora essa questão de categoria de produtos para EPI’s reutilizáveis, porque a questão do EPI descartável tem um custo económico e ambiental incomportável.
Numa primeira fase desta luta e desta crise, isso era secundário, mas depois as coisas começam a vir ao de cima e as pessoas começam a preocupar-se com a parte ambiental e esse custo e, por isso, neste momento também já temos um produto para EPI reutilizável, com uma aprovação para 10 lavagens, mas os testes continuam, porque queremos ter 25 e eventualmente 50 lavagens. Basicamente, já temos produtos para descartar, temos um produto para 10 lavagens e estamos, neste momento, a pedir a justificação para mais lavagens, tentando efetivamente não só responder à questão do custo, porque há um custo superior no início mas que será amortizável pelas lavagens, como também pela questão ambiental de não ser mono-utilização.
Teve que efetuar alterações na produção?
Teve que haver adaptações essencialmente na questão do peso, porque na nossa experiência, quer na área de proteção hospitalar de camas, quer na área do vestuário de proteção, normalmente os requisitos são de uma maior longevidade do que o que está aqui em causa. Aqui tentámos reduzir ao máximo o peso total do produto e o peso do revestimento para, quer numa questão de conforto como também numa questão de custo, tentar adaptar mais ao caderno de encargos global que os EPI’s para este caso específico do Covid justificam.
A adaptação foi rápida?
Sim. Nesta fase, o grande desafio é trazer as soluções para o mercado num tempo muito rápido. Acredito que muito deste know-how e alguns desses produtos, efetivamente, vão ter uma vida para além desta questão imediata da pandemia, por isso não dizemos que é know-how deitado fora e acho que há uma família de produtos que vai perdurar, mas a grande procura e a grande urgência é neste momento, por isso não vale a pena pensarmos em soluções que sejam a médio prazo quando o requisito é a curto prazo. Teve de ser uma adaptação super-rápida e isso é que permite que a empresa esteja a conseguir evitar questões como o lay-off, que aflige todo o sector.
Neste momento, a produção de artigos para EPI’s ocupa toda a produção ou continua com as outras áreas de atividade?
Eu diria que 80%, para não dizer mais, dos nossos clientes fora desta área estão parados e, por isso, a nossa produção neste momento está quase toda vocacionada para esta linha de produtos destinados ao Covid.
Em termos de segurança dos trabalhadores, que medidas estão implementadas?
Primeiro de tudo, o reforçar até à exaustão os cuidados que os nossos trabalhadores têm que ter, isto é, se tiverem algum sintoma não arriscar sequer vir trabalhar – é preferível que fiquem em casa desnecessariamente do que vir para a empresa e depois acusar esses sintomas. Diariamente passamos essa mensagem dos sintomas exaustivamente, que eles têm que ter especial cuidado e ao mínimo sinal simplesmente ficar em casa e fazer essa despistagem. Por outro lado, temos efetivamente algumas pessoas na área administrativa, e não só, em teletrabalho, quer por uma questão da empresa, quer, em alguns casos, pelas suas características pessoais – mas é uma minoria. E depois temos a distribuição de viseiras a todos os colaboradores, máscaras, gel, horários desencontrados mesmo na questão dos balneários, fazendo com que haja o maior distanciamento possível, neste caso não social mas de trabalho, melhorando assim a possibilidade de não haver uma contaminação ou, caso aconteça, minorando o perímetro de uma eventual contaminação. É uma série de coisas que já se começam a tornar padrão e há alguns hábitos que até são bons, que vão perdurar.
Quantas pessoas estão a trabalhar?
Cerca de 210. Estamos a trabalhar em três turnos e posso dizer, e não me canso de o dizer, que tem sido extraordinária a dedicação e o voluntarismo dos trabalhadores. Noto que, nesta altura, há uma alegria especial dos trabalhadores, não só por estarem a trabalhar mas de uma certa maneira contribuírem, penso eu, para este esforço conjunto e para a solução que todos esperamos encontrar para minorar os inconvenientes desta crise gravíssima.
Além de Espanha, há perspetivas de exportar este tipo de produto para outros países?
Neste momento só Espanha, mas aproveitando todo este know-how que estamos a ter nesta área, estamos a estender e a tentar levar este tipo de produtos para outras geografias, mas esta área, compreensivelmente, implica muitas certificações laboratoriais de cada país. Isso demora tempo e em alguns países não houve o regime simplificado de aprovações que houve em Portugal. Mas estamos empenhados e esperamos ainda conseguir exportar para outros locais.
