Chumbo é o mais negro dos cenários apontados pela ATP e aquele que todos querem evitar. É também, segundo o estudo, o que «tem menos probabilidade de ocorrer, mesmo se comparando outros períodos históricos em que, apesar da incerteza ser menor do que aquela que hoje vivemos, os contextos induziam-nos a perspetivas mais sombrias, que felizmente não se verificaram».
Neste cenário, o conceito de cluster – que é apontado como uma das mais-valias da indústria têxtil e vestuário portuguesa – desaparece, afetando irreversivelmente a cadeia de valor. A falta de proatividade iria afetar o tecido empresarial, sobretudo a confeção, tornando-o menos competitivo a nível mundial.
Sob esta perspetiva, no final da década haverá apenas cerca de 2.500 empresas ativas, que empregarão menos de 75 mil trabalhadores, assegurando um volume de negócios inferior a 5 mil milhões de euros, em que as exportações representariam pouco mais de 4 mil milhões de euros.
«O peso da ITV na indústria transformadora ficará reduzido praticamente a metade do que hoje temos, perto dos 10%, e as exportações não significarão mais de 5% da venda de mercadorias do país ao exterior, remetendo o sector a um lugar indiferenciado e não estratégico no seio da economia nacional», resume o estudo.
Prata conservadora
O cenário prata é mais otimista mas, ainda assim, apresenta «uma perspetiva conservadora» e, refere a ATP, «com probabilidade elevada de se verificar».

A desestruturação do cluster faz igualmente parte desta projeção, com a perda de empresas de confeção por falta de mão de obra e competitividade em termos de custos, com a produção de vestuário a ser transferida para países com salários mais baixos. «A “pedra de toque” desta evolução (…) será sempre a indústria de malhas, incluindo a confeção de malha, caso não consiga manter o seu dinamismo, inovação e criatividade».
Com este cluster imperfeito, e com empresas sem escala para competir, em 2030 a indústria têxtil e vestuário portuguesa terá ainda mais de 3.500 empresas e de 80 mil trabalhadores diretos neste cenário, que aponta para um volume de negócios superior a 6 mil milhões de euros, dos quais 5 mil milhões realizados em exportações. Significaria ainda uma «redução significativa do peso da ITV no conjunto da indústria transformadora, em termos de emprego, e nas exportações nacionais, com quebras de cerca de 14% e 6%, respetivamente».
O mais desejado
O cenário ouro, contudo, é o mais desejado e aquele em que tanto a ATP como os empresários que estiveram presentes no Simpósio mais acreditam.
«Neste quadro, podemos admitir a existência de um número ainda importante de empresas em todos os subsectores da fileira, garantindo complementaridades e sinergias, numa lógica de cluster estruturado, em que se retira o máximo de vantagens, interagindo com o sistema científico e tecnológico, tornando fluída a transferência de conhecimento, estimulando a incorporação da inovação enquanto instrumento de diferenciação, capaz de garantir mercados e margem de negócio», descreve o estudo.
É uma visão otimista que antecipa a conjugação da existência de algumas empresas de maior dimensão e escala europeia, investimento estrangeiro e nacional, desenvolvimento de matérias-primas artificiais, economia circular, uma boa aplicação dos fundos comunitários e o valor do “made in Portugal”.
«Este cenário só será possível se o core do sector se mantiver na indústria de malhas, assegurando pelo menos, como tem acontecido nas últimas três décadas, 40% de toda a atividade da fileira, eventualmente crescendo para compensar a perda de pujança da confeção de tecido, resultante de diversas razões, que vão das tendências de moda, consumo e estilo de vida, à dificuldade de encontrar pessoal especializado e insuficiente automação deste subsector, cingindo-se apenas a nichos de grande sofisticação, em que se incluem os modelos de negócios de customização da produção», esclarece o estudo.
O cenário ouro antecipa a existência de mais de 5.000 empresas e de 120 mil trabalhadores diretos, com um volume de negócios a ultrapassar os 10 mil milhões de euros, dos quais 8 mil milhões de euros em exportações.
Empresas otimistas
Um cenário ambicioso mas no qual os empresários acreditam. «Acho que a linha de partida é essa. Agora sabemos que o mundo mudou muito, seja pré pandemia ou pós pandemia, e vai continuar a mudar. Temos de ter aquela ambição de querer caminhar nesse sentido», assegurou Paulo Melo, administrador da Somelos.

«Não sei dizer se é com mais ou menos empresas mas acho que tem de ser com mais empresas diferentes, com tipologias de produtos totalmente diferentes, com muito mais valor acrescentado. Em Portugal fazemos muito bem, por isso é aproveitar tudo aquilo que temos de bom e de conhecimento e utilizar isso em prol do futuro, que será sempre diferente», explicou ao Jornal Têxtil.
«Obviamente todos devemos lutar pelo cenário de ouro», afirmou Manuel Gonçalves, administrador da TMG. «Quando em 2014/2015 se desenhou o cenário mais otimista para a indústria têxtil até 2020, em metade do caminho já tínhamos atingido esse objetivo e, portanto, apesar da ambição, acho que é possível. E acho que os temas da sustentabilidade e da digitalização vão trazer oportunidades muito importantes para que a indústria volte a reposicionar a sua competitividade no panorama europeu», revelou ao Jornal Têxtil.