No Core da ModaLisboa coube tudo

Da irreverência dos anos 90 aos temas fraturantes da sociedade atual, tudo teve o seu espaço nesta edição da ModaLisboa, que durante três dias deu palco à criatividade e às propostas para as próximas estações dos designers nacionais.

Luís Buchinho [©ModaLisboa-Ugo Camera]

Luís Buchinho foi dos primeiros a subir à passerelle desta edição Core da ModaLisboa e com ele trouxe a pureza minimal dos anos 90, com estampados coloridos a darem cor a materiais mais técnicos, combinados com flanelas e veludos de lã, pensados para as temperaturas mais frias do outono e inverno. A acompanhar as peças de vestuário, o designer apresentou também a coleção de joalharia resultante da parceria que fez com o grupo Alcino, uma marca portuense especializada em prata.

Luís Carvalho [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Béhen [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Um outro Luís inspirou-se no trabalho da artista Caroline Walls para, mantendo o ADN da marca Luís Carvalho, onde pontuam linhas retas e oversized, criar formas orgânicas e fluidas, onde imperam vários tons de pele. Preto, castanho-mel, areia, cru, verde-cáqui e cinzento constituíram a paleta de cores do designer, que recorreu a tecidos de fazenda, brocados, tafetás, sarjas e popelinas para esta coleção de inverno.

Entre os mais jovens, Joana Duarte, da Béhen, procurou a beleza das pequenas coisas, que encontrou em materiais e técnicas que «cruzam linhas temporais e que nos recordam a efemeridade da vida, das pessoas. Mesmo daquelas que deveriam ser para sempre», descreve a nota de imprensa. Em O Deus das Pequenas Coisas, como batizou esta nova coleção, a designer combinou técnicas tradicionais, como os bordados da Madeira e o bordado a vidrilho de Viana do Castelo, e tecnologias e materiais mais contemporâneos, como o corte a laser e “couros” de cortiça e de bagaço de uva.

Gonçalo Peixoto [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Duarte [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Já Ana Duarte mostrou-se combativa e trouxe para a passerelle uma performance de judo, arte marcial que pratica desde criança, para abrir o desfile da nova coleção da Duarte, denominada Hajime, que em japonês significa “início”. A designer, que mantém a parceria com a Albano Morgado, criou «peças maioritariamente unissexo, com uma silhueta larga e pespontos, painéis e formas que relembram o fato de judo, o judogi», refere a descrição da coleção, que foca ainda o estampado menta feito propositadamente, assim como a versatilidade das peças, que podem juntar-se «entre si, preparando quem as usa para enfrentar tanto o inverno como o verão».

Gonçalo Peixoto, por seu lado, apostou nas transparências e no brilho para Sometimes I Just Wanna Kiss Girls. «O que começou por ser um manifesto, uma intenção ou um mood é, agora, o mote transversal a todas as coleções de Gonçalo Peixoto. É desta forma que o designer declara o fim dos conceitos: a cada coleção, vai continuar a explorar a sua identidade enquanto marca, sem imposição temática ou conceptual», resume a descrição das propostas.

Sob o prefixo trans

Nuno Baltazar [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Tanto Dino Alves como Nuno Baltazar usaram o prefixo “trans” na designação das suas coleções. No caso do primeiro, «o prefixo trans é parte de palavras como transformar, transladar, transmitir, transferir, transbordar, transparecer, transplante, transvia, transporte, e muitas outras onde está implícita a ideia de mudança. Trans-Forma retrata a vontade constante que o ser humano tem de mudança, sobretudo da sua aparência física, recorrendo, por exemplo, a diferentes cortes e cores de cabelo, maquilhagens que redesenham o rosto ou roupas que alteram a silhueta, evidenciando ou escondendo a forma física. Estas transformações são transversais, seja por uma questão de moda, ou por mero descontentamento com o próprio corpo, levando, in extremis, a mudanças mais definitivas através de cirurgias plásticas», explica Dino Alves em nota à imprensa. Para o outono-inverno 2023/2024, o designer criou uma coleção que «fala da liberdade de mudarmos a nossa aparência», com uma modelagem que altera a silhueta natural do corpo, recorrendo a drapeados e às crionolinas aplicadas de forma diferente – elementos que transmitem a ideia de transformação. Nas cores, recorre a preto, nude, branco, azuis, amarelo, rosa, salmão pálido e lilás.

Dino Alves [©ModaLisboa-Ugo Camera]
O “trans” de Nuno Baltazar aplica-se em Transverse, uma «proposta de um espaço de interceção enquanto lugar de reflexão sobre diferentes corpos, os seus contextos e novas perspetivas resultantes do questionamento sobre a sua estética e dos seus processos artísticos. Numa dialética subversiva em que desenraíza conteúdos religiosos e os contextualiza em novos corpos performativos, numa narrativa que cruza a cultura popular com a queer», revela. Na passerelle, os manequins começaram por desfilar ao som de Avé Maria e de velas nas mãos, simulando uma procissão católica. Entre as propostas de Nuno Baltazar destacaram-se os estampados leopardo, em vestidos e casacos, incluindo no forro.

No fim, houve um big bang

Carlos Gil invocou a Alma, numa coleção que celebra um quarto de século de carreira. «É uma imersão nos 25 anos do percurso da marca, inspirada nos sentimentos de uma história recheada de momentos transformadores. Reflexo do tempo e da evolução natural, a mulher Carlos Gil é determinada e elegante, e apresenta uma imagem forte e positiva, marcada por linhas estruturadas num corpo que, tal como a Alma, é livre», aponta o designer, que criou um padrão floral exclusivo para esta coleção.

Nuno Gama [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Carlos Gil [©ModaLisboa-Ugo Camera]
Nuno Gama foi beber ao mar e ao espírito navegador dos portugueses a inspiração para as novas propostas da sua marca epónima. «Embarcámos nesta nau, na Gare Marítima de Alcântara, através dos painéis de Almada Negreiros, num desafio de mais uma viagem, feita da oportunidade de evolução entre a marca e o ritmo dos nossos clientes, na incessante perceção de bem-estar na vida e no amor à nossa natureza», aponta. Em Catrineta, como se chama a coleção, «demos vento às telas naturais, orgânicas, recicladas ou reinterpretadas em novos técnicos e em novas estruturas, cosidos à Portuguesa entre si, em saborosos bicolores ou contrastantes, acalmando assim vento e mar», descreve. Nas cores, «dos azuis na volta ao mar, avistámos os tons areia das praias de Portugal para, ao crepúsculo, a alma encontrar e, em lindas cores, se transformar».

E esta edição da ModaLisboa terminou com a coleção Big Bang da Call Me Gorgeous, a marca de Luís Borges, assim designada porque «se aventura para outros cantos do cosmos, com novos materiais, novos tons, novos brilhos e um design que se desapega de limitações terrestres». Propostas que, refere a marca, são «um desfile de histórias e personalidades: em cada uma delas, um novo Big Bang. Porque o tempo não é infinito, mas somos nós que criamos o espaço».

Call Me Gorgeous [©ModaLisboa-Ugo Camera]