Algum mercado em específico?
Não, a Europa em geral e EUA, aproveitando os mercados que a Endutex normalmente usa e vende. Com 80% da nossa produção habitualmente para exportação, tentamos fazer chegar junto dos nossos distribuidores esta nossa capacidade acrescida.
O Governo lançou um conjunto de medidas de apoio à indústria. Que análise faz dessas medidas?
O Governo lançou efetivamente um conjunto de medidas, nomeadamente a questão do lay-off que nós, felizmente, não estamos a usar, mas compreendo perfeitamente essa medida. Na questão também da moratória de crédito, acho que é importante porque independentemente da Endutex estar ou não necessitada destas medidas, a Endutex vive dos seus clientes e vive do mercado em geral e, por isso, há uma erosão da capacidade financeira das empresas que se traduz em moratórias de pagamentos e isso, para mim, é que vai ser o grande problema: a contaminação económica na cadeia de fornecimento entre empresas que não vão sobreviver ou que vão atrasar os pagamentos. É tudo uma cadeia, estamos todos interligados. Mais recentemente, o Governo lançou uma linha para a reconversão da produção ou dos equipamentos produtivos para fazer face a esta nova potencial área de negócios e a Endutex está a ver como é que isso se adapta, ou não, às nossas estratégias futuras.
Estão a pensar realizar investimentos nesta área, para aumentar a produção ou desenvolver produtos diferentes?
Estamos a pensar, não tenho nada de concreto neste momento, mas estamos efetivamente a analisar essa linha de financiamento à indústria e a ver qual é a adaptabilidade que isso pode ter na Endutex a médio prazo. Foi bem-vindo e vamos ver se temos condições para aproveitar alguma coisa desse programa.
Como estava a decorrer o início do ano antes da pandemia?
Já nem sei se me lembro. Baseado na realidade atual, qualquer coisa antes estava a correr muito bem. Tínhamos boas expectativas para o ano, mas com isso não quer dizer que tivesse expectativas de que 2020 fosse, na generalidade, um ano forte. Especificamente para a Endutex, eu estava otimista, estava positivo, porque tinha uma série de projetos na calha e uma série de desenvolvimentos que achava que, estando ainda em curso, iriam ter um bom resultado e, por isso, não estando eu otimista que o ano 2020 fosse um ano espetacular, achava que dentro do perímetro da Endutex iria ser um bom ano. Entretanto, mesmo com esta confusão toda, sinto-me privilegiado por estar a trabalhar neste momento. Eu sou dos que defendo que o país, as empresas, as pessoas devem tomar alguns riscos controlados, porque é impossível continuar nesta situação, parados, um lockdown da sociedade em geral. Acho que a retoma certamente acontecerá porque estamos parados e qualquer coisa é movimento, mas acho que vai ser lenta – nuns sectores mais rápida que noutros – e, por isso, as coisas vão demorar a chegar a um padrão minimamente semelhante ao anterior, mas quanto mais depressa nos pusermos ao caminho, mais depressa chegaremos a esse destino. Esperemos que agora já estejamos mais perto do fim desta enorme crise e que uma pessoa possa retomar minimamente o padrão de vida normal.
A Endutex atua em diversas áreas de negócio, dos têxteis-lar à impressão digital. Como prevê a retoma de cada uma delas?
Eu diria, de uma maneira geral, que elas vão retomar mais ou menos todas em simultâneo, com mais ou menos o mesmo padrão. Acho que há uma área que vai retomar mais lentamente – até porque as áreas têm subáreas. Uma pessoa quando fala da impressão digital é um mundo que está sob a impressão digital e, por isso, não podemos meter tudo no mesmo saco e dizer qual a velocidade de recuperação. Por exemplo, a nossa área de impressão digital, que é o nosso sector número um em termos de clientela, se por um lado acredito que as empresas ao retomar vão certamente fazer um investimento adicional em marketing, por outro lado, uma forte utilização da impressão digital está ligada às feiras e exposições e essa área vai ser uma das últimas a conhecer a luz do dia. Por isso, a impressão digital poderá ter subgrupos que vão avançar mais rapidamente, mas acho que é uma das áreas que vai ter uma recuperação mais lenta até chegar ao padrão normal, que está associado às viagens das pessoas e à participação em feiras de grandes aglomerados. O resto também não sei muito bem como é que o consumidor vai reagir. Acho que o consumidor está desejoso de sair de casa, mas será que está tão desejoso para andar às compras? Não sei, esperemos que sim. As pessoas estão mais receosas em relação ao seu futuro, em relação às despesas extra, mas acho que vai haver uma retoma.
