«O futuro vai ser pela digitalização»

Com a expectativa de crescer este ano à volta de 30%, a Becri está a ganhar dimensão e engloba, desde o início do ano, mais duas unidades produtivas. Além disso, tem acompanhado as tendências do mercado e investido em tecnologia e na sustentabilidade.

José Costa

A empresa pretende servir os clientes que tem atraído e mantido com uma forte política comercial e, por isso, está também envolvida em novos projetos, que, como revelou o administrador José Costa à margem da conferência digital “A indústria da moda em 2021/2022: o que esperar!”, irão ajudar a Becri a superar os próximos desafios.

Entre as tendências que foram apresentadas pelos especialistas internacionais, alguma o surpreendeu ou vai mais ao encontro daquilo que tem sentido na Becri?

Tudo o que foi dito foi realmente uma expectativa que já assumíamos que ia acontecer, toda a mudança que a pandemia criou na moda acho que era algo mais ou menos previsível. Esta questão da sustentabilidade é um tema que tem vindo a ser falado e que está a ser acelerado pela questão da pandemia. Para as empresas que têm estado atentas ao mercado e às tendências, as conclusões que foram apresentadas não surpreenderam na totalidade, antes pelo contrário, vão ao encontro das expectativas que tínhamos criado.

É o caso da customização? Referiu que, há quatro anos, esteve em Banguecoque num grupo de trabalho em que toda a gente já falava de personalização mas que ninguém sabia como trilhar esse caminho. A Becri já descobriu?

Ao fim destes anos todos ainda não descobriu, mas estamos a caminhar para isso. Para dar um exemplo, que tem a ver um bocadinho com a estratégia que temos dentro da empresa, falou-se aqui que há 15 ou 30 anos produzia-se em Portugal 100 mil peças por modelo, e a quantidade de peças por modelo veio a diminuir.

No fundo vai ao encontro da customização, claro que está muito longe ainda, mas, para ter uma noção, hoje para fazermos 100 mil peças por semana, que é o que temos feito na Becri, fazemos, se calhar, 100 modelos, cinco ou seis cores, em seis ou sete tamanhos. Isto é o princípio da customização. Acho que já encontramos um pouco o nosso caminho da customização, não é personalizado, mas está a caminhar para lá.

Como viveu a Becri o ano passado?

Foi um misto de emoções. Primeiro, porque os primeiros casos de Covid fui eu e a minha esposa e, portanto, tivemos que fechar a empresa durante 15 dias. Depois, quando regressámos, deparámo-nos com reduções drásticas de encomendas por parte dos nossos clientes. Acho que foi uma situação normal, porque estava toda a gente assustada, nós também estávamos assustados, não sabíamos o que era a pandemia. Também é verdade que após 15 dias de estarmos a laborar outra vez, 80% das coisas voltaram ao normal e até agosto, período de férias, as encomendas quase normalizaram em relação a 2019. E, por curioso que seja, posso falar no nosso caso concreto, tem a ver se calhar com o tipo de segmento de moda em que estamos, o casual e o sportswear – verificámos um crescimento nas encomendas dos nossos clientes. Quando começou a pandemia, naqueles primeiros dias em que regressámos, tínhamos quebras de 50%, 60%, 70%. Assustámo-nos. Mas fechámos o ano com 8,8% de quebra em relação a 2019 – passámos de 44 milhões para pouco mais de 40 milhões de euros.

E este início de ano?

Está a correr muito bem. Não temos nenhuma bola de cristal para adivinhar o que vai ser o futuro, mas as perspetivas são realmente de um aumento, contamos nós, à volta de 30%.

Com que tipo de clientes está a registar esse crescimento?

Foi tudo com clientes que tínhamos e também com novos que fomos angariando, porque temos uma forte vertente comercial. Não nos satisfazemos com aquilo que temos, queremos crescer. Esse esforço comercial está a ser feito, está a ser contínuo e os nossos clientes, que também viram oportunidade de negócio na parte do sportswear e no casualwear, fizeram crescer os negócios dentro da nossa empresa porque também viram competências no nosso grupo. Para além disso, também tivemos clientes que entraram pela primeira vez no grupo e está a correr bem.

