O futuro das feiras é virtual?

A pandemia do COVID-19 está a encorajar as feiras profissionais de têxteis e vestuário a considerarem modelos virtuais e outras alternativas, numa altura em que diversos eventos em todo o mundo já foram adiados ou cancelados. Texprocess Americas, Kingpins e Pitti Uomo são alguns dos certames que já anunciaram iniciativas digitais.

Texprocess Americas 2016

«Isto está a mudar toda a dinâmica, sobretudo para as feiras de equipamentos e maquinaria», afirma Michael McDonald, presidente da SEAMS, a associação de produtos de costura dos EUA, ao just-style.com. «Toda a gente está a procurar feiras online, conferências digitais ou tours em vídeo», acrescenta.

McDonald, que esteve envolvido na decisão de adiar a feira Texprocess Americas, uma organização da Messe Frankfurt com a SPESA (a associação americana dos fornecedores para a indústria de confeção), que iria decorrer em Atlanta, EUA, de 22 a 24 de maio, para de 15 a 17 de dezembro, está a considerar a possibilidade de usar vídeos e outras tecnologias online para mostrar os produtos dos membros da sua associação. Contudo, tal será um desafio – incluindo ao nível de recursos financeiros – uma vez que o fenómeno das feiras virtuais é novo.

«Pode custar de 2.000 dólares a dezenas de milhar de dólares, dependendo do tipo de software que se planeie usar», aponta o presidente da SEAMS. «Se fizermos vídeos do YouTube, custa quase nada, mas uma feira virtual pode ser muito dispendiosa», sublinha.

Michael McDonald está atualmente a falar com os membros da associação para perceber se e como poderiam recriar partes da Texprocess Americas online. Como parte do esforço, está a interagir com produtores de vídeo em cidades como Atlanta, Nova Iorque e Miami.

Make It British

Dependendo das conclusões, a organização pode optar por agendar “mini-feiras” que terão máquinas de corte e de costura num dia e programas de gestão de ciclo de vida (PLM) e outro software noutro.

Em alternativa, a SEAMS pode também lançar uma feira virtual piloto nos próximos meses, dependendo da forma como o vírus se desenvolva nos EUA, onde alguns responsáveis de saúde pública esperam que a epidemia fique controlada no verão, evitando mais perdas económicas.

«O nosso objetivo é ainda ter a feira, em dezembro ou noutra data», destaca McDonald. «Provavelmente teremos alguma componente virtual para diminuir a distância» até que uma feira física possa ser montada.

Moda adere ao online

Outros eventos, como a feira britânica de sourcing Make It British, estão a adiantar-se e a lançar versões virtuais numa altura em que o mundo está de quarentena para combater o vírus que já infetou mais de 429 mil pessoas e quase 19.200 mortos.

«Sabemos que agora as pessoas, mais do que nunca, precisam de produtores britânicos. Por isso estamos a planear a Make It British Virtual Expo, que terá lugar online no final de maio», anuncia Kate Hills, fundadora do evento.

Kate Hills afirma que a versão online da Make It British irá ser equivalente à edição física, com as mesmas conferências, reuniões de networking e workshops. «Cada expositor terá o seu próprio stand virtual, que poderá gerir durante a feira com a utilização de uma webcam que pode ser ligada a qualquer computador», refere em comunicado. E há até vantagens, garante a fundadora da feira. «Os expositores serão capazes de mostrar uma gama maior de produtos e incluir mais pessoas das suas equipas do que seria possível de outra forma», aponta.

Da mesma forma, a Kingpins Amsterdam está a substituir o evento físico de abril da sua feira de sourcing por uma versão online nas mesmas datas.

Kingpins

A nova Kingpins24 terá lugar a 22 e 23 de abril, com a transmissão online em direto de painéis, entrevistas, conteúdo de expositores (como a apresentação de novas linhas e de iniciativas de sustentabilidade e de responsabilidade social), conversas casuais e mais. «A Kingpins24 é a nossa tentativa de juntar a indústria de denim, mesmo quando somos forçados a estar separados», justifica a organização.