É importante começarmos essa retoma, por muito incipiente que ela seja, porque acho que, depois, as coisas vão tomar lentamente o seu ritmo, havendo umas áreas mais rápidas do que outras.
Que impacto antecipa desta crise no volume de negócios da Endutex?
Não sei. Acho que vai depender muito da retoma. Quero acreditar que, no segundo semestre, estaremos quase sem limitações de clientes e se tivemos os clientes todos a trabalhar, uns mais rápido, outros menos rápido. Se eu conseguir que a faturação ao fim do ano não chegue aos dois dígitos em termos de quebra, ficaria muito contente com isso. O que me preocupa, muito francamente, não é isso no caso específico da Endutex. A Endutex felizmente tem uma boa situação económica, se é que uma pessoa hoje em dia pode dizer isso, porque o mundo é de tal maneira volátil e nenhuma empresa é uma ilha, por isso, temos que perceber quais são as consequências na cadeia de fornecimento da Endutex, a solidez dos nossos clientes, a capacidade de responder às responsabilidades assumidas. Fico mais preocupado com o que isso pode provocar no tecido industrial português, em termos de solidez financeira, do que propriamente esta quebra de consumo, que acho que é acomodável pela Endutex, em particular.
Qual foi o volume de negócios em 2019?
Cerca de 40 milhões de euros.
Em termos de cadeia de valor, ao nível das matérias-primas, quais têm sido as dificuldades sentidas nos últimos dois meses?
A Endutex sempre foi uma empresa que privilegiou ter stocks de matéria-prima elevados, porque muitas das nossas matérias-primas são voláteis e não podemos transmitir para os clientes essa volatilidade, conseguindo com isso garantir uma certa estabilidade no preço de venda. Essa política foi extremamente importante nesta altura porque quando aconteceu algum estrangulamento da cadeia de fornecimento, incluindo de países de fora da Europa, no Extremo Oriente e outros, a Endutex estava relativamente bem preparada para aguentar este lockdown e esta quebra na cadeia de fornecimento. Agora estamos a assistir a uma questão ao contrário: com esta concentração da atividade na área de saúde da Endutex e de todas as outras empresas que trabalham com isso, há uma concentração em determinadas matérias-primas, que também já começam a ter ou alguma escassez de oferta ou então um aumento de preço derivado da grande procura, o que é um bocado esquisito uma pessoa dizer que estamos em crise mas as matérias-primas estão a subir. Estando, contudo, a assistir a alguma escassez na oferta devido à grande procura de certas matérias-primas, até agora temos conseguido contornar bem esse problema.
As feiras são parte integrante da estratégia da Endutex. Como procura a empresa colmatar o cancelamento das mesmas?
Acho que algumas coisas vão voltar. Não estou a dizer que tudo vai voltar ao que era dantes, a questão do teletrabalho vai sair reforçada em algumas profissões, mas acho que nós, para o bem e para o mal, também somos pessoas que esquecemos relativamente rápido e as feiras fazem falta. Esta questão digital e da videoconferência, da internet e do Google não é uma novidade.
Há dois anos atrás também já se podia questionar qual era o interesse das feiras ou de visitar clientes. Acho que vai haver alguma mudança, que vai haver algumas consequências a curto prazo, que as pessoas lentamente vão aligeirar, mas quero pensar que, passado algum tempo, as coisas vão retomar, não vejo o sector das feiras em extinção. Alguns clientes vão dizer “em vez de vir aqui falar contigo, vamos fazer uma videoconferência”, mas isso também depende de cada um. O é importante é a questão da vacina, de qualquer coisa que reduza os efeitos, agora há coisas que vão mudar.
Mas em termos de indústria e em Portugal?