Além da Becri, da Guay, da Gubec e da Títulos & Rubricas em Vila Verde, o grupo tem agora unidades em Ponte de Lima e Guimarães. Como entraram estas duas fábricas no universo da Becri?

Empresas como a nossa só sobrevivem com este tecido de micro e pequenas empresas à nossa volta, às quais recorremos quando temos mais encomendas. Temos altos e baixos e precisamos desta esfera que gira e orbita à volta das nossas empresas. São aquelas empresas que vivem de minutos e nós temos uma preocupação constante que o planeamento com eles não falhe, porque o minuto que falhe para eles é um prejuízo e isso verificou-se com esta questão da pandemia.

Por mais que quiséssemos não podíamos fazer mais do que aquilo que fizemos, porque tivemos um corte das encomendas de um momento para o outro. Houve realmente algumas empresas que sucumbiram. Daquelas que trabalham connosco houve uma, em Ponte de Lima, que ia desistir porque sentiu-se quase que abandonada e nós tomamos conta dessa unidade de 20 pessoas. Mas sentimos necessidade também de incorporar mais empresas. Havia uma empresa na zona de Guimarães que financeiramente tinha as suas dificuldades e nós optámos por integrá-la. São mais 95 pessoas que incorporámos no nosso universo.

Que investimentos tem realizado na área da automatização?

É uma área em que estamos a avançar. A parte em que poderíamos fazer um grande progresso já o fizemos, que foi o corte – já o fizemos há alguns anos mas temos vindo a renová-lo continuamente – e temos realizado investimentos na área do 3D.

Já conseguem ter amostras aprovadas só com 3D?

Ainda não estamos lá, mas o futuro vai ser isso e a pandemia acelerou um pouco, para não dizer muito, esta questão do 3D, sentimos isso muito na pele. É um processo que estávamos a pensar para daqui a três, quatro ou cinco anos e demos um avanço aqui de, pelo menos, dois a três anos. O futuro vai ser pela digitalização.

Também tem novos projetos na área da sustentabilidade?

Estamos sempre atentos a oportunidades na sustentabilidade. No final de 2020 o grupo Becri patenteou um processo, coisa rara na indústria portuguesa, porque às vezes reinventamo-nos e reinventamos processos e esquecemo-nos de registar e patentear. Nós fizemos isso. Criámos um processo, que se chama Fiberloop, para reintegrar na cadeia produtiva pelo menos 20% dos nossos desperdícios. É um primeiro passo, iremos dar outros com certeza. A iniciativa e a patente são nossas, mas temos um parceiro espanhol, a Hilaturas Ferre, e temos a parceria de uma lavandaria que faz o tingimento em peça, a Quinta & Santos, que são os nossos parceiros privilegiados neste processo.

Para 2021, as expectativas são boas. E para o futuro?

Instalámos a primeira máquina de corte em 1997 e antes de a instalar fui a Itália visitar um cliente, a Chicco – na altura trabalhávamos com roupa de bebé, hoje é mais homem e senhora –, e lembro-me que quando voltei disse ao meu irmão: “vamos ter que começar a fazer as nossas malinhas, começar a fechar as empresas, que não vamos ter futuro.

O pessoal está todo a pensar ir para a China, para a Ásia, é o que está a dar, não tem nada a ver connosco, portanto não vamos ter grande futuro”. Mas no espaço de cinco anos, passamos a crise de 2000, que foi dos nossos melhores anos, depois a crise de 2010, que foi dos nossos melhores anos e, se Deus quiser, vamos passar estes também. Nos maus anos da economia, felizmente a Becri tem prosperado e eu auguro um grande futuro para a indústria portuguesa, porque temos um know-how que os clientes apreciam muito e no segmento de clientes que trabalhamos, a questão do preço é importante, mas não é o mais importante. O mais importante para o cliente é o serviço, a qualidade e a rapidez de entrega e é nisso que estamos a apostar.