O evento pode ser visto através do website da Kingpins, com acesso gratuito aos eventos e conteúdo on-demand. A apresentação das tendências para o outono-inverno 2021/2022 também passará várias vezes por dia.

Já a Pitti mantém, por enquanto, as edições de junho das feiras de homem (Pitti Uomo) e criança (Pitti Bimbo), mas a organização, a cargo da Pitti Immagine, refere que as edições físicas serão apoiadas pela plataforma digital e-Pitti Connect, que irá oferecer «interação remota». Em comunicado citado pela Drapers, é indicado que embora estejam empenhados em manter as datas, nomeadamente da Pitti Uomo, a primeira, marcada para de 16 a 19 de junho em Florença, «estamos, efetivamente, a trabalhar numa base dupla, física e digital, com serviços inovadores e complementares para aumentar a eficiência das relações entre empresas e compradores».

Uma tendência global

Estas mudanças surgem numa altura em que muitos outros eventos foram também adiados ou cancelados em termos mundiais. A suspensão da Feira de Cantão, em Guangzhou, na China, que deveria realizar-se em abril e maio, deixou muitas marcas e retalhistas, especialmente americanos, nervosos sobre como vão encher as prateleiras das suas lojas no próximo ano.

A Shanghai Fashion Week, que se deveria ter realizado em fevereiro, foi adiada sem data, deixando 1.200 marcas de moda sem compradores. Com outros eventos semelhantes a serem cancelados em Nova Iorque e Londres – assim como em Portugal, onde apenas o primeiro dia do calendário do Portugal Fashion foi cumprido – os organizadores de desfiles estão igualmente a procurar formas de migrar os eventos para plataformas digitais.

Shanghai Fashion Week no Tmall

A própria Shanghai Fashion Week foi relançada esta semana, num formato digital com transmissão em direto no Tmall e na plataforma Taobao, da gigante Alibaba, com mais de 150 marcas e designers de todo o mundo, incluindo a americana Diane von Furstenberg. «Para esta edição da Semana de Moda de Xangai, integramos algumas das tecnologias mais avançadas do Alibaba para oferecer uma experiência nova e de alto nível aos consumidores», garante Mike Hu, diretor da divisão moda, luxo e bens de grande consumo do Tmall, citado pela Fashion Network.

Ketty Pillet, vice-presidente de marketing na tecnológica Gerber Technology, espera que as feiras online ganhem notoriedade nos próximos meses, numa altura em que diversos governos estão a proibir interações sociais para conter o COVID-19 e o seu impacto na economia mundial, onde já se prevê uma recessão. «Como estamos a ver um ano sem feiras, estamos a colocar em curso estratégias como eventos digitais e experiências como desfiles em direto no Facebook e no LinkedIn», revela.

O início da era digital

Pillet antecipa uma era em que os contratos de sourcing serão estabelecidos online, se forem colocadas em prática a mudança correta nas estratégias de gestão. «Vejo pelo menos 30% das feiras atuais a serem online, com o que está a acontecer agora [com o COVID-19] a impulsionar isso», afirma.

Já Steve Lamar, CEO da American Apparel & Footwear Association, concorda que mais feiras virtuais estão a ser trabalhadas, mas não prevê que isso se torne no novo normal.

Pitti Uomo

«Muitas pessoas vão analisar se conseguem fazer mais coisas virtualmente usando a tecnologia que existe agora e desenvolvendo novas abordagens», concede. «Mas à medida que a crise passe, vamos ver muitos eventos físicos» a regressarem, acrescenta.

O responsável questiona mesmo se o digital pode substituir o físico no que diz respeito a tecidos e vestuário. «Em certa medida, é difícil substituir a interação pessoal, a análise física de amostras e o networking dos eventos físicos», acredita.