Há uma coisa que muita gente diz que vai mudar mas eu infelizmente duvido, que é a questão das cadeias de fornecimento. Acho que toda a gente se deu conta que se a China para, o resto do mundo para. É incontornável que as empresas e os vários sectores digam que não podemos estar tão dependentes de uma determinada geografia para fazer o fornecimento de tudo o resto. Algumas consequências vão ter. Agora, também não vejo a Europa, infelizmente, com uma agenda política que tenha coragem de tomar certas decisões que outros países vão tomar ou porque já estão reféns da China e não podem dar-se ao luxo disso ou porque esse discurso não passa na atual agenda política. Já há efetivamente líderes de países importantes na Europa que consideram que esta questão da China tem que ter consequências. Acho que vai ser discutido entre quatro paredes e não discurso aberto, agora vai ter consequências porque o mundo tomou consciência que é muito perigoso ter uma grande parte da sua cadeia de fornecimento num determinado país ou numa determinada área, que se bloquear, bloqueia tudo o resto. Penso que por aí vai trazer algumas mudanças. E penso que a Europa, de qualquer maneira, irá beneficiar dessa nova estratégia. Não vejo isso de uma forma radical – há três ou quatro dias li que enquanto algumas pessoas diziam que é altura de trazer de volta a industrialização à Europa, mesmo nesta questão médica, a seguir vi um alto responsável do comércio da Comissão Europeia a dizer que não é altura de criar barreiras ao comércio. Por isso, essa questão da industrialização não pode ser extremada. Se há crítica que faço é que as barreiras do comércio estão quebradas, mas quebradas unilateralmente. Nós abrimos as portas e outros fecham as portas – esse é sempre o cerne da discussão, porque é que não há igualdade de condições de ambas as partes. Nesse aspeto sou um bocado descrente e acho que vamos continuar entregues a nós próprios e cada um vai ter de tentar fazer o melhor que puder dentro do cenário que na altura estiver em vigor.
Que futuro se desenha para a Endutex neste novo normal?
Uma das coisas positivas que acho que vamos tirar desta crise é esta nova área. Nós tínhamos alguma coisa na área da saúde, mas completamente residual em relação à realidade atual. A área de vestuário de proteção, onde, aí sim, estávamos já com uma forte presença, era mais industrial e não propriamente este tipo de vestuário que estamos a falar e, por isso, acho que esta área na Endutex veio para ficar. Acredito que o mercado não vai ter a urgência e a intensidade que tem neste momento, mas acho que a Endutex certamente não vai desperdiçar o know-how e a linha de produtos que conseguimos introduzir. Tenho muita confiança na empresa, no nosso know-how, na diversificação dos nossos produtos, nos nossos colaboradores, na competência e na qualificação deles, por isso sou positivo.
É otimista em relação ao amanhã?
Sou, tenho que ser, senão seria muito mais difícil estar aqui. Sou otimista em relação ao futuro no sentido de dizer que é mais um peso que nos puseram nas costas mas certamente que não vai o nosso fim e vamos tentar tirar daqui oportunidades, como já tiramos, e fazer com que isso seja mais uma nova área de negócio, que uma pessoa possa olhar para trás daqui a algum tempo e dizer que teve alguma coisa de bom.
Acho que é importante, porque as empresas às vezes também precisam de fazer uma catarse estratégica, ver o que estávamos a fazer bem e o que estávamos a fazer mal. Este tipo de abanão – não era preciso ser tão intenso! –, para nós acordarmos, também traz coisas positivas. Sou otimista em relação ao futuro face aos dados que tenho agora. Mas isto foi, e está a ser, um desastre muito grande e só espero que depois não venha a pandemia fiscal. Tenho muito medo das consequências políticas e fiscais, mas estou positivo – sou otimista por natureza.
Trata-se de mais um desafio para a Indústria têxtil e vestuário portuguesa?
Acho que a indústria tem respondido bem a esses desafios e se há coisa que a indústria tem é esta capacidade de se regenerar e de desenvolver novos produtos, novas soluções, que acho extremamente aliciante. Nós não fazemos produtos ao quilo, em que a única diferenciação é a cor. É ajustar à necessidade, é o know-how, novos produtos, a questão da sustentabilidade, etc., e este tipo de desafios diários, e de alguns desafios macro, fazem com que uma pessoa não possa descansar e tenha que estar sempre nesta luta, mas também nos traz as nossas vitórias e o orgulho de conseguirmos ultrapassar tudo isto.